A matéria da Veja intitulada “A Farra da Antropologia Oportunista” é mais um dos inúmeros ataques feitos à antropologia e aos antropólogos nos últimos meses e, certamente, é um dos ataques mais absurdamente revoltante. Digo isso, porque a matéria não só ataca os antropólogos e ONGs, supostamente interessados em abocanhar o “mercado” dos laudos, como também é uma clara demonstração do histórico descaso que o jornalismo sensacionalista tem apresentado em relação aos povos indígenas, ribeirinhos, camponeses e quilombolas. Além de citar falas e dados completamente mentirosos, como a “informação” de que 77% do território brasileiro é ocupado por índios, quilombolas e ambientalista (talvez seja o momento de nos perguntarmos sobre a extensão de terras ocupadas por latifundiários, tendo em vista que o Brasil ainda detêm um dos índices mais altos de concentração de terras do mundo), sugere que essas áreas são completamente improdutivas ao afirmar que essa parcela do Brasil “não é e nem será explorada”, quando o que eles querem realmente dizer é que essas terras nunca serão exploradas pelo agronegócio! A matéria, versão predadora da tese desenvolvimentista adotada tão bem durante a ditadura militar, expressa uma racionalidade preconceituosa e racista, tendo em vista que não reconhece a legitimidade desses grupos e as suas formas históricas de produção e exploração do seu território. Quando finalizamos a leitura da referida notícia, ficamos com a impressão que para esses supostos jornalistas, os índios, quilombolas não deveriam nem mesmo existir. Estaríamos diante de uma aberração jornalística ou de uma versão midiática do genocídio a que esses povos foram submetidos durante boa parte da história do Brasil?
Mas o mau caráter dos autores e editores da VEJA não para por ai. Os próximos a serem atacados somos nós, antropólogos e ambientalistas, que, supostamente, estaríamos alimentando o que eles entendem ser uma “verdadeira indústria da demarcação”. A matéria sugere que os “laudos antropológicos” estariam sendo produzidos sem o menor rigor científico, quando, na verdade, deixam claro durante a matéria que, certamente, não são eles as pessoas mais indicadas para falar em “rigor”, quem dirá em “rigor científico”. Afinal, o texto é um atestado da total ignorância desses jornalistas em relação às noções mais básicas de antropologia, além de demonstrar um etnocentrismo que beira ao preconceito explícito. Talvez seja o momento de falarmos, isso sim, em “rigor jornalístico”, pois essa não é a primeira vez que os jornalistas da VEJA demonstram estarem mais próximos do terrorismo do que propriamente da “comunicação”, publicando matérias mentirosas, imprecisas e caluniosas, dando claros indícios de que o seu ofício de informar tem sido deixado de lado em nome de uma tarefa muito menos nobre: a defesa e a sustentação ideológica do agronegócio e dos grandes empresários. E o pior é que no Brasil, enquanto jornalistas possuem “carta branca” para escrever e publicar o que eles bem entendem, todo e qualquer brasileiro – até mesmo o Presidente da República – tem que ter responsabilidade pelos seus atos e afirmações. O que temos a nossa frente, a bem da verdade, é a “farra do jornalismo sensacionalista” como muito bem disse uma amiga minha. Basta alguém falar sobre a baixa qualidade do jornalismo midiático brasileiro para que o fantasma da censura seja evocado por aqueles que mais se beneficiaram do estado de exceção do regime ditatorial. Mal sabem eles que existe uma diferença muito grande entre “controle social” dos meios de comunicação (um preceito constitucional, afinal, jornalista exerce função pública) e censura (uma forma unilateral e não democrática de exercer esse mesmo controle). O que temos é uma verdadeira farra da desinformação e da irresponsabilidade profissional de jornalistas mal formados e muito bem adaptados ao “regime” dos grandes meios de comunicação: onde vender revistas é mais importante do que informar. Desta vez foram os índios, quilombolas, antropólogos e ambientalistas que foram atacados e difamados por pessoas que não possuem a menor noção da realidade brasileira, quem dirá de qualquer tipo de “rigor” profissional.
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