sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Movimento Gota D'água e Belo Monte

"Belo Monte foi superdimensionada. A capacidade de 11,2 mil MW só estará disponível durante três meses do ano. Nos meses de setembro e outubro, quando o rio Xingu fica naturalmente mais seco, a capacidade instalada aproveitável da hidroelétrica não será maior do que 1.088 MW médios. Por que, então, manter essa capacidade instalada total, que representará um custo de investimento da ordem de R$ 30 bilhões, com o aporte financeiro do BNDES, que se dispõe a financiar 80% do custo?" - Célio Bernann (Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, em entrevista para edição especial da Scientific American).

A resposta de Célio é simples: Belo Monte é apenas a ponta de um iceberg muito maior que vem por aí, um conjunto de hidroelétricas planejadas para a região do Xingu. A obra faz parte de um planejamento governamental muito mais amplo, um projeto 'estratégico' associado a forma como os nossos representantes políticos vêm a nossa matriz energética e o nosso modelo de desenvolvimento.

No ideário político de Dilma, o impacto da hidroelétrica sobre a vida de índios e ribeirinhos que vivem na região é algo inevitável diante da demanda por desenvolvimento, um "sacrifício" em nome do crescimento econômico. Esse posicionamento político conta com o suporte do imaginário nacional sobre os índios e ribeirinhos, geralmente percebidos como um obstáculo ou anacronia que deve ser superada.    

Ao mesmo tempo, o governo e os principais interessados na construção de Belo Monte têm abordado a questão por um viés "terrorista", alarmando a população de que 'sem Belo Monte vai faltar energia elétrica na casa das pessoas', o chamado 'risco do apagão'.

Mas será que é assim mesmo? Como saber, se não nos é dado o direito de discutir e debater a questão? Afinal, boa parte da população não tem a menor ideia de onde vem a energia elétrica consumida em suas casas e nunca conheceu os povos indígenas e ribeirinhos que vivem na região, seu modo de vida e a forma como eles dependem e usam a floresta e os rios que estão sob risco de destruição. Da mesma forma, desconhecemos os interesses econômicos envolvidos na construção de Belo Monte. O que sabemos é que a obra está sendo financiada com recursos públicos. Isto significa que pessoas assim como eu e você é que estão financiando Belo Monte. Agora, o difícil é visualizar quem está lucrando com a construção de Belo Monte. Quais são as empresas que compõe o consórcio responsável pela obra? Quais são os interesses econômicos envolvidos na questão? Quem sabe? Alguém sabe? Ninguém sabe?

Porque não podemos usar o caso da hidroelétrica Belo Monte para avaliar e refletir sobre a nossa matriz energética, a forma como ela foi concebida, os potenciais e as alternativas existentes, os caminhos alternativos que podemos visualizar a médio e longo prazo? Será que o passaporte para o desenvolvimento do Brasil reside necessariamente na destruição da Amazônia e dos povos que habitam suas matas e rios? Será que realmente não existem outras alternativas de geração de energia elétrica? Quais são os investimentos e as políticas públicas que estão sendo adotadas com a finalidade de buscar outros caminhos de geração de energia? Será que a energia hidroelétrica é realmente uma fonte "limpa"? Porque não podemos discutir essa questão? Será que não existem caminhos mais sustentáveis para garantir o tão aclamado desenvolvimento? As pessoas diretamente afetadas pela obra estão sendo devidamente consultadas, conforme determina a nossa Constituição?

É exatamente esse o questionamento que orienta o movimento "Gota D'água", que assumiu a polêmica em torno da construção de Belo Monte como sua primeira ação de sensibilização do público mais amplo para os problemas socioambientais enfrentados pela nossa sociedade. Com apoio de um seleto grupo de atores "globais", o movimento pretende envolver o cidadão comum no debate, para que ele busque mais informações e se posicione.

A ação é motivada pela forma estereotipada em que a mídia tem abordado os conflitos socioambientais oriundos da ampliação das frentes desenvolvimentistas na Amazônia e no centro-oeste. As reivindicações dos povos indígenas, ribeirinhos e ambientalistas são retratadas como uma anacronia sem sentido, um movimento "bárbaro" contra o desenvolvimento da sociedade brasileira. Mas será que destruir os rios e as matas que sustentam os povos que vivem na região é uma atitude "civilizada"? Não faz parte do caráter bárbaro o desrespeito e a insensibilidade com a alteridade cultural? A forma como a questão é apresentada (e editada) mostra a construção de Belo Monte como a única alternativa para a geração de energia elétrica. A sobreposição de notícias leva o espectador a acreditar que esse é a única garantia de que ele continuará tendo acesso aos benefícios da eletricidade, base material sem a qual não haveria como manter e reproduzir o modo de vida urbano e capitalista. Como podemos ver, a nossa atual matriz energética é legitimada nos meios de comunicação de massa a partir de um marketing "velado", composto nem tanto pelo conteúdo da notícia, mas pela forma como os eventos são narrados e associados entre si. As pessoas são levadas a crer que a energia hidroelétrica é o único caminho para a manutenção do seu meio de vida "moderno", urbano e capitalista. Mas, insisto, será assim mesmo?

Não sabemos e não temos como saber se não nos é dado o tempo necessário para debater e discutir a questão em um ambiente realmente democrático. A imposição desse modelo de desenvolvimento e sua respectiva matriz energética é um fato histórico da política nacional, resta saber se essa é, realmente, a única alternativa. No contexto da ditadura militar, as políticas e ações do governo eram impostas sobre a população, justificadas por um tecnicismo de "caserna" que sempre viu a Amazônia como um "território vazio" de conhecimento e pessoas, uma fonte de enriquecimento, desconhecendo o valor humanitário da sua conservação. Na época, não era permitido à população brasileira discutir ou questionar essa política. Inclusive, teve muita gente que pegou em armas contra o regime da exceção exatamente devido ao desmando dos militares e sua atitude anti-democrática. Vivíamos no período da censura totalitária, sem espaço para discussão e debate de opiniões.

Mas hoje vivemos em uma democracia e temos o direito de debater e discutir a nossa matriz energética! Energia não é um problema unicamente técnico, mas social e político. Inclusive, vale lembrar, existe muita controvérsia entre os engenheiros e cientistas sobre a viabilidade de Belo Monte, mas, infelizmente, a população não tem acesso a multiplicidade de visões e opiniões sobre o assunto. E não podemos nunca esquecer, sem acesso à informação não existe, de fato, exercício do direito de escolha, não existe democracia.

O movimento Gota D'água é uma inovação sensacional, pois faz uso dos meios de comunicação e marketing para produzir e disseminar a ideia de que precisamos debater a questão, principalmente, entre pessoas que dificilmente prestam atenção e se deixam sensibilizar pelo discurso de ambientalistas, antropólogos e lideranças políticas sobre os conflitos socioambientais na Amazônia. Afinal, é difícil imaginar a problemática sem ter contato ou experiência direta com a região e seus habitantes. Os problemas enfrentados por índios e ribeirinhos afetados pela construção de Belo Monte parecem distante - aparentemente - da realidade vivenciada nas grandes metrópoles. Para resolver esse impasse ou distanciamento emotivo (ou sentimental) do grande público, nada melhor do fazer uso de meios e recursos que possibilitem e facilitem a propagação das informações.

Os atores, músicos e artistas possuem um alcance carismático que está acima de todo e qualquer discurso teórico ou técnico, pois conseguem traduzir a problemática e a controvérsia em torno de nossa matriz energética para um grande número de pessoas, desempenhando um papel que deveria ser da mídia, conforme determina a função social dos meios de comunicação, preceito constitucional nunca observado na prática. O fato desses atores acreditarem na causa que estão ajudando a propagar torna o movimento mais legítimo ainda, potencializando ainda mais a sua mensagem.

Se você tem qualquer dúvida, por menor que seja, acesse o site do movimento no link abaixo, conduza suas próprias pesquisas em outras fontes de informação, discuta com seus familiares, amigos e vizinhos e - o mais importante - não deixe de se posicionar sobre o assunto!  

Acredite, você pode fazer a diferença! Ajude a salvar a Amazônia e os índios que habitam lá!

Link para o blog do movimento "Gota D'água":

http://movimentogotadagua.com.br/

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