domingo, 14 de abril de 2013

O desenvolvimentismo tecnicista e a popularidade do Governo Dilma

O desenvolvimentismo tecnicista atingiu o auge de popularidade. Alimentado pelas migalhas de uma política social de eficácia lenta ,o governo Dilma alimenta a mesa dos bancários e empresários, que multiplicam impérios e promovem o avanço do grande Capital. A esse jogo ousou-se chamar de 'novo contrato social', outros preferem a alcunha de 'capitalismo social-democrata'.

A retórica do 'crescimento' e do 'desenvolvimento' formam a base mito-ideológica de uma governamentalidade que, na prática, segue à risca a agenda neoliberal, com pequenos traços tupiniquins. De um lado a crença no crescimento sem limites,do outro a aplicação tecnicista de uma economia política voltada para a fabricação e multiplicação de 'consumidores', traduzindo cidadania enquanto um mero acesso ao 'mercado'.

Produzem-se, assim, novos níveis de consumo econômico (das classes 'c', 'd', etc.), ampliando o alcance das garras do grande capital. A inclusão social tornou-se, de fato, uma mera 'inclusão econômica'. As pessoas são motivadas pela grande mídia e pelos agentes governamentais a avaliar a sua qualidade de vida conforme o grau de acesso aos bens de consumo 'modernos'. A vida se transformou num grande "Big Brother", onde a competição, o investimento pessoal no 'capital humano e informacional', a lógica da eficiência técnica e econômica, a luta pela sobrevivência no mundo selvagem do capitalismo, tornou-se o único valor moral. Tudo vale apena, desde que vire 'renda'. Todos os sonhos e desejos são possíveis e realizáveis, desde que possuam um preço. Todas as qualidades podem virar um poderoso e atrativo fetiche nas mãos do grande irmão.

Em nome do acesso às novas tecnologias - que se multiplicam diariamente - tudo é válido. A regra do utilitarismo humano e tecnológico predomina em todos os setores.

"Corra! Você também pode se aprimorar, faça um curso de especialização técnica, invista no seu currículo, torne-se uma pessoa útil".

A regra da 'utilidade' como único critério de seleção de pessoas, valores e ideias predomina na infra-estrutura e na super-estrutura, fazendo com que as engrenagens do Grande Capital funcionem à todo vapor. A nossa sociedade é uma flecha progressiva, ou você se "moderniza" ou se torna 'arcaico'. Não sabemos muito bem para onde vamos - neste campo predominam controvérsias intermináveis - mas é certo que 'vamos com intensidade', rumamos em alta velocidade, colocando todas as 'resistências' abaixo, varrendo o caminho com máquinas, tratores e homens.      

Enquanto os índices de popularidade da presidenta Dilma aumentam, os serviços públicos de saúde e segurança pública continuam péssimos. A infra-estrutura das grandes cidades está em crise. A reforma agrária anda estagnada há anos. Os movimentos sociais estão em alerta. Nada vai bem no campo ou na cidade, os recursos públicos são desviados e até mesmo os investimentos na recuperação de áreas atingidas por eventos naturais não têm sua execução fiscalizada. Veja a realidade cotidiana das nossas escolas, universidades e hospitais.

Mas, não se preocupe, a lógica utilitária prescreve a solução para todos os nossos problemas: se a economia vai bem, a sociedade vai bem, obrigado. Neste contexto totalitário, toda crítica social é percebida  como 'conservadora': ora, o Brasil está crescendo, qual é o problema? Se você não quer avançar na mesma intensidade, vai acabar ficando pra trás... Só existe um único caminho, o caminho do 'progresso' e do 'desenvolvimento', o Brasil ainda há de se tornar uma "Nova Iorque Tropical". Para crescer precisamos de energia e se o preço a pagar por isso é a extinção de algumas centenas de índios e ribeirinhos e o extermínio de um patrimônio arqueológico, cultural e ambiental inestimável, que mal há nisso?    

Ao mesmo tempo que assistimos "ao vivo" a decadência da qualidade de vida nas grandes metrópoles - marcada pelo péssimo trânsito, os altos índices de criminalidade, as constantes tragédias ambientais e a poluição sonora e do ar -  a retórica modernizante promove a assimetria ideológica entre a cidade e a roça, enaltecendo o meio de vida urbano e depreciando o modo de vida rural, operação mitológica cuja expressão literária maior é o nosso já conhecido "Jeca Tatu". O nosso caminho foi delineado de forma a promover exatamente o modo de vida que está em 'crise', demonstrando-se insustentável em médio e longo prazo.

Mas o debate e a discussão de ideias não é bem vinda no contexto do "Grande Partido". Não importa a qualidade ou conteúdo dos argumentos críticos, nada se contrapõe à justificativa eleitoreira de uma 'popularidade' alimentada por uma economia política que sabe muito bem dar as batatas aos vencedores.

Esquece-se, com isso, que a história da humanidade demonstra claramente que a 'popularidade' nunca foi um critério de 'justiça', qualidade 'ética' ou até mesmo 'intelectual' das ideias, planos econômicos ou de governo. Afinal, fenômenos políticos totalitários como o "nazismo", o 'fascismo", a 'intolerância religiosa ou ideológica", a homofobia, a 'ditadura militar' e outros governos de exceção - guardadas as devidas diferenças - foram sustentados pela produção de dados estatísticos favoráveis, marketing político e altos índices de aprovação junto à população em geral.

O fato é que toda forma de totalitarismo - até mesmo os mais 'populares' - são atentados contra a liberdade e a criatividade humana.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Hans e o Devir-Rato

Por mais que Hans se esforçasse, não conseguia lembrar quando o 'distúrbio' teve início. O 'caso' representa uma anomalia rara na história da psicanálise. Apesar de homens e ratos conviverem  há milhões de anos,existem poucos relatos sobre eventos como aquele.

A relação entre as duas espécies é milenar. Homens e ratos vivem lado a lado, amigavelmente ou não. Os ratos podem ser 'sacrificados' em nome da ciência ou combatidos como uma praga.

As ciências ocidentais tecem inúmeras analogias entre o corpo do rato e o corpo humano. Doenças são testadas nesses animais tendo como referência esse pressuposto de homologia corporal. Apesar da diferença radical, ratos e homens possuem semelhanças genéticas e biológicas há muito exploradas pela medicina. Os ratos são mantidos em cativeiro, no laboratório, onde servem de cobaia 'viva' para experimentos de toda espécie. Coletivos de humanos se mobilizam em nome desses animais, instituições são mantidas com verbas governamentais e todo um campo de problematização jurídico-governamental se estabeleceu em torno dos 'direitos dos animais de laboratório', entre eles, os ratos e camundongos. Os comitês de ética fiscalizam e orientam procedimentos científicos por meio de protocolos. A relação entre homens e ratos no âmbito das pesquisas científicas é regulamentada por regras e valores humanistas, voltadas para o reconhecimento dos direitos do sujeito-rato. Os defensores dos animais seguem uma cartilha rigorosa de 'princípios' e 'orientações' e alguns pesquisadores se especializam em decifrar todos os artigos da nova "Constituição". A 'violência' entre uma espécie e outra é, assim, institucionalizada na ciência por códigos éticos que legitimam as práticas predadoras dos cientistas, tudo em nome da 'vida humana'.

Os ratos foram perseguidos durante milênios pelas cruzadas evangelizadoras. Simbolo da desgraça e da doença crônica, os ratos foram eleitos como o indicativo da peste e do pecado projetado sobre os homens maus. Os historiadores até hoje tem dificuldade em explicar os motivos que levaram a essa cruel demonização. O fato é que os ratos foram transformados, ao longo do tempo, em emissários e representantes das forças diabólicas, sendo combatidos como tal. Criou-se, assim, uma relação de homologia espiritual entre o espírito mau e o rato, assim como da praga e da desgraça coletiva com a invasão desses animais, considerados malignos e nefastos. A única analogia espiritual mais forte do que essa é aquela entre homens e morcegos...          

A convivência entre ratos e homens nem sempre é pacífica. Mas o fato é que - conforme o 'senso comum' - homens e ratos têm vidas distintas, convivendo sem nunca se misturar. A fronteira entre as duas espécies é um marco para a 'humanidade' e apenas em situações extraordinárias foi superada, como é o caso dos famosos ratos-orelhas criados em laboratório, a partir da aplicação de técnicas de manipulação genética.

Mas, para o pobre Hans, a lembrança do momento exato em que teve início o lento processo de transformação simplesmente desapareceu. Nenhuma indicação de algo que pudesse ser minimamente denominado de realidade. Teria sido um sonho, ou talvez uma conversa? Ou, quem sabe, uma conversa em um sonho?  A vida antes da internação na 'casa de saúde' era uma coleção de imagens borradas e imprecisas. Por mais que ele tentasse recordar, havia apenas a lembrança de uma invasão de ratos de consequências perturbadoras para o conjunto da humanidade. Aos poucos, todos se pareciam com ratos ou eram ratos disfarçados? Homens vestidos de ratos ou ratos vestidos de homens? Seriam todos vítimas de uma 'praga noturna'?

Por um instante a imagem de uma ratazana gigante lhe veio em mente, seguida de uma breve cena de um rato se deslocando em um assoalho de madeira vermelha. As suas unhas, já grandes, cintilam uma sinfonia desproporcional diante de um Hans tão pequeno e insignificante. A porta por onde entrara parece tão desproporcionalmente grande, assim como a sua sombra delineada na parede.

Outra imagem, desta vez da face do rato, de seu nariz nervoso. Os pelos do nariz formam um minusculo bigode que vibra.Os olhos são assustadores, como os olhos de um feiticeiro. Seus dentes, levemente postados pra frente, indicando uma possível agressão.

Lembrança-rato, mas os ratos nunca andam sozinhos. A arte do flautista de Hamlin, como todo bom ilusionista, consiste em saber conduzir o coletivo de animais pelas ruelas e estradas do desconhecido país, apresentá-los às autoridades, levá-los para as festas mais requintadas da elite local até o ponto de embriagá-los completamente, até o ponto de afogá-los no rio Weser e com isso por fim à invasão e ao perigo da epidemia.

Mas o que seria do flautista sem aquele 'Outro', o anômalo que habita a fronteira e que caminha exatamente no 'entre', esse ser que coloca os limites em questão, abrindo as membranas para movimentos de simbiose completa. Esse rato branco com olhos de um vermelho intenso, unhas gigantes, pelos espessos e cintilantes. Havia nele algo de humano, algo de perigosamente familiar. Talvez os olhos, ou melhor, o olhar de indagação. Como se ele e Hans compartilhassem um grande segredo.

Mas que segredo seria esse?Seria outro dialeto, de onde viria esse vocabulário de ruídos-palavras? É como se os ratos falassem a mesma língua, mas de forma completamente diferente. Havia, de fato, algo muito semelhante entre Hans e aqueles animais. E tudo estava inscrito de forma bastante contundente naquele rato branco. A sua brancura era tão terrivelmente perturbadora, algo do qual Hans não conseguia mais se libertar.

Uma tendência radical em transformar-se em 'Outro' ou outro alguém, expressa em um turbilhão de intensidades que invadiram o corpo do pobre Hans. Seria uma possessão, estaria Hans possuído?  Quando, em que momento exato esse movimento de fuga teve início? Melhor, para onde a transformação o conduzia, quais regiões do ser a fuga lhe permitiu experimentar? Quais ritmos, disposições e afecções permitiram essa comunicação entre-bordas, abrindo uma abertura nas dobras do ser?

Hans lembra de ter comprado um rato, ou seria esse primeiro rato um habitante antigo da morada de seus avós, da velha fazenda. Ou seria um rato capturado ainda vivo, talvez o pobre animal serviu de cobaia para projetos científicos. Teria sido um rato preso em seu labirinto ou uma ratazana presa em uma ratoeira? Mas o rato nunca foi um indivíduo, sempre viveu em coletivos nômades...

Em algum momento vieram os outros... E logo se multiplicaram,  novas gerações surgiram, a população aumento com agressividade e em poucos meses havia toda uma civilização de ratos vivendo  em sua casa, convivendo com Hans diariamente, comendo da sua comida e dormindo em sua cama. Porque ele não combateu os ratos, porque não declarou guerra aos invasores?

O fato é que a passividade custou-lhe caro. Afinal, para que o coletivo de ratos pudesse viver naquele pequeno apartamento de dois quartos e uma sala-cozinha foi necessário que os novos habitantes do local fossem exilados de sua própria terra. A esposa de Hans e suas duas filhas - Miriam e Jan - abandonaram o local após a chegada dos primeiros ratos. Não suportaram ver o  lar transformado daquele jeito. Não suportavam ver Hans, outrora tão radiante, completamente transfigurado, vestido com roupas sujas, com barba por fazer e o corpo coberto de pelos, vivendo como um rato entre ratos. Aquela animalidade tornou-se, em algum momento, tão insuportavelmente humana a ponto de transpor as fronteiras entre as duas espécies, torná-las insignificantes. O resultado era um ser híbrido, nem rato nem homem, algo 'entre' os dois.

Hans continuou apático, servil, completamente dominado por uma ideia que apreendeu em pouco tempo a considerar 'natural': havia algo de 'rato' nele e em todos de sua espécie. Pequenos afetos, afecções, tendências e intensidades, que surgiam em contextos específicos, em situações inesperadas e, até certo ponto, incomuns. Havia a possibilidade iminente de composição radical entre homens e ratos. Cabia a ele elevar a enésima potência esses movimentos moleculares.

Não há dúvida, os homens podem ser ratos em situações especiais, 'ratiando' aqui e ali como um pequeno mamífero roedor, alimentado-se das sobras e dos restos de seus hospedeiros. O homem pode ser o mais temível dos ratos, alcançando a terrível façanha de ser mais rato do que os próprios ratos.



A metamorfose.de Hans foi voraz e em poucos meses estava completamente transformado. A primeira mudança foi no campo da alimentação. Surgiu como uma modesta obsessão por queijos, de todas as procedências e tipos.

Depois, a transformação intensificou-se ainda mais. Em algum momento a caça de pequenos insetos lhe pareceu tão apetitosa e atrativa que a força do hábito não foi suficiente para desconstruir ou retrair um estranho e inesperado desejo evidenciado por um salivar compulsivo. Depois vieram os grãos, como nozes, amendoins e amêndoas. Restos de comida, pães e arroz cru. Sementes de todos os tipos, bananas e outras frutas. Mas os ratos comem no chão. Para comer como um rato, Hans também teve que passar a viver como um, rastejando ao lado de seus comparsas.

Tudo mudou quando os ratos reconheceram Hans pela primeira vez como parte do bando. Naquele momento, ele sabia que havia cruzado uma fronteira importante. A partir dali ele jamais seria o mesmo. Retornar no interior da diferença, reportar-se a outras diferenças, sem nunca reproduzir o "Fundamento" ou à identidade do conceito.

Um devir-rato apoderou-se do pobre Hans, dando início a um intenso movimento de transformação, transfigurando completamente o seu corpo e face, a ponto de, no final, nem mesmo sua mãe, ex-esposa e filhas reconhecerem nele nada mais do que uma remota lembrança  do que um dia foi ou pensou ser.

Em dias de visita como hoje, Hans tem a impressão de ser um rato em uma gaiola, um reflexo dos olhares surpresos dos visitantes, com seus silêncios intermináveis e seus gestos de nojo e atitudes de distanciamento. Ele havia se tornado um intocável, habitante solitário de um palácio de assoalho e teto branco, de paredes também brancas, onde todos os seres vivem como seres imaculados, com suas vestimentas de um branco extremo, da mesma brancura do velho Barth, o anômalo. Aquele que parecia um animal tão humano, talvez mais humano do que o próprio Hans e todos de sua espécie. O rato-líder, com seus olhos terrivelmente vermelhos e seu bigode demasiadamente humano, tão humano que fazia de todos os homens um mero reflexo.

Barth era o seu 'Moby-Dick', um rato-homem, o anômalo que não reconhece qualquer fronteira, que transpassa por transbordar todas as linhas. A janela, a abertura ou a dobra por onde tudo flui, transloca, transgride, transforma e transfere. O rato-hans havia se tornado uma ratazana.

                  
[Em algum momento do século XIX, Hans L. A. D. foi personagem de um famoso caso estudado pelos mais renomados psicólogos da época. O rapaz, então com apenas 24 anos, acreditava ter se transformado em um rato, convivendo com os membros desta espécie em um galpão abandonado, em sua propriedade agrícola, em uma pequena cidade da Inglaterra. O evento foi denunciado pela esposa e a filha de Hans, que foi removido para um manicômio, onde viveu até cometer suicídio, em 1932. Conforme relatam os 'livros médicos', Hans morreu "como um rato, comunicando-se até os últimos minutos de vida como se fosse um desses animais". Seguiram-se outros tantos relatos sobre 'casos' semelhantes e a história da psicanálise revela uma simpatia constante pela potencial relação de simbiose ou oposição entre homens e ratos. A obsessão foi analisada em um clássico da psicanalise - "Homem dos ratos" - publicada, em 1909, por Freud, que analisa a obsessão de seu paciente por esses animais, representados como o símbolo de uma série de ambivalências anais projetadas  no conflito inaugural com o pai. Esta história e outras semelhantes serviram de inspiração para a escrita deste pequeno ensaio, elaborado em diálogo com a noção de 'devir' de Deleuze e Guattari].          

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Tropas Federais Vs. Povo Munduruku


No sudoeste do Pará, os índios Munduruku  e ribeirinhos da região lutam contra a construção da hidroelétrica  Tapajós. Essa obra terá um impacto sobre o meio ambiente regional, colocando em risco recursos naturais essenciais para a reprodução do modo de vida dessas populações. Além de representar um risco factual para índios e ribeirinhos, a construção dessa hidroelétrica - projeto associado diretamente aos objetivos de 'desenvolvimento antropofágico' do governo federal - também vai colocar 'embaixo d'água' um patrimônio arqueológico de valor inestimável.

Esse processo de destruição é informado por estudos de 'impacto' que calculam uma série de estimativas sobre a magnitude dos danos causados ao meio ambiente local, que depois serão indenizados pelo Governo. Os pareceres técnicos são, portanto, um elemento fundamental para a liberação da obra. Trata-se de dispositivos jurídicos criados para 'viabilizar' institucionalmente ações que resultam em danos ambientais e sociais. Essa 'economia do dano' está associada a um pressuposto fundamental: a inevitabilidade do 'progresso' e do 'desenvolvimento'. A estimativa do impacto e os estudos que a caracterizam são etapas necessárias para legitimar juridicamente um processo mais amplo e complexo, com efeito desastroso na vida dos povos que vivem na região, mas cujos fundamentos  e objetivos não são colocados em discussão com a sociedade brasileira.

A política energética do governo - e toda a rede formada em torno da sua viabilização, o que inclui o cartel de empreiteiras e seus representantes políticos no congresso nacional - não é discutida ou problematizada. O pressuposto que está por trás disso é que o 'desenvolvimento' (tal como pensado pelo Governo Dilma) é inevitável, cabendo apenas 'calcular' o 'preço do progresso', conforme título de reportagem da rede globo (ver outro post sobre esse tema).  

Recentemente, em março de 2013, o governo federal enviou uma 'força nacional' para a região, composta por veículos de guerra e soldados, colocando em ação uma verdadeira operação de guerra para garantir a continuidade dos estudos dos técnicos do IBAMA.


Por outro lado, os índios e demais grupos locais diretamente afetados pela obra não foram consultados pelo governo, o que representa uma clara violação dos princípios de 'consentimento informado' enunciados na Convenção nº 169 da OIT, assinada pelo Brasil. Essa truculência e insensibilidade do governo federal expressa claramente o lado 'obscuro' do desenvolvimentismo da era FHC/Lula/Dilma e o seu efeito na vida das populações locais.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Redes Sociais como o 'facebook' são rizomas ou árvores?

Após uma aula sobre a noção de 'rizoma' em Deleuze e Guattari, dois alunos conversam entre si no corredor: 

A: O que você acha, as redes virtuais como o Facebook e o Orkut são rizomas ou árvores?".
D: Na minha opinião, são as duas coisas ao mesmo tempo.
A: Como assim?
D: No facebook, por exemplo, todos as pessoas conectadas estão distribuídas de forma rizomática, podendo, em princípio, conectar-se aleatoriamente umas com as outras. As informações são distribuídas para todos os amigos, ao mesmo tempo... Não existe uma ordenação da sua rede de amigos, eles estão todos lá, virtualmente conectáveis.
A: Bom, então você acha que as redes sociais são rizomáticas?
D: Potencialmente sim, mas praticamente não. Pois os usuários ordenam e coordenam suas redes de amigos a partir de modelos como a 'árvore familiar', o 'grupo de amigos preferidos', 'aqueles com quem eu me identifico', 'a turma da escola'. Sem falar na chamada 'economia do curtiu', onde você só demonstra apreço por ideias e informações postadas por seus familiares e amigos mais próximos. Isso ocorre porque algumas pessoas que usam o facebook possuem árvores em suas cabeças, apesar de seus neurônios trabalharem de forma rizomática.
A: Isso significa que as redes, em si, são sistemas rizomáticos, mas o uso que as pessoas fazem das redes pode ser mais ou menos arbóreo, mais ou menos horizontal.
D: Sim, estava pensando algo assim...   Isso ocorre porque estamos diante de atores-redes, isso significa que as redes em si são objeto de ordenação e coordenação dos coletivos humanos e não humanos que fazem parte dela. Se, por um lado, enquanto processo imanente a topologia da rede tem uma forma rizomática, os atores buscam formatá-la conforme os modelos que utilizam como referência (parentesco, meritocracia, afinidades), conforme os exemplos de ordenação de redes que discutimos em aula, lembra.
A: Sim, então você está afirmando que as redes são hierárquicas?
D: Talvez, algumas delas certamente são mais hierárquicas do que outras, que podem ser mais horizontais... Não importa o quanto os atores trabalhem duro para manter as redes mais ou menos ordenadas conforme seus modelos genealógicos, hierárquicos ou meritocráticos, os rizomas continuam brotando a partir das raízes das árvores... Se eu só 'curto' aquilo que os meus amigos mais próximos e meus familiares postam, nada impede que eu seja influenciado (mesmo que inconscientemente) por postagens que são enviadas por amigos mais distantes... Mas isso não permite afirmar que as redes são sempre rizomáticas, pois existe uma tensão constante permeada pela ação consciente dos atores... Isso significa que o formato das redes, a topologia, resulta da ação de ordenação e coordenação dos atores. Mas essa ação nunca é totalitária, mas sempre parcial e relativa, produzindo novos eixos rizomáticos que parecem brotar por toda parte, não importa quanto os atores se esforcem por organizar os componentes da rede e coordená-los conforme modelos arbóreos... As redes estão em contante processo de transformação, oscilando constantemente entre o processo imanente e rizomático e o modelo arbóreo e hierárquico.
A: Mas, na minha opinião, a rede é muito mais 'processo' do que 'modelo'... Por mais que eu 'curta' apenas as mensagens dos meus amigos, por mais que eu busque apagar e deletar qualquer informação desconhecida ou que não está de acordo com minhas afinidades ideológicas, estéticas ou morais, acabo sendo influenciado por mensagens que chegam de longe, de um 'lugar' inesperado. Isso explica, por exemplo, o fenômenos do 'surto em rede', ou seja, quando uma informação ou mensagem passa a circular em diferentes 'nichos' como em um efeito de 'ressonância' ou 'simbiose', onde as pessoas repetem a 'frase' ou a 'informação' e fazem com que ela circule sem se preocupar com a autoria ou procedência. Da mesma forma, você sempre pode conhecer uma pessoa nova pela internet ou entrar em contato com uma informação que você não estava buscando, mas que serviu de referência importante para uma 'ideia' qualquer... Inconscientemente as ideias costumam ultrapassar as fronteiras impostas conscientemente pelos próprios atores... Por exemplo, uma informação qualquer chega até você e é registrada pela sua atenção, mas, enfim, você nem conhece a pessoa então, você deixa pra lá... Outro dia você acorda com aquela ideia fixa na cabeça e não sabe de onde veio... Onde mesmo você ouviu falar aquilo? Teria sido um sonho? Um filme? Bom, dizem que a ideia que deu origem ao próprio facebook teve um percurso semelhante... Uma conversa ocasional em uma fila deu origem ao esboço inicial de uma ideia que, ao ser aprimorada, virou um empreendimento bilionário.
D: Bom, nisso eu concordo plenamente... Como dizem DG, por mais que as pessoas pensem como se tivessem uma árvore na cabeça, o cérebro funciona como uma erva... Os saltos e sinapses neurológicas não seguem nenhum modelo ideal, mas trabalham sob a lógica do improviso criativo. Mesmo assim, não podemos deixar de lado o fato de que existe uma luta ou batalha em andamento entre o processo que não cansa de escapar e formar novos rizomas e o trabalho (sempre parcialmente ineficaz) dos atores, que passam boa parte da sua vida tentando ordenar e coordenar a sua relação com o mundo.
[...]
A: Essa conversa toda me deu uma fome...
D: Nem me fala, já faz alguns dias que eu estou com um desejo de comer um bom salmão grelhado...
A: Ah... Então você também recebeu?
D: O que?
A: Aquela receita maravilhosa de salmão que está circulando as redes sociais...
D: Sinceramente, nem tinha reparado... Estava pensando mais em fazer uma adaptação de uma receita familiar, da minha avó... Tenho pensado muito nela ultimamente, não sei porque.
[...]
A: Adoro Salmão... Podemos pegar um cinema depois, estou louco pra ver...
D: ...já sei, aquele filme novo... Django...
A: Como você adivinhou?
D: É só o que se fala nas redes sociais...
A: Nem tinha reparado... Mas quero ir naquele cinema perto de casa, pelo menos lá as pessoas não ficam falando durante a sessão...  
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