Para quem tem interesse na discussão sobre práticas científicas que envolvem o chamado "acesso aos conhecimentos tradicionais associados", vale apena dar uma olhada em uma excelente coletânea sobre o assunto - "Biodiversity and Traditional Knowledge: equitable partnership in practice"(2002) - organizada por Sarah Laird. Esse livro reúne artigos abordando não somente o posicionamento dos povos indígenas e tradicionais, mas também os debates que vem ocorrendo em diversas ciências ocidentais, como a biologia, a botânica, a farmacologia e a antropologia, entre outras. Trata-se de uma tentativa de abordar a questão a partir de uma perspectiva simétrica, apresentado, lado a lado, os posicionamentos e discussões que estão ocorrendo entre cientistas e povos indígenas em torno do estabelecimento de ralações regidas por princípios mais equitativos (ou simétricos do ponto de vista epistemológico e político). Os artigos reúnem informações importantes sobre a questão da "equidade" nas relações entre pesquisadores e comunidades, principalmente, no campo da sociobiodiversidade.
Entre os estudos publicados na coletânea, está a pesquisa de Graham Dutfield, antropólogo norte-americano que trabalha na área de direitos indígenas e conhecimentos tradicionais. Ele realizou um amplo levantamento sobre as principais demandas indígenas no que se refere ao estabelecimento de relações mais simétricas com os pesquisadores.
Foram mais de 15 declarações analisadas no estudo realizado por Dutfield, abrangendo um período que vai de 1984 a 1997. Podemos citar, entre os documentos mais importantes consultados pelo autor:
Declaração dos Princípios do Conselho Mundial dos Povos Indígenas (1984)
Declaração dos Direitos Indígenas da ONU (1993)
Princípios e Diretrizes para a Proteção do Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas (1995)
Aliança Internacional dos Povos Indígenas das Florestas Tropicais (1995)
Grupo de Trabalho sobre conhecimentos tradicionais e biodiversidade do II Fórum Internacional sobre Biodiversidade (1997)
Entre as diretrizes e demandas apresentadas nessas declarações, podemos citar:
- Reconhecimentos dos Direitos Intelectuais dos Povos Indígenas e Tribais sobre recursos naturais e conhecimentos tradicionais (esse princípio foi enunciado em todas as quinze declarações analisadas);
- Consentimento Prévio, Livre e Informado, com a observação de que o consentimento deve ser obtido antes do início das atividades de pesquisa;
- Participação no processo de concepção dos objetivos de pesquisas e outras atividades que afetem diretamente a vida dos povos indígenas e tribais, como obras e políticas públicas;
- Direito de vetar pesquisas e outras atividades que envolvem acesso ao território e aos conhecimentos indígenas;
- Um retorno das informações científicas produzidas na pesquisa para as comunidades onde as atividades foram realizadas;
- Concepção de formas de compensação e repartição de benefícios.
O posicionamento dos cientistas sobre essas questões foi abordado a partir de um levantamento semelhante realizado por Sarah Laird e Darrel Posey, que compararam diversos códigos de ética profissional e declarações sobre princípios e diretrizes de pesquisa. Entre os documentos analisados pelos autores, podemos citar os códigos de Ética da "American Anthropological Association" (versão 1998), da Sociedade Internacional de Etnobiologia (1998); assim como diretrizes apresentadas em documentos e resoluções de diversas organizações científicas, como a Sociedade Americana de Farmacologia (1992) e a Sociedade de Botânica Econômica (1995).
Entre as diretrizes éticas mais recorrentes nesses documentos, podemos citar:
- Obtenção de um Termo de Consentimento Livre e Informado que ateste que os povos onde o pesquisador está atuando estão cientes e acordam sobre a realização do estudo, variando a forma como a redação e obtenção desse termo é definida nas diferentes declarações;
- Questões referentes ao comportamento ético do pesquisador, presando sempre pelo estabelecimento de padrões de conduta ética que estejam de acordo com os direitos dos povos indígenas e tribais;
- Discussão de formas de Repartição de Benefícios com os povos ou interlocutores locais;
- Permissão para a publicação dos resultados da pesquisa (essa questão não é consenso e existe muita divergência sobre a forma como essa permissão deve ser obtida);
- Discussão sobre formas de "retorno" do conhecimento gerado nas pesquisas para os povos onde os estudos foram realizados.
Para quem tem interesse no tema do "estabelecimento de relações equitativas no campo das ciências ocidentais" e entre os povos indígenas e tradicionais - processo político em andamento desde as décadas de 1980/90 - vale apena conferir o livro, que traz informações e estudos bem interessantes para pensar a questão.
Referência Bibliográfica:
LAIRD, S. (Org.). 2002. Biodiversity and Traditional Knowledge: equitable partnership in practice. London: Earthscan Publications.
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