Após uma aula sobre a noção de 'rizoma' em Deleuze e Guattari, dois alunos conversam entre si no corredor:
A: O que você acha, as redes virtuais como o Facebook e o Orkut são rizomas ou árvores?".
D: Na minha opinião, são as duas coisas ao mesmo tempo.
A: Como assim?
D: No facebook, por exemplo, todos as pessoas conectadas estão distribuídas de forma rizomática, podendo, em princípio, conectar-se aleatoriamente umas com as outras. As informações são distribuídas para todos os amigos, ao mesmo tempo... Não existe uma ordenação da sua rede de amigos, eles estão todos lá, virtualmente conectáveis.
A: Bom, então você acha que as redes sociais são rizomáticas?
D: Potencialmente sim, mas praticamente não. Pois os usuários ordenam e coordenam suas redes de amigos a partir de modelos como a 'árvore familiar', o 'grupo de amigos preferidos', 'aqueles com quem eu me identifico', 'a turma da escola'. Sem falar na chamada 'economia do curtiu', onde você só demonstra apreço por ideias e informações postadas por seus familiares e amigos mais próximos. Isso ocorre porque algumas pessoas que usam o facebook possuem árvores em suas cabeças, apesar de seus neurônios trabalharem de forma rizomática.
A: Isso significa que as redes, em si, são sistemas rizomáticos, mas o uso que as pessoas fazem das redes pode ser mais ou menos arbóreo, mais ou menos horizontal.
D: Sim, estava pensando algo assim... Isso ocorre porque estamos diante de atores-redes, isso significa que as redes em si são objeto de ordenação e coordenação dos coletivos humanos e não humanos que fazem parte dela. Se, por um lado, enquanto processo imanente a topologia da rede tem uma forma rizomática, os atores buscam formatá-la conforme os modelos que utilizam como referência (parentesco, meritocracia, afinidades), conforme os exemplos de ordenação de redes que discutimos em aula, lembra.
A: Sim, então você está afirmando que as redes são hierárquicas?
D: Talvez, algumas delas certamente são mais hierárquicas do que outras, que podem ser mais horizontais... Não importa o quanto os atores trabalhem duro para manter as redes mais ou menos ordenadas conforme seus modelos genealógicos, hierárquicos ou meritocráticos, os rizomas continuam brotando a partir das raízes das árvores... Se eu só 'curto' aquilo que os meus amigos mais próximos e meus familiares postam, nada impede que eu seja influenciado (mesmo que inconscientemente) por postagens que são enviadas por amigos mais distantes... Mas isso não permite afirmar que as redes são sempre rizomáticas, pois existe uma tensão constante permeada pela ação consciente dos atores... Isso significa que o formato das redes, a topologia, resulta da ação de ordenação e coordenação dos atores. Mas essa ação nunca é totalitária, mas sempre parcial e relativa, produzindo novos eixos rizomáticos que parecem brotar por toda parte, não importa quanto os atores se esforcem por organizar os componentes da rede e coordená-los conforme modelos arbóreos... As redes estão em contante processo de transformação, oscilando constantemente entre o processo imanente e rizomático e o modelo arbóreo e hierárquico.
A: Mas, na minha opinião, a rede é muito mais 'processo' do que 'modelo'... Por mais que eu 'curta' apenas as mensagens dos meus amigos, por mais que eu busque apagar e deletar qualquer informação desconhecida ou que não está de acordo com minhas afinidades ideológicas, estéticas ou morais, acabo sendo influenciado por mensagens que chegam de longe, de um 'lugar' inesperado. Isso explica, por exemplo, o fenômenos do 'surto em rede', ou seja, quando uma informação ou mensagem passa a circular em diferentes 'nichos' como em um efeito de 'ressonância' ou 'simbiose', onde as pessoas repetem a 'frase' ou a 'informação' e fazem com que ela circule sem se preocupar com a autoria ou procedência. Da mesma forma, você sempre pode conhecer uma pessoa nova pela internet ou entrar em contato com uma informação que você não estava buscando, mas que serviu de referência importante para uma 'ideia' qualquer... Inconscientemente as ideias costumam ultrapassar as fronteiras impostas conscientemente pelos próprios atores... Por exemplo, uma informação qualquer chega até você e é registrada pela sua atenção, mas, enfim, você nem conhece a pessoa então, você deixa pra lá... Outro dia você acorda com aquela ideia fixa na cabeça e não sabe de onde veio... Onde mesmo você ouviu falar aquilo? Teria sido um sonho? Um filme? Bom, dizem que a ideia que deu origem ao próprio facebook teve um percurso semelhante... Uma conversa ocasional em uma fila deu origem ao esboço inicial de uma ideia que, ao ser aprimorada, virou um empreendimento bilionário.
D: Bom, nisso eu concordo plenamente... Como dizem DG, por mais que as pessoas pensem como se tivessem uma árvore na cabeça, o cérebro funciona como uma erva... Os saltos e sinapses neurológicas não seguem nenhum modelo ideal, mas trabalham sob a lógica do improviso criativo. Mesmo assim, não podemos deixar de lado o fato de que existe uma luta ou batalha em andamento entre o processo que não cansa de escapar e formar novos rizomas e o trabalho (sempre parcialmente ineficaz) dos atores, que passam boa parte da sua vida tentando ordenar e coordenar a sua relação com o mundo.
[...]
A: Essa conversa toda me deu uma fome...
D: Nem me fala, já faz alguns dias que eu estou com um desejo de comer um bom salmão grelhado...
A: Ah... Então você também recebeu?
D: O que?
A: Aquela receita maravilhosa de salmão que está circulando as redes sociais...
D: Sinceramente, nem tinha reparado... Estava pensando mais em fazer uma adaptação de uma receita familiar, da minha avó... Tenho pensado muito nela ultimamente, não sei porque.
[...]
A: Adoro Salmão... Podemos pegar um cinema depois, estou louco pra ver...
D: ...já sei, aquele filme novo... Django...
A: Como você adivinhou?
D: É só o que se fala nas redes sociais...
A: Nem tinha reparado... Mas quero ir naquele cinema perto de casa, pelo menos lá as pessoas não ficam falando durante a sessão...
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