DA OBSERVAÇÃO
Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...
DO ESTILO
Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.
DAS BELAS FRASES
Frases felizes... Frases encantadas...
Ó festa dos ouvidos!
Sempre há tolices muito bem ornadas...
Como há pacóvios bem vestidos.
DO CUIDADO DA FORMA
Teu verso, barro vil,
No teu casto retiro, amolga, enrija, pule...
Vê depois como brilha, entre os mais, o imbecil,
Arredondado e liso como um bule!
DOS MUNDOS
Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que triste os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
DO SABOR DAS COISAS
Por mais raro que seja, ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho e silencioso amigo.
Mario Quintana é simplesmente sensacional! Sem a menor dúvida, um dos melhores poetas da língua portuguesa. Pela sabedoria de saber-fazer uma poesia mundana, voltada para o estranhamento poético dos pequenos eventos cotidianos, que são transformados pelo olhar sensível e pelo ritmo sutil de uma poesia pequena, minuciosa, cotidiana.
E dizer que Mario teve sua candidatura negada pela Academia de Letras. Mais tarde, ao final da vida, quando já era um poeta consagrado nos circuítos nacionais e internacionais, a Academia enviou-lhe um convite, o qual foi recusado. Se os doutores podiam viver sem sua poesia, certamente, ela também poderia entrar para a história sem o peso de uma instituição que tão generosamente integrou políticos habituados na terrível arte de enganar e roubar o povo brasileiro.
É porque, de fato, o poeta sabe mais sobre a linguagem do que o melhor dos especialistas em linguística. É porque a linguagem não é algo passível de ser abstraída como um jogo matemático, mas algo que evoca o mundo da existência, apontando para o exercício cotidiano de habitação e convivência com as entidades que valorizamos e que requerem nossa atenção e cuidado. Como diria Heidegger, para apreender a essência da linguagem (seja ela qual for), não pergunte aos matemáticos da linguística, mas aos poetas, esses sim sabem experimentá-la na prática!
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