sábado, 25 de dezembro de 2010

Um Feliz Natal e um Próspero 2011!

Eu gostaria de desejar a todos, especialmente aos membros da comunidade “AntropoSimétrica”, um FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO, com muita alegria, paz, amor e saúde!



Todos os anos, na mesma data, os cristão do mundo inteiro comemoram um dos eventos mais importantes da cosmologia ocidental: o nascimento de Jesus Cristo, filho de um pobre carpinteiro, que lutou contra as desigualdades e injustiças do seu tempo, pregando o amor, a compreensão, o entendimento e a amizade entre homens e mulheres. O seu nascimento é relembrado todos os finais de ano, quando revivemos com nossos familiares e amigos sentimentos tão nobres como a solidariedade e a bondade. Com isso, renovamos em nossos corações a vivência da esperança e a crença de que vale apena viver a vida, mesmo diante de tantas adversidades.

Nada melhor do que as crianças para representar esse renascimento. A sua felicidade espontânea diante das pequenas ações diárias de descobrimento da vida, seu amor sincero por todos que estejam dispostos a retribuir com o mesmo carinho, talvez seja a representação mais pura do sentido existencial da vida. É por isso que apreendemos tanto com as crianças, com suas pequenas aventuras, suas revelações e seu encantamento pela simplicidade da descoberta. É por isso que o seu sorriso nos comove tanto: a indicação mais concreta de que o simples fato de estarmos vivos é uma benção divina.

2010 foi um ano de grandes conquistas, mas também de grandes batalhas. Enfrentamos a ação das forças conservadoras de direita, que buscaram atacar os direitos dos povos indígenas, das minorias étnicas e políticas. A violência com que esses setores têm atuado é o efeito das nossas conquistas nas áreas de direitos humanos, civis, ambientais e socioculturais. O fato é que o lento processo de consolidação da democracia no Brasil, que teve início após a abertura política - começou a dar os seus primeiros resultados, gerando também um movimento contrário dos setores mais conservadores. Os ataques que sofremos na mídia são apenas a expressão mais evidente e concreta de uma batalha que certamente irá continuar em 2011. Por isso, desejo que este final de ano também seja um momento de renovação espiritual e reposição das energias e convicções tão necessárias para transformarmos o ano que está por nascer em uma nova oportunidade para a construção de um mundo melhor!

É tempo de renovarmos nossas convicções e nosso compromisso com os valores da democracia e da participação popular em todas as esferas de exercício governamental, permitindo que o Estado se torne realmente um instrumento de exercício da cidadania.

As imagens de dor e sofrimento de milhões de famílias no mundo inteiro devido aos efeitos nefastos do aquecimento global parecem apontar para a necessidade de inventarmos uma nova forma de fazer política, mais sensível aos dilemas socioambientais. A humanidade precisa encontrar um novo modelo de desenvolvimento, mais sustentável e comprometido com o meio ambiente.

Os povos indígenas e não-modernos tem nos dado exemplos importantes de formas de vida mais sustentáveis e menos devastadoras do que o capitalismo que hoje caracteriza a vida ocidental. Mas para que esses exemplos sejam eficientes é preciso percebê-los em sua integridade: não podemos tratar os conhecimentos desses povos como uma mercadoria ou como simples matéria prima. Ao fazermos isso, corremos o risco de perder a oportunidade única de descobrirmos novas ontologias e, com isso, abrirmos nossa imaginação para outros mundos além deste que vivemos. O mundo ocidental e moderno precisa viver o seu devir não-moderno e, desta forma, descobrir outras naturezas-culturas possíveis, tornando a imagem de outros mundos uma alternativa concreta para pensarmos o nosso futuro.

O blog antropologia simétrica está comprometido com esses princípios e irá continuar fazendo deste humilde espaço virtual um instrumento de disseminação de boas idéias, contribuindo para esse novo mundo que vemos renascer todos os anos.

Como já disse Nietzsche em algum lugar: a esperança é a qualidade mais importante da humanidade, motivo de todas as transformações e acontecimentos significativos da nossa história. Nada melhor do que o Natal para nos lembramos do seu valor em nossas vidas!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Nas Margens do Diário de Campo – Manaus (Parte II)

Nesta segunda parte do meu relato sobre o período que permaneci no Amazonas pretendo falar sobre as viagens que realizei nos arredores de Manaus: as viagens para Presidente Figueiredo, cidade localizada a 100 km ao norte de Manaus, via BR-174 (que vai até Boa Vista); e os passeios de barco pelo rio Negro.


O “Paraíso das Cachoeiras”

Presidente Figueiredo é um município pequeno, com cerce de 30 mil habitantes, que serve como referência de lazer para os moradores de Manaus devido à existência de mais de uma centena de cachoeiras na região, motivo pelo qual a cidade é conhecida como o “Paraíso das Cachoeiras”. Estive na cidade na companhia de amigos e familiares, quando tive a oportunidade de conhecer algumas das suas cachoeiras, cada uma mais linda do que a outra. A cidade também conta com uma excelente estrutura de hotéis, pousadas e restaurantes. Para quem está pensando em conhecer melhor o interior da floresta sem grandes deslocamentos de barco ou carro para o interior do Amazonas, sugiro visitar esse verdadeiro “paraíso”.




Uma boa dica para quem está pensando em se aventurar por lá: alugue um carro em Manaus (onde as diárias não são muito caras), pois as cachoeiras estão localizadas em pontos diferentes do município, tornando necessário se deslocar até esses locais de carro ou taxi (a última opção é mais cara).

                                                   
Mas, para quem quiser economizar e não tiver a pretensão de conhecer um grande número de cachoeiras, também existe a possibilidade de ir de ônibus e ficar hospedado em uma das pousadas localizadas ao lado das cachoeiras mais importantes. Não existe nada como passar algumas horas desfrutando da exuberância da floresta tropical, tomando banho de rio e visitando as belezas da região.



Nas trilhas que levam até as cachoeiras, é possível encontrar animais e plantas amazônicas, além de conhecer cavernas e percorrer caminhos no meio da mata. A infraestrutura é variável, sendo que algumas cachoeiras estão localizadas em áreas privadas, tornando necessário o pagamento de uma taxa de ingresso.   


Os Passeios de Barco e as Praias

Um dos programas mais populares entre os turistas que visitam Manaus são os passeios de barco, seja para conhecer o “encontro das águas” (convergência entre o rio Negro, de água preta, e o rio Solimões, de água clara), seja para visitar comunidades e praias localizadas nos arredores. Esse serviço é oferecido pelas agências de turismo, mas sugiro tentar negociar diretamente com os donos dos barcos, pois eles cobram bem mais barato do que os intermediários.







O passeio costuma durar de três horas até dias inteiros, dependo do itinerário combinado antes com o capitão da embarcação. Também existem barcos de diferentes tamanhos, como lanchas rápidas para 8-10 pessoas e barcos de dois andares com espaço para dezenas de pessoas. De qualquer forma, mesmo os passeios mais breves incluem uma visita ao “encontro das águas”, a uma comunidade de ribeirinhos localizada nas proximidades e um almoço em restaurantes localizados na outra margem do rio Negro, onde é possível provar as delícias da culinária local. Mas, havendo disposição, é possível estender o passeio até uma das inúmeras praias localizadas nas margens do rio Negro ou até o “Arquipélago Anavilhanas”, um complexo de 400 ilhas localizado a 40 km de Manaus. Vale realmente apena tirar um dia para navegar pelo Rio Negro e conhecer suas belezas.




Bom, hoje acabo por aqui o meu relato. No próximo post, pretendo falar um pouco sobre a minha estadia no laboratório de farmacologia da UFAM,que desenvolve pesquisas com plantas medicinais, e sobre a minha experiência junto à comunidade de ribeirinhos N.S. de Nazaré, localizada no Alto Amazonas.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Translation - J. Law

"Translation: the pun works best in the Romance language: traductore-tradittore, traduction-trahison, to translate is to betray. To translate is to connect, to displace, to move, to shift from one place, one modality, one form, to another while retaining something. Only something. Not everything. While therefor losing something. Betraying whatever is not carried over. The only way to avoid betrayal is to mimic. No, even that is not good enough. To mimic is to move, to displace throught time. The only way to avoid betrayal is to achieve identity. To be whatever it was, where it was, and whenever it was. Such is the dream of communion, intellectual, ecstatic, religious, erotic. Dreams have there place but this particular dream does not have much of a role to play in a world of oscillation between singularity and multiplicity, interference, and partial connection. Either that or, worse, it is panacea".

John Law - Aircraft Stories              

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Eventos Antroposimétrica - Exterior

Primer Congreso Nacional de Barrios y Zonas Patrimoniales “Reconstruyendo Ciudadanía Patrimonial”

Data: 20 a 22 de janeiro de 2011
Local: Santiago
Informações: http://www.comunidadesdelpatrimonio.cl/index.php?option=com_content&task=view&id=393&Itemid=1

Mega Urbanisation and Human Rights: Emerging Challenges and Opportunities
Data: 14 a 16 de fevereiro de 2011
Local: Indian Museum, 27, Jawaharlal Nehru Road, Kolkata (Calcutta), India
Informações: buddhadebc@gmail.com; sumita_chau@hotmail.com; gargisubir@gmail.com

Local-global encounters and the making of place and nature: environmental ethnography in the age of conservation and eco-tourism
Data: 17 a 21 de abril de 2011
Local: Lisbon, Portugal
Informações: http://www.nomadit.co.uk/sief/sief2011/panels.php5?PanelID=810

XXXIII Congresso Internacional de Americanística
Data: 02 a 09 de maio de 2011
Local: Perugia - Itália
Informações: http://www.amerindiano.org/ / convegno@amerindiano.org

Congresso Internacional: "Arguedas: la dinámica de los encuentros culturales"
Data: 20 a 24 de junho de 2011
Local: Pontificia Universidad Católica del Perú

Knowledge and Value in a Globalising World. Disentangling Dichotomies, Querying Unities
Data: 05 a 08 de julho de 2011
Local: University of Western Australia in Perth from.
Informações: http://www.anthropology.arts.uwa.edu.au/

Knowledge and Value in the Globalising World: Disentangling Dichotomies, Querying Unities
Data:05 a 09 de julho de 2011
Call For Panels is open until: 22 de outubro de 2010
Local: University of Western Australia
Informações: conference2011-anthropology@uwa.edu.au

Conferência: “The struggle to belong. Dealing with diversity in 21st century urban settings”
Data: 07 a 09 de julho de 2011
Local: Amsterdam
Informações: http://www.rc21.org/conferences/amsterdam2011
X Congreso Argentino de Antropología Social: "La antropología interpelada: nuevas configuraciones político-culturales en América Latina"
Data: 22 a 25 de novembre de 2011
Local: Faculdade de Filosofia e Letras- Universidad de Buenos Aires
Informações: xcaas.mesa.redonda@gmail.com

Fonte: Informativo da Associação Brasileira de Antropologia

Eventos Antroposimérica - Brasil

I Simpósio Nacional sobre espacialidades e temporalidades de Festas Populares
Data: 15 a 20 de fevereiro de 2011
Local: Instituto de Ciências Humanas da UFJF
Informações: Circular / carlmaia@uol.com.br / carlos.maia@ufjf.edu.br / 32 2102-3101 / 32 2102-3101

XII Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões
Data: 31 de maio a 03 de junho de 2011
Local: Universidade Federal de Juiz de Fora
Informações: simpósio@abhr.org.br

IX Reunião de Antropologia do Mercosul: Culturas, Encuentros y Desigualdades
Data: 10 a 13 de julho de 2011
Local: UFPR – Curitiba/PA
Informações: www.ram2011.org / ram@sinteseeventos.com.br

XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais
Data: 07 a 10 de agosto de 2011
Local: Universidade Federal da Bahia
Informações: www.conlab.ufba.br / conlab@ufba.br

III Reunião Equatorial de Antropologia (REA) - XII Encontro dos Antropólogos do Norte e Nordeste -ABANNE
Data: 14 a 17 de agosto de 2011
Local: Boa Vista/RR
Informações: www.ufrr.br/rea2011 / Edital de Convocação para Propostas / Projeto

Fonte: Informativo da Associação Brasileira de Antropologia

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Vencedores do Prêmio Culturas Indígenas - Edição 2010

Saiu o resultado da terceira edição do Prêmio "Culturas Indígenas" (edição 2010). A escolha dos vencedores foi realizada por uma Comissão composta por 16 pessoas, das quais 8 eram indígenas. Cada projeto selecionado receberá o valor de R$ 24 mil, que serão repassados para as aldeias e comunidades. Esses recursos são oriundos da Petrobrás, através da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Essa foi a segunda edição do prêmio criado pelo MinC, em 2006, por iniciativa do GT para as Culturas Indígenas, com o objetivo de valorizar, incentivar e dar visibilidade às iniciativas culturais dos povos indígenas. O concurso contou com 15 categorias, incluindo, por exemplo "rituais e festas tradicionais", "músicas, cantos e danças", "jogos e brincadeiras", artesanato, entre outras. Veja abaixo uma relação de algumas das iniciativas vencedoras:

Casa de Reza Guarani - PR
"Teko Nhemombaraeté" - Fortalecimento da Cultura Guarani - RS
Revitalizando os saberes Kaigang - RS
Mandioca, a Mãe de Nossas Forças (Xucuru Kariri) - MG
"Avaxi Nhemongai" - Batismo do Milho Mbyá Guarani - SP
"Kipaé Pitivókoke" (Dança da Ema na Cidade) (Terena) - MS
"JakairaNemongarai" - Batismo da Deusa da Fartura (Guarani Kaiowá) - MS
Fortalecimento do Povo Myky (Myky) - MT
"Kêkjkô Kamby": para criar nossa produtora "Kupytxi Rowo" (Kïsêdjê) - MT
Mulheres Artesãs Indígenas Potiguara - PB
Plantas e Ervas Medicinais na Cultura Tradicional dos Tupinambá - BA
Museu Comunitário Indígena Pipipã - PE
"Idjajkôre" (Canto da Festa Kwyrkangô) (Kayapó) - PA
Projeto de Confecção de Colares de Tucumã e Inajá do Povo Munduruku - PA
Pesquisa Aplicada as Tradições Culturais dos Índios do Acre (Kaxinawa, Manchineri e Katukina) - AC
"Jogos e Brincadeiras" como mtivação e fortalecimento para o ensino da língua Macuxi - RR
1º Festival de Músicas Indígenas Tradicionais e Adaptadas dos Povos Indígenas do Rio Negro - AM
Celebação dos Ritos das Festas Tuyuka - AM
"Wadenikaa Aakhepa" - Recuperando as técnicas tradicionais de Cerâmica Baniwa - AM
Educação e Manejo no Médio Ro Tiquié (Tukano) - AM

Uma relação completa dos projetos vencedores pode ser encontrada no link abaixo:

 http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/08/premio-xicao-xucuru-vencedores-15-08-082.pdf

sábado, 18 de dezembro de 2010

Implantação da Casa de Cultura Ikpeng

Os índios Ikpeng, que vivem no Parque Indígena do Xingu, inauguraram recentemente a "Casa de Cultura Ikpeng", um espaço que servirá como centro de registro e pesquisa da sua cultura. Foi criado um banco de dados digital "Ukpamtowonpïn" (Origem do Mundo), que reunirá um acervo de imagens, textos e vídeos retratando diversos aspectos da sua vida cerimonial. Também serão realizadas oficinas de formação audiovisual e iniciação digital. O espaço será administrado pelos Ikpeng e é um bom exemplo do que podem se tornar os "pontos de cultura indígena" que estão sendo implantados pelo Governo em diversas regiões do país. O edital lançado recentemente pelo Ministéio da Cultura envolve a instalação de "centros" equipados com uma infra-estrutura audiovisual (computadores, internet, filmadoras, máquinas fotográficas e etc.) e a realização de uma série de atividades de formação, como oficinas em técnicas audiovisuais e direitos autorais de imagem. A intenção é que esses locais se transformem em um centro de "revitalização cultural" e um meio de comunicação dos índios com o mundo do branco. Com isso, abre-se um novo campo de "inovação" para os índios, que estão cada vez mais se apropriando e agenciando a tecnologia e os conhecimentos do branco.       

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Telescópio Hubble completa 20 anos

O telescópio Hubble está completando 20 anos(surgiu em 1990). Nesse período, produziu mais de 500 mil imagens do espaço, contribuindo significativamente para o conhecimento astrológico. Segue abaixo alguns exemplos da beleza estética das imagens que tanto sensibilizaram a imaginação humana.
Outras imagens podem ser encontradas no site "Último Segundo": http://especiais.ig.com.br/zoom/20-anos-do-telescopio-espacial-hubble/

Nebulosa NGC 6302

Galáxia em aspiral Dusty

Aglomerado de estrelas Pismis 24 (Núcleo da Grande Nebulosa NGC 6357

Galáxia Sombrero (28 milhões de anos-luz de distância da terra)

 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

There is no guidebook to science... Bateson

"In the nature of the case, an explorer can never know what he is exploring until it has been explored. He carries no Baedeker in his pocket, no guidebook which will tell him which churches he should visit or at which hotels he should stay. He has only the ambiguous folklore of others who have passed that way. No doubt deeper levels of the mind guide the scientist or the artist toward experiences and thoughts which are relevant to those problems which are somehow his, and this guidance seems to operate long before the scientist has any conscious knowlwdge of his goals. But how this happens we do not know"

Gregory Bateson - Steps to an Ecology of Mind  

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Povos Indígenas & Internet

Povos indígenas de diversas etnias estiveram reunidos na USP para discutir os usos indígenas da internet. O evento foi organizado pelo Núcleo de História Indígena e do Indigenismo em parceria com o Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP e contou com o apoio da Rede de Cooperação Alternativa (RCA). Segue abaixo a ata da reunião com um resumo dos temas que foram discutidos e alguns encaminhamentos tirados ao final do encontro.

Ata do I Simpósio Indígena sobre Usos de Internet nas Comunidades Indígenas do Brasil


As lideranças e indígenas, reunidas no I Simpósio Indígena sobre Usos de Internet nas Comunidades Indígenas do Brasil durante os dias 22 a 26 de Novembro de 2010, na sala da antiga biblioteca do Prédio de História e Geografia da FFLCH na USP (Universidade de São Paulo) em São Paulo-SP, após amplos debates chegaram às conclusões que seguem sobre o uso da Internet nas Comunidades Indígenas:

As dificuldades existentes:

- Dificuldade de Conexão: a antena Gesac que hoje se encontram nas Aldeias Indígenas não tem suprido a necessidade de conexão nas aldeias, tendo inclusive falhado constantemente em algumas Comunidades. São poucos os pontos de conexão nas aldeias Indígenas. A velocidade disponibilizada não permite downloads, upload; Muitas Aldeias onde foi prometida a instalação de conexão ainda não foi instalada.
- Falta de equipamentos: os equipamentos que chegam às aldeias são muitas vezes velhos sem funcionar, os programas não são de fácil uso, equipamentos e software ultrapassados; é preciso tornar mais simples (desburocratizar) o processo aquisição de Kits de Infocentros.
- Falta de manutenção: é necessário a formação de uma equipe indígena para manutenção dos computadores nas Comunidades Indigenas;
- falta de formação de equipe técnica nos pontos de acesso (equipe de multiplicadores): é necessário formação de indígenas multiplicadores do uso das máquinas.
- falta de comunicação entre os indígenas que usam a internet

Encaminhamentos:

Diante de tudo que foi levantado e discutido pelos parentes presentes, ficou acordado a criação de uma Rede das Redes, um espaço que aglutinaria todas as redes, sites e blogs indígenas hoje existentes, para melhorar o diálogo entre os povos indígenas, fortalecer a cultura e ser um espaço de cobrança de nossos direitos.

Ficou claro que é urgente que mais aldeias sejam conectadas uma vez que é uma necessidade para uma maior comunicação com o mundo externo às aldeias e entre nós mesmos. A internet nas aldeias é uma ferramenta para buscar melhorias para as Comunidades Indígenas, daí a URGÊNCIA em solucionar os vários problemas que existem nas Aldeias como a conexão (muito lenta isso quando funciona), a falta de Computadores (muitos estão ultrapassados e sucateados) e demais questões acima citadas.

É necessário que tenham mais encontros como estes pois é de suma importância discutir o tema da Internet nas aldeias, melhorias das condições do uso desta internet e o fortalecimento das Rede das Redes que chamados Rede Digital Cultura Indígena.

Por fim ficou a cargo da Rede Índios on Line e Web Brasil Indígena nas pessoas de Graciela Guarani, Alex Pankararu, Potyra Tê Tupinambá e Anapuáka Tupinambá Hãhãhãe dar o suporte para os povos que ainda não tenham seus sites e blogs e também na criação do espaço virtual das Rede Digital Cultura Indígena.

São Paulo, 26 de novembro de 2010

Alex Pankararu [Pankararu]
Almir Narayamoga Suruí [Suruí]
Anapuáká Muniz Tupinambá Hã-hã-hãe [Tupinambá Hã-hã-hãe]
Ataíde Vilharve [Guarani Mbya]
Chicoepab Suruí [Suruí]
Daniel Baniwa [Baniwa]
Devanildo Ramires [Guarani Kayowá]
Edivan dos Santos Guajajara [Guajajara]
Elivelton de Souza [Guarani Kayowá]
Elizeu Nascimento Pedrosa [Piratapuia]
Graciela Guarani [Guarani Kayowá]
Járdilla Simões Jerônimo [Tapeba]
Jean Hundu Arara Jaminawa [Jaminawa]
Jonesvan Xakriabá [Xakriabá]
Josinei Aniká dos Santos [Karipuna]
Karané Txicão [Ikpeng]
Kumaré Txicão [Ikpeng]
Lucas Benite Xunu-Miri [Guarani Mbya]
Maurício Yekuana [Yekuana]
Nélida Rete Venega [Guarani Mbya]
Paulo Gomes Guajajara [Guajajara]
Potyra Tê Tupinambá [Tupinambá]
Raimundo Benjamim Baniwa [Baniwa]
Takumã Kuikuro [Kuikuro]

Fonte: RCA: http://rcabrasil.blogspot.com/

sábado, 4 de dezembro de 2010

Nas Margens do Diário de Campo - Manaus (Parte I)

Durante o período que permaneci em Manaus para conduzir meu trabalho de campo em uma rede de laboratórios de farmacologia e uma comunidade de ribeirinhos do alto Amazonas (onde as plantas medicinais eram coletadas), busquei viver a cidade e seus arredores. A capital do Amazonas é uma grande metrópole, com grandes avenidas, um trânsito insuportável e praticamente tudo aquilo que você encontraria nas grandes cidades das regiões sul e sudeste. A estética moderna e urbana foi reproduzida nos mínimos detalhes e Manaus cresceu e se desenvolveu muito nas últimas décadas.


Mas não se engane com as aparências. Olhe com mais cuidado que você irá descobrir que por trás das grandes avenidas tudo é um pouco diferente. O calor é úmido e constante. O povo acolhedor, simpático e de uma beleza impressionante. Basta andar pela cidade para termos a clara sensação de estarmos diante de outro Brasil, muito mais próximo da estética urbana dos países andinos do que propriamente do sul e sudeste brasileiro. Inclusive, é mais comum os moradores locais conhecerem os países vizinhos como Venezuela e Colômbia, do que o Rio de Janeiro ou São Paulo. A impressão é que a região está mais conectada com o norte da América do Sul do que com o restante do Brasil, certamente, devido ao seu isolamento geográfico em relação às demais regiões do país.



Na cidade, existem alguns passeios que vale apena fazer. Uma visita ao Teatro Amazonas – uma das construções mais lindas da cidade - é fundamental. Além das visitas diurnas, existe um cronograma intenso de eventos promovidos à noite. Tive a oportunidade, por exemplo, de assistir um show com Bibi Ferreira interpretando Edithe Piaf, com acompanhamento da Orquestra Filarmônica: foi lindo ver o local praticamente lotado e em pleno funcionamento. O teatro em dia de evento se transforma e é ótimo imaginar como deveria ser na época em que o local era o centro da vida social dos grandes barões da borracha. A visita diurna também é interessante, pois é possível conhecer um pouco mais sobre a história do teatro, seus personagens mais famosos, o período em que permaneceu fechado e sua reabertura já mais recentemente. Mesmo assim, para quem quiser viver o teatro de forma mais densa, sugiro visitá-lo em noite de evento, quando é possível respirar o passado no presente.




O Largo onde está localizado o Teatro Amazonas é um dos lugares mais bonitos de Manaus, ótimo para se visitar aos finais de tarde, principalmente, no domingo, quando a praça vira o centro de artistas itinerantes, bares, cinema ao vivo e outros tantos encantos. O local tem uma ótima infra-estrutura de cafés, restaurantes e bares.

O Bar do Armando, por exemplo, é um ponto de passagem obrigatório, seja devido à sua ótima localização (no largo do Teatro Amazonas), seja devido à figura mítica do próprio Armando, um português de 75 anos que teve a feliz idéia de fundar o bar, ainda na década de 1960.

Apesar de não estar localizado no Largo, vale apena conhecer a Cachaçaria do Dedé, um paraíso onde é possível encontrar um rico cardápio de cachaças e cervejas, além de pratos típicos da região. Outro ponto de passagem obrigatório ficava perto da minha casa: o Galvez, um simpático boteco com petiscos maravilhosos e um ambiente mais que agradável. Ótimo lugar para fazer aquela “hora feliz” com os amigos ao final do dia.

Manaus está repleta de ótimos restaurantes onde é possível provar pratos típicos regionais. Existe um, localizado no bairro Ponta Negra, próximo a praia, com um cardápio onde é possível encontrar iguarias como Jacaré, peixes regionais como o Pirarucu e tartarugas (entre outros). A cidade é excelente para quem gosta de fazer “turismo culinário”: existem vários restaurantes espalhados pela cidade, cada um melhor do que o outro.

A Praia da Ponta Negra é linda. O final de tarde pode ser algo extraordinário. Vale apena ir ao final do dia e iniciar a noite tomando uma cervejinha em um dos tantos bares espalhados pela orla.





O “Bosque da Ciência”, no INPA, é interessante de se visitar pelo menos uma vez. Além de uma trilha onde é possível encontrar árvores, plantas e até mesmo alguns animais amazônicos, existe uma exposição falando um pouco mais sobre a história da ciência na região.


Bom, por ora é isso. Na próxima parte vou falar sobre os arredores de Manaus: as praias do rio Negro, o “Paraíso das Cachoeiras” (Presidente Figueiredo), os passeios de barco e as comunidades ribeirinhas.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Uma "guerra" muito particular

Assim que o campo de batalha foi conquistado, começaram a surgir denúncias contra as forças policiais e elas são de todos os tipos:

Primeiro. A rota de fuga usada pelos marginais que conseguiram escapar da favela ocupada desembocava “apenas” 50 metros após a última linha do cerco que foi feito pelas forças policiais. Acredita-se que foi através dos túneis de esgoto – recentemente construídos como parte das obras do PAC - que os bandidos fugiram. Pois bem, a minha questão é muito simples: será que o comandante da operação e seus auxiliares não levaram em conta as possíveis linhas de fuga da favela? Sinceramente, é muito difícil acreditar que a polícia carioca não soubesse da existência desses túneis. Afinal, será que as forças do Estado não tinham um mapa da região para guiar seus movimentos de ocupação do território? Sinceramente, não consigo acreditar nesta hipótese. Pra mim é claro que houve facilitação interna das forças policiais e isso deve ser investigado com toda a seriedade possível. Só precisamos descobrir qual entidade seria mais indicada para investigar aqueles que são responsáveis por esta mesma função: talvez seja hora de inventarmos uma polícia para a polícia.

Segundo. Já foram divulgadas as primeiras notícias de que drogas e armas apreendidas teriam desaparecido ou estariam sendo vendidas por policiais envolvidos na operação. A decisão emergencial do governo parece solucionar o caso: as toneladas de drogas começaram a ser destruídas ontem. Agora só falta decidirem o que vão fazer com o armamento pesado apreendido durante as últimas operações.

Terceiro. Moradores das favelas que estão sob ocupação das forças policiais denunciaram agressões sofridas durante “operações de busca” da policia. Já não basta os trabalhadores terem que conviver com a total falta de condições mínimas de cidadania (todos os direitos sociais e civis descritos na CF e que nunca foram colocados em prática), agora são mantidos como “reféns da guerra” e tratados como bandidos. Os policiais e a sociedade precisam entender que esses “territórios do crime” também são espaços de vida: a maior parte dos moradores dessas favelas não possui relações diretas com o crime organizado. Trata-se de trabalhadores, pessoas honestas que buscam conviver com as imensas desigualdades impostas por uma sociedade injusta e cruel. Mais uma vez, ao que tudo indica, quando falamos em “pacificação”, estamos nos referindo à paz dos moradores do asfalto e não da favela, apesar de todos terem os mesmos direitos constitucionais.

Só espero que o Governo esteja atento a esses excessos cometidos pelos seus “teleguiados”, investigando com seriedade as denúncias e punindo com a mesma determinação os “marginais” que estão inseridos dentro da própria polícia e do Estado brasileiro. Trata-se, como podemos ver, de uma "guerra" muito particular, pois o "território" do inimigo é também um lugar de habitação de brasileiros e brasileiras. Muita calma nessa hora!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Evento UnB - Celebração Memorial Darcy Ribeiro

Próximos Seminários do DAN/UNB

“Mater incerta: valores e inquietações da natureza na cultura contemporânea”
Prof. Luiz Fernando Dias Duarte
(Museu Nacional/UFRJ)

Data: 01/12/2010
Horário: 16:00 horas
Local: Sala de Reuniões do Departamento de Antropologia/Universidade de Brasília/ICC Centro-Sobreloja-B1-347
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“Regimes of recognition: Metrics, models, and academic charisma”
Prof. Don Brenneis
(Univerisdade da Califórnia, Santa Cruz)

Data: 08/12/2010
Horário: 16:00 horas
Local: Idem.

sábado, 27 de novembro de 2010

Confira as Novidades na Biblioteca Antroposimétrica!

Foram disponibilizados para download os seguintes textos na biblioteca "antroposimétrica" (ver link ao lado):

81. Of Enemies and Pets: warfare and shamanism - C. Fausto
82. Censuras e Memórias da Pacificação Waimiri-Atroari - S. G. Baines
83. The sadness of Sweetness: the native anthropology of Western Cosmology - M. Sahlins
84. A Antropologia no Brasil: um roteiro - J. C. Melatti
85. Toward a Sociology of the Network Society - M. Castells
86. The Domain of Ethnobiology - E. Castetter
87. Plato and the Simulacrum - G. Deleuze e R. Krauss
88. An Idea of Flaubert: 'Plato's Letter - J. Derrida
89. Was There Ever a Radical Mistranslation? - I. Hacking
90. O Museu da FUNASA e a Saúde Indígena - C. C. Teixeira

Livro A Sociedade Ocupa a TV será lançado em Brasília nesta terça-feira (30)

Em 2005, uma ação civil pública movida contra a Rede TV! e o programa Tardes Quentes, do apresentador João Kléber, por violações de direitos humanos na mídia obteve um resultado inédito na Justiça brasileira. Durante 30 dias, a emissora foi obrigada a exibir um direito de resposta coletivo dos grupos ofendidos pela programação. Assim nasceu o programa "Direitos de Resposta", produzido por organizações da sociedade civil e que exibiu inúmeras produções independentes em torno da defesa dos direitos humanos.O resultado foi considerado uma vitória para aqueles que reivindicam melhorias na programação na TV aberta brasileira, e seu aniversário de 5 anos será celebrado no dia 30 de novembro, no Balaio Café, em Brasília, com o lançamento do livro "A Sociedade Ocupa a TV", produzido pelo Intervozes, que resgata a memória do episódio. No local também estará à venda um kit contendo os 30 programas exibidos no direito de resposta.
Para contar essa história estarão presentes o representante do Coletivo Intervozes Adriano de Angelis e a coordenadora geral de Assuntos Legislativos da Secretaria de Direitos Humanos, Joana Zylbersztajn. Os dois participaram ativamente desse processo. À época, Joana era secretária geral do Centro de Direitos Humanos.

O livro “A Sociedade Ocupa a TV” foi lançado em São Paulo, onde foi realizado também um debate sobre o caráter da TV, e da mídia como um todo, com o procurador Sérgio Suiama, responsável pelo processo que ocasionou na realização do programa na época.

De acordo com o procurador, programas como os do então apresentados por João Kléber legitimam preconceitos. “A emissora de TV é uma concessão pública e como tal deve obedecer a preceitos estabelecidos pela Constituição Federal”, diz ele. Entre eles, os previstos no artigo 221, que determina que a programação das emissoras deve respeitar os valores éticos e sociais da pessoa humana. “No caso dos homossexuais, principal grupo atingido pelo programa, esse tipo de veiculação reforça uma conduta homofóbica”, completa o procurador.

Na época, a Justiça Federal concedeu liminar exigindo a suspensão do programa por 60 dias e a exibição de um direito de resposta. A Rede TV! descumpriu a ordem judicial e teve seu sinal cortado por 25 horas. Pressionada principalmente por anunciantes, a emissora aceitou assinar um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal e as organizações da sociedade civil co-autoras da ação. Assim, financiou a produção e exibiu os 30 programas, além de pagar uma multa de R$ 400 mil para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos pelos danos causados à sociedade.

Participaram da ação e da posterior direção do programa Direitos de Resposta as seguintes organizações: Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação; Centro de Direitos Humanos (CDH); Identidade – Grupo de Luta pela Diversidade Sexual; Ação Brotar Pela Cidadania e Diversidade Sexual (ABCDS); Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo; e Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo (AIESSP).

Celebração dos 5 anos do caso Direitos de Resposta

Debate com Adriano de Angelis (Coletivo Intervozes) e Joana Zylbersztajn (Coordenadora geral de Assuntos Legislativos da Secretaria de Direitos Humanos) e lançamento do livro "A Sociedade Ocupa a TV" e do Kit de vídeos “Direitos de Resposta”

Dia 30 de novembro (terça-feira), às 20h
Balaio Café – CLN 201 Norte, Bloco B, Lojas 19/31

Mais informações para a imprensa:
Intervozes (61) 3341 3637 / 8130 0407 (Gésio) / 8163 0529 (Jacson)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Guerra" no Rio de Janeiro e o Estado Brasileiro

As ruas estão tomadas por soldados, policiais, armas de alta tecnologia, tanques e aviões de guerra. Esse cenário de guerrilha urbana não está acontecendo no oriente médio ou na Coréia do Sul (apesar das semelhanças), infelizmente, tudo isso faz parte da realidade do Rio de Janeiro. Devido à ação do poder público, que vem investindo na “pacificação” das favelas e na expulsão e combate aos bandidos e traficantes, os “comandados” estão reagindo, aterrorizando a população desta cidade. O “espetáculo” (ou tragédia) é transmitido pela mídia em tempo real, tornando todos nós, seja voluntariamente ou não, telespectadores do conflito aberto entre a polícia e o crime organizado.

Tudo se dá como se os “comandados” fossem células separadas da nossa sociedade, como “invasores” ou seres extraterrestres, sem nome ou documento, apenas a vontade de “barbarizar”. É por isso que mobilizamos as nossas forças armadas, invadimos o “território”, mantemos a população sob “quarentena”, tornamos seus bairros verdadeiros campos de batalha, tudo em nome da “paz” (muito mais da "nossa paz" do que a deles), tudo parte de um processo bastante violento de “pacificação”.

O filme “Tropa de Elite 2” mostra outra realidade, muito mais cruel e complexa. Ali, os “comandados” são apenas isto mesmo: comandados, marionetes de organizações criminosas cujos tentáculos percorrem as redes estatais, tornando o poder público cúmplice e, muitas vezes, mandante das suas ações. Nunca a relação entre políticos (criminosos de colarinho branco) e bandidos e traficantes esteve tão evidenciada como neste filme. José Padilha conseguiu “revelar” aos olhos da população brasileira que o Estado não é uma entidade abstrata, uma representação “neutra” ou externa ao corpo social, mas faz parte da nossa sociedade e é constituído por ela. Nesse cenário de ambigüidades e contradições, policial, deputado e senador usam o Estado para seus interesses pessoais, tornando a “segurança pública” uma máquina de angariar votos. Nesse filme de terror, bandidos, autoridades públicas e a mídia fazem parte da mesma organização, estão correlacionados, são "parceiros" e possuem relações de intimidade e cumplicidade entre si.

Já estava mesmo na hora de abandonarmos a velha idéia de um Estado como força de ocupação, cujo modelo paradigmático, pelo menos para nós, brasileiros, foi o Estado Colonial português. Desde os tempos do “descobrimento” (cuja definição correta seria genocídio), apreendemos que o Estado nunca foi a favor dos nossos interesses, pelo contrário, só servia para sugar o fruto do nosso trabalho, ação materializada nas taxas e impostos cobrados pela Coroa Portuguesa e, mais tarde, pelo rei tupiniquim. A nossa história “republicana”, repleta de longos períodos de “ditadura”, só reforçou ainda mais essa idéia de um “Estado” externo à sociedade.

Enquanto isso, por outro lado, para as elites o Estado sempre foi o quintal de suas casas, a extensão do seu patrimônio, uma ferramenta de conquista de benefícios pessoais. Enquanto a população foi ensinada a perceber o Estado como uma força misteriosa, quase mística, uma entidade temida e ao mesmo tempo desconhecida, outros setores se beneficiaram de uma relação muito mais intima com a máquina pública. É por isso que, hoje em dia, é tão complicado analisar o problema da segurança pública no Brasil. Somente um filme como “Tropa de Elite 2” para mostrar a continuidade existente entre o Estado e a Sociedade de uma maneira simples, sem conceitos abstratos.

Mas qual é a relação de toda essa reflexão sobre o Estado e o terrorismo que está ocorrendo no Rio de Janeiro? Bem, a questão é que o chamado “crime organizado” é uma entidade muito mais complexa do que meia dúzia de bandidos e marginais. Existem fatores estruturais, por assim dizer, que estão por trás do fenômeno criminoso. Enquanto não formos capazes de abordar com seriedade esses problemas estruturais (e estruturantes) da nossa sociedade, vamos continuar tendo que enfrentar esse cenário de guerra civil. E os problemas já são bem conhecidos e podem ser reduzidos a uma única palavra: desigualdade. A razão última do crime é a desigualdade e a impunidade dos políticos e mandantes. Sim, por que por trás de todo “teleguiado” existe uma mão que aponta a direção, uma cabeça que pensa e planeja, enfim, uma organização criminosa. Só espero que o exército e a polícia não deixem de perseguir e investigar os setores corruptos da própria polícia militar, civil e federal dessa rede criminosa. A verdade é que talvez a batalha mais dura tenha que começar no interior dos próprios quartéis das forças policiais e nos gabinetes do Congresso Nacional. Isso sem falar nas prisões mantidas com dinheiro público, de onde “cabeças” - na verdade, apenas gerentes do crime - enviam ordens de combate e destruição. Tudo isso financiado com o nosso dinheiro. É desta forma que começamos a perceber que o crime não é uma entidade, mas uma rede que perpassa outros setores da nossa sociedade e do próprio poder público. O que estamos vendo nas imagens transmitidas nos meios de comunicação é apenas a “ponta do iceberg”. É como se estivéssemos tentando combater a doença apenas buscando silenciar os seus sintomas mais visíveis, mas sem atacar as suas forças estruturais/estruturantes.

Enquanto continuarmos alimentando (repare o papel da mídia neste sentido) a idéia de que a política é coisa de bandido e de que o Estado só serve para cobrar imposto, vamos continuar fabricando as “autoridades” corruptas que se beneficiam pessoalmente do sofrimento de milhões de pessoas. O Brasil do “Tiririca” reproduz a mística (real) de um Estado como entidade abstrata, quase que fantasmagórica, cuja percepção se reduz à figura do policial que encontramos ao retornar para casa. Enquanto isso, sem percebermos, a intimidade dos poderosos com essa figura mística torna as suas repartições públicas uma extensão do patrimônio pessoal de grandes famílias. Vemos renascer a idéia do Estado conforme representado na filosofia política, algo muito diferente do atual Estado Brasileiro, com sua historicidade e suas múltiplas formas de atualização. É esse Estado real que deve ser analisado do ponto de vista etnográfico, tendo como referência uma microfísica do poder que nos permita perceber as continuidades entre a sociedade e o poder público, ao invés de reproduzir o Estado enquanto “coisa” externa à sociedade e com poder de coação sobre os seus cidadãos. Somente quando conseguirmos superar a miopia que rege essa mística - cujo carácter fictício multiplica ainda mais o seu poder e sua eficácia- só então vamos poder analisar o problema da segurança pública de uma forma que nos permita entender que todos nós, brasileiros, temos uma parcela de culpa sobre o que está acontecendo no Rio de Janeiro e em outras metrópoles brasileiras.

Neste momento, só me resta esperar que o sofrimento da população carioca - habitantes desta cidade cuja natureza exuberante nos permite chamar de “maravilhosa” – passe logo e que a paz seja restabelecida em suas vidas. E que nós, brasileiros, façamos deste momento uma oportunidade de autocrítica e reflexão sobre a sociedade que estamos construindo no dia a dia.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O Plano Setorial de Culturas Populares foi aprovado

O Colegiado de Culturas Populares, do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), aprovou, ontem (23), o Plano Setorial de Culturas Populares sistematizado pela SID. O documento faz parte do Plano Nacional de Cultura (PNC) e estabelece políticas públicas para os próximos 10 anos. O Colegiado aprovou ainda um texto com recomendações para os gestores, atuais e futuros, do MinC e do Ministério da Educação.

“Estamos terminando esse trabalho, mas é preciso que o colegiado traga pautas para o Conselho. A participação tem que ser incisiva, é o membro do colegiado que deve ter o protagonismo das pautas no CNPC”, explicou o Secretário da SID, Américo Córdula. E encerrou a reunião afirmando que “vamos conseguir mudar a sociedade para reconhecer nossa diversidade cultural”.

O Diretor de Monitoramento de Políticas da Diversidade e Identidade da SID, Ricardo Lima, lembrou que “a reunião é emblemática, ela encerra uma etapa para dar início a outra”.

O texto, com recomendações para maior integração entre os ministérios da Cultura e da Educação, propõe, segundo a mediadora cultural, Rejane Nóbrega, “ações efetivas e concretas porque o campo é vasto e necessário”. O presidente da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia e professor, Rosildo Moreira explica que os livros didáticos produzidos pelo MEC nem sempre se adaptam às necessidades culturais regionais e informou que os livros produzidos na sua região, adequados à cultura local, nunca chegam às mãos dos alunos. O documento ainda não tem data para ser finalizado.

Ass: Leonardo Sales (SID/MinC)
Fonte: Site do Ministério da Cultura, Governo Federal.

Plano Setorial para Culturas Indígenas do Ministério da Cultura foi aprovado

O Plano Setorial para Culturas Indígenas foi aprovado ontem (18) pelo seu Colegiado. O Documento complementará o Plano Nacional de Cultura, aprovado pelo Senado Federal no dia 9 de novembro e prevê estratégias de ações para os próximos dez anos. “O plano foi construído baseado na relação de respeito e confiança da SID com os povos indígenas, no acúmulo do trabalho desenvolvido e com a dedicação do corpo técnico da Secretaria envolvida com o trabalho”, declarou o Secretário de Identidade e Diversidade do Ministério da Cultura, Américo Córdula, na abertura da reunião do Conselho.

Para o conselheiro Romancil Cretã, a aprovação do Plano é o fim de uma etapa nas conquistas do protagonismo indígena e o próximo passo é a sua implementação. “Esse documento fortaleceu o indígena enquanto sujeito de sua história e isso para nós é muito importante. Foi um processo muito rico de discussões e houve muita sensibilidade do governo e compreensão dos povos indígenas, cada um soube ceder na medida certa para que o trabalho fosse concluído. Esperamos agora a mesma sensibilidade do próximo governo para implementá-lo”.

“Foi uma conquista histórica. O Plano vai demarcar a nova relação que o governo brasileiro vem assumindo com os povos indígenas”, afirmou a conselheira Rita Potiguara. Ela explica ainda que a concepção de cultura para os povos indígenas é diferente dos não indígenas. “A cultura está ligada a nossa forma de nos relacionarmos com a vida, a nossa relação com a espiritualidade, com a alimentação, nossa reprodução física e social”. Segundo Rita, todo esse trabalho é fruto das Conferências Indígenas e de Cultura, “onde foi possível estreitar os laços entre as instituições de governo e mostrar a totalidade que a cultura tem para nós”.

“Foi um avanço significativo porque agora será possível que as políticas não sejam construídas em gabinete”, disse o conselheiro Farney Kambeba.

O Colegiado é composto por 20 membros titulares e suplentes, sendo 15 vagas da sociedade civil – 10 representantes indígenas e cinco mediadores culturais (agentes não-índios que atuam junto aos povos indígenas, como antropólogos, pesquisadores, etc) – e cinco representantes do Poder Público Federal. Atualmente a população indígena no Brasil é de, aproximadamente, 725 mil pessoas organizadas em 270 etnias falantes de 180 línguas distintas.

Ass: Rachel Mortari (SID/MinC)
Fonte: Site do Ministério da Cultura, Governo Federal.

Documento Final do III Encontro Continental do Povo Guarani

ASSUNÇÃO, PARAGUAI, 15 a 19 de Novembro de 2010


Nós, representantes de diferentes organizações indígenas da Nação Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, nos reunimos na cidade de Assunção, Paraguai durante o III Encontro Continental do Povo Guarani dando continuidade ao I Encontro Continental realizado em São Gabriel/RS Brasil, em 2006 e do II Encontro Continental que aconteceu na cidade de Porto Alegre/RS Brasil em 2007. Hoje, sob o tema Terra-Território, Autonomia e Governabilidade, animando permanentemente nossos corações pelas palavras sábias de nossos anciões e anciãs, buscando compreender a partir das coincidências em longos debates e profundas reflexões realizadas sempre de acordo com os princípios de respeito e consensos, tradicionais em nossas culturas, queremos fazer chegar ao mais profundo do espírito das autoridades, nacionais e internacionais e a todos os cidadãos dos lugares que habitam nosso pensamento nestas palavras.

CONSIDERANDO

* Que a Nação Guarani sempre teve um espaço territorial próprio o “Yvy maraê’y” ou Terra Sem Mal que extrapola fronteiras.

* Que desde a cosmovisão da Nação Guarani, parte de nossas milenárias culturas: o fogo, o ar, a terra e a água, constituem uma unidade e são elementos vitais para a vida; a terra sagrada é a vida para nossos povos.

* Que a Nação Guarani a partir da sua cosmovisão sempre buscou evitar confrontações com os que se apropriaram de seu território, de forma violenta na maioria das vezes.

* Que desde a demarcação das fronteiras nacionais a Nação Guarani ficou fragmentada e dividida geopoliticamente em etnias, comunidades, aldeias, famílias, condição esta que enfraqueceu significativamente seu projeto espiritual, cultural e linguístico como Nação.

* As transnacionais e/ou multinacionais, com o apoio dos diferentes governos no poder não respeitam os direitos consuetudinários e coletivos da Nação Guarani, destruindo territórios, expulsando comunidades.

* Os diversos governos não atendem as demandas da Nação Guarani apesar da existência de normas nacionais e internacionais que protegem e promovem os direitos dos povos indígenas; como a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas e as leis nacionais, Constituições e Leis dos Estados.

* São exemplos do afirmado acima que o Poder Judiciário brasileiro autoriza despejos de comunidades da Nação Guarani de seus territórios, contra as leis e os protegem.

* O não cumprimento, pelo governo brasileiro, do art. 231 da sua Constituição Federal, sobre a demarcação das terras; da mesma forma o governo argentino não cumpre a lei 26.160 “de Emergencia de la tierra comunitaria indígena” para a demarcação territorial.

* Na Argentina se pretende vender o Lote 08 da reserva da Biosfera Yaboti, declarada pela UNESCO em 1992, a uma Fundação com fundos europeus, quando ali vivem ancestralmente duas comunidades da Nação Guarani

* A Nação Guarani no Paraguai sofre uma perda constante de seu território ancestral fruto de uma carência de políticas efetivas orientadas em defesa do mesmo

* Existem inúmeras comunidades que vivem em condições subumanas, sem as mínimas condições de segurança física, de saúde e alimentação.

* Na Bolívia a demanda de Território pela Nação Guarani ainda não resultou em total titulação das terras que ocupam.

* Que a destruição massiva e constante dos recursos naturais, por parte das empresas transnacionais, está deteriorando os bens florestais indiscriminadamente no território Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, gerando danos irreparáveis, fezendo-os sofrer os efeitos das mudanças climáticas, das quais não são os responsáveis.

* Que a construção das Hidrelétricas Binacionais (Itaipu e Yaceretá) no território Guarani, sem consulta a nossa Nação, produziu não apenas irreparáveis danos ambientais, como também violação dos direitos territoriais, culturais e religiosos da Nação Guarani.

EXIGIMOS:

* Dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai o reconhecimento como Nação Guarani e sua condição de Transterritoriais e Transfronteiriços e que por esta razão devem ter os mesmos direitos de saúde, educação e trabalho nos quatro países.

* Dos governos da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai dêem reconhecimento constitucional a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da OIT.

* Que deixem de entregar às empresas transnacionais, multinacionais e nacionais territórios da Nação Guarani para sua exploração e devastação, transgredindo os direitos coletivos que os protegem.

* Do governo da província de Misiones – Argentina – a não autorização da venda do Lote 08 – território Guarani – na reserva da biosfera Yaboti.

* A demarcação imediata de todas as terras e territórios Guarani. Cumprimento da lei 26.160 da Argentina e que no Brasil o Supremo Tribunal Federal julgue imediatamente todos os processos de demarcação no estado do Mato Grosso do Sul, respeitando o artigo 231 da Constituição Federal de 1988.

* A não instalação de novos mega-represas comprometendo territórios Guarani e que tanto as Binacionais Itaipu e Yaceretá reconheçam o dano causado as comunidades, restituindo seus territórios.

* Do governo Boliviano o cumprimento das exigências de maiores extensões de terra à Nação Guarani.

* Que os espaços políticos internacional impeçam a criminalização das exigências da Nação Guarani.

* Punição aos que cometeram crimes que afetaram indígenas na luta pelos seus direitos.

* Que sejam respeitados aos avanços conquistados pela Nação Guarani nos espaços políticos nacionais e internacionais.

* Que as empresas transnacionais respeitem as normas ambientais, que evitem a destruição massiva e constante dos recursos naturais por parte das mesmas.

* Que todos os países sobre os quais incide o território da Nação Guarani compreendam e tomem consciência que os direitos sobre a Terra e o Território são inalienáveis e imprescritíveis.

RESOLVEMOS:

PRIMEIRO – A terra e o território são direitos inalienáveis da Nação Guarani, são a vida de nossas cosmovisões; condição que nos permite ser livres e autônomos “IYAMBAE”.

SEGUNDO – Consolidar nossa organização em cada um dos países com presença Guarani a fim de efetivar nossas demandas como Nação Guarani.

TERCEIRO – Constituiu-se um Conselho Continental da Nação Guarani para a articulação com Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai em suas demandas reivindicatórias, e com ele fortalecer nosso desenvolvimento econômico, social e político.

QUARTO – Participar em todas as instancias democráticas do Argentina, Brasil e Paraguai segundo nossos usos e costumes como Nação Guarani conseguindo desta maneira fazer chegar as nossas demandas as máximas instâncias de decisão política.

QUINTO – Exortamos a todos a somarem-se a essa luta, aqueles que fazem parte do pensamento e sentimento da Nação Guarani – organizamos nacionais e internacionais, ONGs, Movimentos Sociais e outros – para apoiar com propostas e projetos orientados a partir da reivindicação dos direitos consuetudinários e etno-culturais dos Guarani.

SEXTO – Nos declaramos em permanente resistência ante as violações e subjugações ocorridas em toda a extensão de nosso território como Nação Guarani.

SETIMO – Nos unimos na defesa de nossa mãe terra ante a contaminação progressiva do ambiente provocado pelas atividades de exploração do subsolo e hidrelétricas que vulneram os direitos a culta e participação da Nação Guarani.

É o que pensamos, sentimos e dizemos sobre nossos direitos coletivos e as obrigação que tem com a Nação Guarani os países que hoje ocupam nosso território, na esperança de poder conviver na harmonia e liberdade como foi o pensamento de nossos heróis ancestrais.

Fonte: Documento socializado pelo CIMI e publicado pelo EcoDebate, 24/11/2010

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Muita Calma Nessa hora

 Para quem está buscando se divertir muito no cinema, vale apena conferir o filme “Muita Calma Nessa Hora”, do ator e roteirista Bruno Mazzeo. Apesar de reproduzir a estética dos programas de TV e do estilo “stand up comedy” de fazer comédia, cada vez mais comum no Brasil, o filme tem cenas e personagens hilários. O destaque especial vai para o elenco secundário, que conta com atores que fazem os personagens mais engraçados, como Nelson Freitas e Marcelo Adnet. É impossível não rir! Mas vá com o espírito preparado para um roteiro simples, repleto de cenas do cotidiano embaladas pela nova forma brasileira de fazer comédia.      

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

“Combate à Biopirataria" resulta na arrecadação de R$ 112 milhões aos Cofres Públicos Federais

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) deu início a uma mega operação de combate à biopirataria denominada “Novos Rumos”, o que já resultou na aplicação de R$ 112,2 milhões em multas. Entre as autuadas, encontramos algumas instituições de pesquisa nacionais e estrangeiras, além de empresas do ramo farmacêutico e cosmético. Sete instituições de pesquisa foram punidas administrativamente por remessa ao exterior de patrimônio genético – considerada a infração mais grave – resultando na arrecadação de R$ 46 milhões aos cofres públicos. Existem outros casos que estão sendo investigados na segunda etapa da operação, voltada para atividades classificadas como “crime organizado”.

As multas foram aplicadas por que as instituições de pesquisa não respeitaram as normas de repartição de benefícios gerados a partir da exploração econômica da biodiversidade e dos “conhecimentos tradicionais associados”, o que é considerado pela atual legislação como "acesso irregular ao patrimônio genético”.

O trabalho foi realizado a partir de uma análise dos 98 processos considerados irregulares pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão do Governo Federal criado, em 2001, por uma medida provisória que regula “temporariamente” o acesso à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais ambientais. Desta forma, a ação de fiscalização limitou-se às empresas e instituições de pesquisa que buscaram regularizar suas atividades após a implantação da respectiva legislação, deixando de lado as atividades de “biopirataria” de pesquisadores e empresas internacionais, que são os casos mais difíceis de serem fiscalizados, pois dependem de ações estruturais voltadas para a fiscalização das nossas extensas fronteiras territoriais.

Segundo o Ibama, a segunda etapa da operação vai centralizar seus esforços na investigação e punição de empresas e pesquisadores que nunca tentaram regulamentar suas atividades de bioprospecção junto ao órgão do governo. O fato é que muitos pesquisadores ignoram o CGEN por achar que a Medida Provisória não é um marco legislativo legítimo, desconsiderando as normas atualmente em vigor.

Um marco regulatório definitivo vem sendo discutido há mais de 15 anos, mas sem nenhum resultado prático até o momento. As divergências sobre os rumos da legislação perpassam diversos setores da sociedade civil e do governo, que possuem interesses diferenciados sobre a matéria.

Atualmente, existe um Ante-Projeto de Lei na Casa Civil, resultado de anos de discussão no Conselho e de uma “consulta pública” realizada via internet e eventos públicos promovidos pelo Ministério do Meio Ambiente. Como era de se esperar, as comunidades e organizações dos povos indígenas e “tradicionais” tiveram uma participação limitada nesse processo de discussão da legislação. Já os pesquisadores e as empresas tiveram uma participação mais ativa, conseguindo incluir uma parte de suas demandas no novo texto legislativo. Esse projeto de lei deverá ser enviado ao Congresso Nacional nos próximos anos, onde será discutido e passará por inúmeras modificações até ser transformado em lei. Com isso, as disputas políticas que hoje se encontram centralizadas no CGEN serão transferidas para o âmbito do legislativo.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Olhares Indígenas Contemporâneos

FAÇA PARTE DA NOSSA CAMPANHA

APÓIE A PRODUÇÃO INDÍGENA!

O Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (Cinep), cumprindo sua função de promover, apoiar e executar atividades de formação e qualificação de profissionais, lideranças e universitários indígenas, lançou o livro "Olhares Indígenas Contemporâneos". Esta coletânea reúne seis artigos de autores indígenas produzidos a partir de teses de doutorado e dissertações de mestrado e de uma pesquisa sobre o perfil dos estudantes universitários indígenas no Brasil. Esta é uma iniciativa que visa a suprir a lacuna existente na divulgação e no compartilhamento de produções de autoria indígena. Neste sentido, pedimos sua adesão à nossa "Campanha de Apoio à Produção Indígena" adquirindo um exemplar do livro, vendido na sede do Cinep ao valor de R$ 30,00. Os recursos adquiridos com as vendas são destinados a cobrir os custos da publicação.

Seu apoio é fundamental para que o Cinep continue a divulgar a produção indígena, pois o livro "Olhares Indígenas Contemporâneos" constitui apenas o primeiro volume da "Série Saberes Indígenas", na qual se pretende oferecer aos estudantes, pesquisadores e profissionais indígenas um canal de divulgação dos resultados de seus estudos e pesquisas, além de propiciar uma oportunidade aos estudiosos em geral e à opinião pública brasileira de conhecer um pouco mais do mundo e da realidade indígena a partir do olhar e
do pensamento dos próprios indígenas.

Ajude-nos a registrar o nosso conhecimento e reescrever a nossa história!

Como adquirir seu exemplar:

Cada exemplar custa R$30,00 à venda na sede do Cinep, em Brasília: SRTVS –
Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Quadra 701 – Conjunto 01 – Bloco 01
– nº38 – Sobreloja – Salas 25/26. Informações pelo (61) 3225.4349.

Também podem ser feitos pedidos de envio pelos Correios ao valor de R$ 40,00. Neste caso, tratar com Jô Oliveira pelo e-mail jo@cinep.org. br ou pelo telefone (61) 3225.4349.

Link: http://www.cinep.org.br/

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

No Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT) convida MST para compor Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

Nesta última quinta-feira (04/11), o governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), em visita a um assentamento da reforma agrária, declarou que gostaria que o MST tivesse uma representação no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) do seu governo, já a partir de janeiro de 2011. Esta atitude marca o início de uma nova fase na vida social e política do estado, pois ao tratar com espírito democrático os movimentos sociais (contemplando tanto os ruralistas como os sem-terra), Tarso expressou a sua intenção de acabar com o movimento de criminalização do MST que predominou na política regional nos últimos quatro anos. O CDES será a instância de diálogo propositivo entre a sociedade civil organizada e o governo estadual, permitindo aos diversos setores da sociedade exercer o controle social do futuro governo estadual.

A ex-governadora, entre um caso de corrupção e outro, liderou um movimento governamental (coordenado pelo Ministério Público Estadual) de perseguição política ao movimento dos sem-terra. Esse movimento só não produziu maiores danos por que outros setores da sociedade gaúcha se mobilizaram para defender princípios constitucionais fundamentais para o exercício da democracia: o direito de mobilização política e a reforma agrária.

Parabéns ao governador eleito do Rio Grande!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O blog "Antropologia Associativa"

Foi lançado recentemente o blog "Antropologia Associativa", uma iniciativa do "Laboratório de Antropologia dos Processos de Associação", da Universidade Federal de São Carlos (UFsCar), sob coordenação do Profº. Pedro Ferreira. O site é ótimo e traz uma lista bibliográfica (c/ alguns dos textos disponíveis p/ download) sobre o tema dos "processos de associação". Vale apena conferir. Segue o texto de apresentação do laboratório e o link para acesso ao blog (também incluído na lista de blogs do "Antroposimetrica").

Link: http://antropologiassociativa.wordpress.com/

O Laboratório de Antropologia dos Processos de Associação (LAPA) é sediado no Departamento de Ciências Sociais (DCSo) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a responsabilidade do Prof. Pedro P. Ferreira. A proposta do laboratório é fomentar pesquisas que, em busca de uma melhor apreensão dos processos de associação, envolvam tanto experimentação conceitual quanto fundamentação empírica.


Recolocado no centro das preocupações de cientistas sociais de diversas áreas pelos escritos de Bruno Latour, o estudo dos processos de associação exige a cuidadosa consideração das categorias e dos conceitos usados pelo investigador/analista. Por um lado, isso o aproxima de propostas “metassociológicas” como a Etnometodologia e de metodologias empíricas e documentais como a etnografia. Por outro lado, essa preocupação conceitual também aproxima o paradigma associativo de algumas vertentes filosóficas que se dedicaram a pensar a diferença, a individuação e a associação propriamente dita.

No geral, o estudo dos processos de associação privilegia a dimensão interacional e contextual das práticas sociais, ou seja, as maneiras como sociedades são concretizadas e vividas de diferentes maneiras nas práticas cotidianas dos agentes em diferentes contextos ou condições. Trata-se de um enfoque mais interessado nos processos de sociogênese do que na manutenção de ordens sociais já consolidadas. Trata-se, enfim, de um esforço para conhecer novas (ou renovadas) maneiras de coexistir sem reduzí-las aos conceitos e categorias já marcados por pressupostos sobre “o ser humano” ou “a sociedade”.

Mais especificamente, o estudo dos processos de associação toma como unidade de análise a ação associativa. Por ação associativa, entende-se qualquer ação categorizável, seja como uma associação de diferentes meios pela propagação de uma variação, seja como uma associação de um meio específico pela atualização de eventos de covariância. A ação associativa se manifesta, portanto, em duas modalidades: como composição de uma ou mais linhas de ação associativa pela propagação de uma variação por diferentes meios; e como associação de linhas de ação covariantes em um meio. Em ambos os casos, trata-se de rastrear um processo de associação e torná-lo acessível à análise, mas em um caso enquanto delineamento de uma ação associante e no outro enquanto especificação genética de uma associação.

Fonte: Blog "Antropologia Associativa"

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Fluxos de Modelos Científicos na Antártida: varieações de práticas brasileiras - Luís Guilherme R. de Assis

Aproveito o espaço para divulgar o trabalho de Luís Guilherme Resende de Assis, colega do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UnB que está desenvolvendo sua pesquisa de doutorado sobre a ciência na Antártida. Segue abaixo um texto de sua autoria.

Fluxos de modelos científicos na Antártida: variações de práticas brasileiras


Luís Guilherme Resende de Assis
PPGAS /DAN/ICS/UnB

A literatura das ciências humanas sobre a Antártida, em sua maioria focada em estudos de geopolítica e história internacionais, é incansável em abordá-la desde uma visada sociopolítica global em que o Sistema do Tratado Antártico e sua implementação por Estados-Nacionais ocupa lugar central. De fato, a Antártida e seu sistema de gerenciamento atual oferecem matéria-prima privilegiada ao cientista social, na medida em que conjuga a ambigüidade latente entre concepções cosmopolitas e suas aplicações concretas; ambigüidade esta constituinte (e portanto não percebida necessariamente como contraditória) de um modo particular de gerenciar significados, um modo transnacional.

A esta altura de nosso seminário é suficiente apontar que os atrativos fundamentais para a pesquisa das ciências sociais e humanas na Antártida são: a centralidade da cooperação tecno-científica internacional para o ingresso e presença humana na região austral, a suspensão das demandas territoriais nacionais no período de vigência do Tratado e o apelo de paz que orbita abaixo do paralelo 60o. Juntos, esses elementos permitiram uma vasta, mas restrita, produção bibliográfica. Ora interessada em demonstrar o elemento competitivo da cooperação científica internacional, ora delineando os principais temas disciplinares trabalhados pelos grupos de pesquisa ou mesmo discutindo gargalos políticos e logísticos para a prática científica; tais abordagens têm em comum a característica de apontar os desafios emergentes do gerenciamento de um território que repele a nacionalidade enquanto domínio territorial em favor de uma concepção global de paz, refreando também concepções desenvolvimentistas baseadas na exploração capitalista dos recursos naturais, já que a importância da Antártida para a regulação dos sistemas naturais do planeta exige a preservação da natureza austral. Se a natureza é aí uma natureza cosmopolita, a humanidade que a detêm e a conhece é também uma. Aquela mobilizada pelo cosmopolitismo científico de base universalista. Elas, no entanto, variam? Se variam, estariam ameaçadas as unidades?

Pretendo nesta exposição incrementar a agenda de pesquisas das ciências sociais na região austral, adicionando elementos formulados desde uma preocupação antropológica, de modo a dimensionar o transnacionalismo cativo de todos aqueles envolvidos na gestão e execução de pesquisas científicas na Antártida. Trata-se aí de elencar e relacionar os elementos e grupos humanos que mobilizam fluxos de modelos da ocupação humana na região, construídos com base na referida ambigüidade entre cosmopolitismo e apelo nacional, unidade e variabilidade. O aspecto fundamental a ser ressaltado é que não basta considerarmos a transnacionalidade cosmopolita da gestão do Sistema do Tratado Antártico para compreendermos variações do que sejam fluxos e modelos da experiência humana na região austral. É preciso atrelar a tal cosmopolitismo a problematização do universalismo científico, indicando que não somente a pretensa uniformidade global da gestão transnacional varia nas práticas dos programas nacionais antárticos, mas também o próprio universalismo enquanto elemento cosmológico constituinte das pessoas envolvidas nas práticas científicas e da própria Antártica como tal. Para tanto, versarei sobre dois dos quatro projetos científicos brasileiros que venho pesquisando desde julho de 2008. Refiro-me aos projetos “Expedições Nacionais Multidisciplinares ao Manto de Gelo Antártico: identificando respostas da Criosfera às Mudanças Globais”, executado pela UFRGS e “Evolução e biodiversidade: uma resposta da vida às mudanças climáticas”, executado pela UFPR.

Os coordenadores dos dois projetos compartilham um interesse comum, embora o formule e se posicionem de modos distintos em relação a ele. Ambos visam galgar uma posição relevante para a pesquisa brasileira na Antártida nas arenas inter(trans)nacionais da ciência polar. Tais arenas são fluxos científicos que funcionam em si mesmos como índices da qualidade científica. Ou seja, qualificar a ciência nacional e contribuir para ou participar dos fluxos inter(trans)nacionais da ciência na Antártida são sinônimos.

Para participar de tais fluxos é fundamental preencher os requisitos de ingresso e alimentar-lhes com os móveis considerados legítimos para circular. A forma de ingresso e as características dos móveis que circulam nos fluxos inter(trans)nacionais da ciência remetem a modelos cunhados a partir de uma perspectiva política transnacional de gestão da pesquisa científica processada nos contextos nacionais, bem como de uma visão universalista da natureza pesquisada em cada projeto, nesse caso, uma visão universalista da criosfera e das células de peixes do gênero Notothenia.

O elemento da “mudança em nível global” aparece como marca dos dois projetos científicos aqui abordados. No caso do grupo da UFRGS trata-se de compreender de que modo a criosfera responde às mudanças; no segundo, trata-se da resposta de peixes em razão do aquecimento ou esfriamento das águas antárticas. A “mudança” presente nas pesquisas brasileiras em causa espelham a preocupação científica internacional em compreender as dinâmicas dos sistemas naturais. Tal preocupação remete ao fato de que elas vêm ocorrendo de modo incisivo nos últimos anos e são verificáveis das mais variadas formas, desde a velocidade de escorregamento de uma geleira aos elementos bioquímicos de células de Nothotenia. Assim, são os próprios sistemas naturais, sua condição ontológica atual enquanto algo que varia aceleradamente, que modelam as questões fundamentais da ciência na Antártida. Por outro lado, o órgão transnacional de gestão da pesquisa científica na região austral incorporou a “mudança” como requisito técnico e político fundamental para o ingresso de cientistas na Antártida.

Criado em 1957/1958, o SCAR resultou do Ano Geofísico Internacional, e organiza até o presente os mecanismos de cooperação técnica entre cientistas. Em que pese o fato da Antártida estar, naquela altura, às margens dos modelos vigentes de exploração capitalista, dados o declínio da empresa foqueiro-baleeira e os obstáculos impostos pelo ambiente hostil para uma “eficaz” organização produtiva; o SCAR reproduziu fielmente o emergente modelo de gerenciamento corporativo de enclaves, decorrente da transição do fordismo ao capitalismo flexível, contemporâneo à sua criação. No caso do SCAR, entretanto, seriam os próprios cientistas, localizados nos centros produtores de ciência de qualidade, os “gerentes” indiretos do controle à distância da região austral e boreal, e não os detentores do capital. Desde então a possibilidade de afirmações universais sobre elementos dos sistemas naturais estava atrelada à condição transnacional do órgão.

O modelo das ciências em fluxo nas arenas inter(trans)nacionais da Antártida resultou, portanto, simultaneamente da ação mutante dos sistemas naturais e da conformação sociopolítica do SCAR. Ambos são temas relevantes para a pesquisa antropológica na medida em que expressam traços distintos, mas complementares, das ambigüidades cosmopolitas. Uma dessas ambigüidades já foi mencionada e refere-se à suspensão do pertencimento nacional da ciência como condição do aprimoramento científico. Trata-se aí de uma condição transnacional em que o nacional se faz valer pela sua negação. A outra ambigüidade que quero ressaltar remete à condição mesma dos modos como os sistemas naturais se tornam conhecidos, constituindo modelos inescapáveis para a presença humana na Antártida. Cabe aos cientistas aqui referidos compreenderem o que acontece com a criosfera e com os peixes de gênero Nothotenia. Sozinhos eles não poderiam realizar o trabalho. É preciso que cada geleira estudada ou cada experimento montado com os peixes forneça dados capazes de compor modelos explicativos a serem alimentados por seus pares espalhados no globo, mas concentrados na Antártida. Esse é, aliás, um elemento condicional da cooperação técnica internacional inerente à competitividade entre ciências nacionais. Muito embora os dados devam remeter à universalidade dos fenômenos e a procedimentos de coleta padronizados, a relação de conhecimento entre cientistas e seus objetos varia, a depender, em cada programa antártico nacional, das condições logísticas de apoio à pesquisa, das vestimentas polares, dos instrumentos de coleta e medição disponíveis e da possibilidade de transportar amostras e dados para as Universidades respectivas. Assim, soma-se à ambivalência entre nacionalidade e transnacionalidade das ciências, característica dos fluxos de modelos na Antártida, a ambigüidade entre universalidade e particularidade. Façamos uma rápida incursão nas duas pesquisas que tomo como guias para demonstrarmos que ambas as características são inseparáveis.

Andando ao sopé da Geleira Wanda, quando estava acampado com o grupo da UFRGS, afundei quase até o joelho no barro. O gelo já havia há muito recuado, diminuindo a barra do glaciar. “Não é barro”, me advertiu a chefa do acampamento, é um esker. Desde então fiquei sabendo que eskers são acúmulos de sedimentos empurrados paralelamente aos canais de lençóis de água que correm sob a geleira.

Em outra situação, na EACF, após regressar de uma excelente pescaria numa enseada frontal à geleira Ecology, ao lado da Estação Polonesa de Arctowski, as biólogas da UFPR foram para o galpão de triagem onde os peixes são colocados para estabilização, antes de seguirem para os aquários experimentais. Após depositarmos os peixes nos tanques de triagem fiquei admirando o maior exemplar, coincidentemente pescado por mim. Foi então que a líder do grupo me chamou para colocar alguns peixes de pescarias passadas nos aquários experimentais. Após 24hrs eles seriam sacrificados para coleta de amostras de partes viscerais a serem analisadas em laboratório. Logo no primeiro peixe que depositei recebi uma bronca: “esse é um Rossi, tem que colocar no aquário de Rossi”. Desde então fiquei sabendo que os peixes mais rosados, em transição para um amarelo vivo eram os Nothotenia Rossi e os mais escuros, Nothotenia Coríceps.

Da janela do aquário via-se a Geleira Wanda onde eu acampara meses antes com o grupo da UFRGS. Não demorei em perguntar: “tá vendo aquele cordão de lama? Você conhece?” Resposta: “É uma moraina”. Não era, era o esker.

Essa rápida anedota ilustra que lama, esker e moraina, ou peixes, nothotenia Rossi ou coríceps são variações de elementos dos sistemas naturais antárticos que só funcionam como universais quando ativados em relações específicas. A lama, confundida com moraina, só pode ser universalmente percebida como esker na medida que especialistas se relacionam com ela e disseminam a universalidade de sua condição ontológica. O mesmo ocorre com os nothotenia Rossi. Interessante é que também as especialistas só podem ser percebidos como tais, ativando sua expertise nos fluxos da ciência, na medida em que se relacionam com os éskers e Nothotenia Rossi. Trata-se de um processo de mútua constituição ontológica onde um funciona para o outro ativando sua posição na relação de conhecimento. Nesse sentido, os fluxos de modelos na Antártida fazem mais que gerenciar territórios ou regular a presença humana na região austral. Eles incorporam e mobilizam o acesso a elementos constitutivos dos cientistas como tais e da Antártida como francamente indicativa dos sistemas naturais e do impacto humano na Terra no passado, presente e futuro.

Para que o grupo da UFRGS pudesse retirar amostras do esker e o da UFPR pudesse realizar experimentos com Nothotenia Rossi foi necessário que seus gestores submetessem projetos de pesquisa para avaliação do Programa Antártico Brasileiro. Este funciona como prisma dos fluxos de modelos transnacionais da ciência na Antártida aqui elencadas. No Brasil o acesso à Antártida se organiza majoritariamente entorno de dois Institutos Nacionais de Pesquisas que espelham a organização do SCAR em duas grandes áreas: ciências físicas e da terra e ciências da vida. Lama particular é esker universal no INCT-Criosfera, peixe róseo-amarelado particular é Nothotenia rossi universal no INCT-Antártico de Pesquisas Ambientais. Em qualquer dos casos para pleitear o ingresso à Antártida é preciso demonstrar que a pesquisa está inserida em redes inter(trans)nacionais. Os editais do PROANTAR colocam a internacionalidade das pesquisas como critério classificatório decisivo para a seleção de projetos. Mas isso é apenas o começo.

O PROANTAR é gerenciado pelo MCT, MMA e Marinha do Brasil. Esta é responsável pelo apoio e gerenciamento logístico das pesquisas e pelo treinamento dos jovens pesquisadores para uma operação antártica brasileira. A disponibilidade de vagas na EACF, navios ou vôos de apoio promovidos pela Força Aérea Brasileira e mesmo a organização dos acampamentos, seu lançamento por helicópteros e preparação de cargas são atributos da Marinha. Os coordenadores das pesquisas precisam negociar passo a passo o planejamento de suas pesquisas a partir da disponibilidade de equipamentos. Atento para o fato que tais negociações incorporam formas particulares de acesso aos sistemas naturais a serem pesquisados enquanto universais. De fato, em qualquer pesquisa antártica a logística é o elemento particular invisível das afirmações universais proferidas pelos cientistas. Ela é o elemento que faz variar o que possa ser potencialmente uma afirmação universal sobre eskers para cientistas físicos e da terra do INCT-Criosfera ou para o que possa ser universalmente válido para os Nothotenia Rossi que habitam as águas frontais à Ecology para cientistas da vida do INCT-APA. Os modelos em fluxo na Antártida implicam que meios logísticos não podem ser entendidos como separados dos fins científicos, a presença do corpo, dos gestos e dos equipamentos dos cientistas não pode ser separada do dado científico abstrato, a ambigüidade entre transnacionalidade e nacionalidade não pode ser entendida em separado da ambigüidade entre universalismo e particularismo.

Jamais saberíamos a que velocidade (uma constante medida por uma equação universal) a Geleira Wanda está retraindo, se não pudéssemos realizar um experimento com uma bolinha de tênis na laguna tributária dos canais de degelo. O exercício dependia de botas impermeáveis, já que para lançar e capturar a bolinha era necessário entrar com os pés na água bem fria. As botas Caribou canadenses disponibilizadas pela Marinha após negociações com os coordenadores de pesquisa são instrumentos constitutivos da pesquisa, da Geleira e da expertise dos cientistas e, portanto, dos fluxos de modelos da ciência brasileira na Antártida. Do mesmo modo, jamais compreenderíamos o comportamento do Nothotenia Rossi diante da variação de temperatura se não houvesse marinheiros preparados para navegar um bote em condições adversas sem promover solavancos que matariam os peixes antes de chegarem à EACF.

Ressalto com isso que a integração técnica entre conhecimentos logísticos e científicos e o planejamento dessa integração são os meios de acesso à ambigüidade latente entre particular e universal. A etnografia dessas relações contribuirá para compreendermos as variações dessa ambigüidade caso a caso, não apenas enriquecendo o que chamamos de fluxos de modelos, mas elucidando a questão: modelos de que eles são fluxos?

É também por meio do estudo das integrações técnicas entre logística e ciência que o etnógrafo pode contribuir para evidenciar modos variantes de expressão da ambigüidade entre transnacionalidade e nacionalidade da ciência. A pesquisa dos Nothotenia Rossi foi etnografada no inverno, que felizmente atrasou sua chegada. Se a comunidade científica brasileira, em articulação com a Marinha do Brasil não pudesse manter a EACF no inverno, o que se tornou possível à duras penas num processo histórico complexo, seria impossível a realização das pesquisas em causa nos moldes planejados – tanto a de biologia celular, quanto a de antropologia. Por comparação, poderíamos dizer que, numa situação hipotética, biólogos peruanos não poderiam proferir afirmações universais sobre os Nothotenia Rossi no inverno mesmo que quisessem, já que Machu Pichu fica desabitada nessa época do ano por razões logísticas, políticas e econômicas do Peru. A dependência de laboratórios próximos aos locais de coleta e uma infraestrutura substantiva para criar condições experimentais adequadas amarra os cientistas ao gerenciamento logístico de tal forma que o transnacionalismo científico não sobreviveria sem o elemento da logística ofertada pelos programas antárticos nacionais.

Por outro lado, a própria logística pode ser transnacionalizada como francamente vem sendo demonstrado pelo grupo da UFRGS que vislumbra um dia poder treinar seus membros para serem capazes de gerenciar todos os elementos logísticos necessários à pesquisa. Desde o aluguel de vagas em aviões comerciais para a Antártida até o nó de pescador que amarra a rede sobre as barracas de acampamento. Mesmo nesse caso a ambigüidade entre cosmopolitismo e nacionalismo persistiria, na medida em que o domínio técnico das condições logísticas em nível transnacional é também um modo de evidenciar um bom posicionamento da ciência nacional nos fluxos inter(trans)nacionais da ciência.

Eis, portanto o que considero os elementos centrais para delinearmos os fluxos de modelos na Antártida em sentido amplo: a conexão entre duas ambigüidades constitutivas da região austral e daqueles engajados em seu ambiente hostil, mas habitável. Ou seja, a ambigüidade entre cosmopolitismos e nacionalidades da ciência, de um lado, e entre universalismos e particularismo de outro. De modo particular, para entendermos como variam tais ambigüidades constitutivas, defendo a etnografia dos elementos técnicos envolvidos e relacionados caso a caso. E é assim que termino minha exposição: pleiteando um modo geral de abordar os fluxos de modelos na Antártida, mas que só pode ser executado particularmente por meio da etnografia. Mais uma ambiguidade?
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