Os candidatos à presidência da república participaram de um debate ontem na Record. Em minha opinião, no geral, o desempenho de Marina e Dilma foi melhor do que a atuação de Serra e Plínio. O evento abre a última semana do primeiro turno das eleições 2010. Segue abaixo comentários a algumas das questões abordadas durante o debate:
Sobre a corrupção...
A questão foi feita por Marina e dirigida para Dilma, que se limitou em afirmar que no seu governo as denúncias são investigadas. A candidata do PT lembrou à antiga correligionária que durante a sua passagem pelo MMA também havia denúncias contra venda de madeira por pessoas que ocupavam cargos de diretoria. Ao fazer isso, Dilma se referia à dificuldade de prever o comportamento de um cargo de confiança. Você pode levar em conta as suas credenciais no momento da escolha, mas não pode prever como será a sua atitude diante de uma “oportunidade”. A verdade é que existem ladrões de carreira e ladrões oportunistas. Os primeiros são mais fáceis de se evitar, pois a sua atitude é mais sistemática: o seu “currículo” os denuncia. Já os últimos são imprevisíveis. Um ladrão oportunista se torna ladrão na oportunidade. Enfim, tanto o questionamento colocado em forma de denúncia, como a resposta vaga não ajudaram a esclarecer nada sobre o tema. Precisamos abordar a corrupção do ponto de vista realista e não do ponto de vista moralista. A corrupção no Brasil não é um problema localizado em pessoas, partidos ou instituições, mas um problema sistemático e generalizado. A questão está mais relacionada à “micropolítica” do que à “macropolítica”. Enquanto a sociedade e os meios de comunicação se negaram a pensar o problema a partir de uma chave diferente, nunca vamos avançar na discussão. A realidade é que a corrupção está presente em pessoas que estão no Governo por que ela também está presente na sociedade e vice-versa. O problema é mais sistêmico do que localizado.
Sobre o PAC e Obras como a Hidroelétrica Belo Monte...
A questão foi dirigida aos candidatos Serra e Marina. O candidato do PSDB demonstrou que está alinhado com Dilma nessa questão e fez uma defesa da continuidade de todas as obras do PAC. Ele afirmou que em seu governo todos os procedimentos ambientais serão levados em conta durante o processo de liberação das obras pelas agências reguladoras, mas não mencionou nada sobre os impactos sociais deste tipo de empreendimento. Serra não deixou dúvida que, se vencer as eleições, obras como a hidroelétrica Belo Monte (cuja reformulação do projeto foi feita durante o Governo FHC) não serão interrompidas. Mais do que isso, deixou claro que pretende dar continuidade ao PAC e que está comprometido com a “agenda do desenvolvimento”.
Em um primeiro momento, Marina defendeu a necessidade de desenvolvimento do Brasil, deixando claro que não é contra, mas esclareceu que é preciso desenvolver sem impactar o meio ambiente e a sociedade. Ela criticou a forma como algumas obras do PAC estão sendo conduzidas sem o devido respeito ao processo legal de licenciamento ambiental e sem a devida consulta às populações diretamente atingidas, mas buscou não direcionar a sua resposta diretamente à problemática sobre Belo Monte, o que eu considero um erro. É nesses momentos que é preciso “fazer a diferença” e deixar claro como ela se diferencia da sua ex-correligionária e também como é possível desenvolver o país de uma forma historicamente diferente. A questão não é tanto “ser a favor ou contra” o desenvolvimento, pois todos nós somos a favor, mas sim “que tipo de desenvolvimento nós queremos implementar no país”. De qualquer forma, a candidata do PV deixou claro que no seu governo haverá um respeito incondicional aos procedimentos legais de licenciamento de obras como a Belo Monte e que o processo constitucional de liberação de obras será respeitado, afinal, precisamos nos desenvolver sem impactar o meio ambiente e sem excluir a sociedade.
Apesar da sua resposta não ter mencionado a necessidade de se investir em alternativas “limpas” de geração de energia elétrica, essa questão foi abordada por Marina num segundo momento, diante do questionamento de Dilma sobre a divulgação dos últimos ganhos econômicos envolvendo a Petrobrás. Marina defendeu o investimento em fontes alternativas ao petróleo, como o biocombustível e a energia solar. No seu comentário, Dilma ressaltou a movimentação econômica do Governo Lula e voltou a defender o modelo hidroelétrico como principal solução para a questão energética, deixando claro que essa será a sua prioridade se for eleita.
Essa questão da hidroelétrica Belo Monte não foi devidamente explorada pelos candidatos. Acredito que a sua importância no debate sobre qual tipo de desenvolvimento que queremos para o Brasil é estratégica e paradigmática. O modelo hidroelétrico tem sido implantado no Brasil desde o início do século XX. Foi essa a política adotada durante os governos militares. Existem estudos que demonstram claramente que os efeitos ambientais e sociais de obras como Belo Monte representam um custo muito caro para o país e que esse modelo de geração de energia elétrica não somente produz grandes desastres ecológicos, como também produz exclusão social. Por outro lado, a demanda existente por energia (com o crescimento do setor industrial do país) é muito grande e fica difícil vencer “apagões” sem a alternativa hidroelétrica. Mas precisamos pensar melhor essas obras. Esse tempo da “reflexão” e da “análise” não pode ser atropelado pela ganância e a “urgência” dos empreiteiros. O problema dessas obras é que elas são pensadas e feitas a partir do tempo da economia e não da política. Não se dá a oportunidade para a sociedade debater a questão. É neste sentido que Belo Monte representa aqui séculos da história do desenvolvimento no Brasil. Pois não há dúvida de que o desenvolvimento foi uma preocupação constante de nossas elites políticas, o problema é que o desenvolvimento tem sido historicamente pensado sem levar em conta os interesses e as necessidades de amplos setores da nossa população, exatamente por que tem sido feito com a “urgência” dos mentecaptos. O governo que for eleito nessas eleições terá a oportunidade histórica de pensar um modelo de desenvolvimento verdadeiramente democrático e que esteja voltado para a população em geral. Não tenho dúvida que muitas obras do PAC são necessárias e geram renda, oportunidades e benefícios para amplos setores da população. Mas também existem obras – como Belo Monte – que produzem exclusão tanto do meio ambiente como da sociedade. É preciso diferenciar as coisas. Só poderemos avançar nesta questão quando abandonarmos as posições extremistas e buscarmos uma solução mais viável do ponto de vista econômico, ambiental e social.
Sobre o “Desenvolvimento Sustentável”...
Neste ponto, Marina foi muito melhor do que Dilma e Serra. Ficou claro que a candidata do PV está disposta a implantar no Brasil um modelo sustentável de desenvolvimento. Marina também deixou claro que se trata de um novo conceito de governabilidade, ou seja, que a sustentabilidade não é uma questão unicamente ambiental, mas também econômica e social. Conforme suas próprias palavras: precisamos pensar a ecologia ao lado da economia. O meio ambiente não é contra a economia e a sociedade, mas deve ser pensado em relação com as questões econômicas e sociais. Também ficou evidente que esse é o caminho em direção ao futuro e também o maior potencial do Brasil no cenário internacional. Temos a oportunidade histórica de reformular completamente o conceito de governo e de política no Brasil e no mundo.
Já os outros candidatos não abordaram essa questão e mostram com clareza a limitação das suas idéias de governo e desenvolvimento.
Sobre a atuação da Mídia...
Tenho que reconhecer que a resposta de Plínio a essa questão foi muito mais corajosa e inteligente que a resposta de Dilma. O candidato do PSOL deixou claro que deve haver algum tipo de “controle social” da mídia, além de denunciar o monopólio dos meios de comunicação por meia dúzia de famílias. Talvez tenha sido o único momento de lucidez desse senhor que, em outras situações, demonstrou claramente o atraso jurássico de suas posições políticas. Afinal, seus posicionamentos diante de questões econômicas e sociais é, via de regra, de uma ingenuidade perigosa.
Dilma, por outro lado, falou o óbvio. A candidata do PT lembrou que sofreu na própria pele o efeito de um regime de censura e exceção, deixando claro que prefere o ambiente democrático da “livre crítica” ao ambiente ditatorial.
Ora, não há dúvida de que a liberdade da livre opinião deve ser respeitada a qualquer custo. Mas a questão é que o exercício dessa liberdade não está igualmente distribuído pelo conjunto da sociedade. Existe um monopólio do exercício da crítica no Brasil e é isso que deve ser pensado. A primeira questão é se somos a favor da censura ou da liberdade de livre opinião. Acho que não resta nenhuma dúvida que a liberdade de opinião combina mais com a democracia. A segunda questão é se o direito de exercício da livre expressão está igualmente distribuído pela sociedade. É nesse momento que precisamos pensar a questão dos monopólios dos meios de comunicação e do efeito disso no exercício da “livre opinião” dos demais cidadãos. Será possível que a sociedade possa exercer a livre opinião em um contexto onde a opinião dos meios de comunicação possui um poder de propagação gigantesco? Portanto, não é a opinião que deve ser questionada, mas, sim, a “economia da opinião”, ou seja, como o direito de expressão está distribuído pela sociedade. A segunda questão é se o direito da livre expressão dos meios de comunicação deve ser fiscalizado pela sociedade. Afinal, diante de uma situação de monopólio, precisamos pensar em como avaliar ou controlar esse poder de formação de opinião que está nas mãos dessas seis famílias mencionadas por Plínio. Conforme a Constituição Federal de 1988, os meios de comunicação no Brasil são um bem da sociedade. Da mesma forma como a sociedade e os cidadãos comuns devem responder por suas afirmações (apesar de todos termos o direito de expressar nossa opinião, não podemos sair por ai afirmado mentiras ou calúnias sobre as pessoas), é óbvio que os meios de comunicação também precisam de alguma forma de regulamentação para que excessos não sejam cometidos. Enquanto a tentativa de discussão de alguma forma de “regulamentação social” da mídia seja abordada pelos meios de comunicação como “censura”, não teremos como avançar na discussão. Existe uma diferença muito grande entre “censura” (controle autoritário e centralizado na mão do Estado) e “regulamentação social” (controle exercido de forma democrática e descentralizada). Enquanto o governo não enfrentar essa questão com coragem e seriedade não vamos avançar. O problema é que até agora nenhum governante teve coragem de enfrentar o pode político e econômico da Rede Globo e de outros meios de comunicação que possuem o controle hegemônico do setor. Todas as vezes que alguma forma de “regulamentação” foi sugerida, um exército de jornalistas saiu correndo denunciado o que eles entendem por “censura”. Diante de um quadro onde só as posições extremistas são levadas em conta é impossível avançar na discussão. A verdade é que a questão não foi devidamente abordada.
O quadro geral do debate...
Acho que, no geral, Marina foi quem teve um desempenho melhor no debate. Dilma ficou em segundo lugar. Entre Serra e Plínio, não sei qual é o mais atrasado e despreparado para governar o Brasil. O fato é que agora entramos na reta final do primeiro turno. Eu só espero que o eleitor entenda a importância de levarmos Marina Silva para o segundo turno, pois essa é a única forma de avançarmos no debate sobre qual “desenvolvimento” queremos para o país. Não tenho dúvida que o Governo Lula foi o melhor governo da história deste país! Avançamos muitos nos últimos oito anos e houve uma melhora em praticamente todos os setores. Mas agora é o momento de avançarmos ainda mais. A verdade é que tanto Dilma como Marina são sucessoras legitimas de Lula. Inclusive, sobre essa questão é preciso reconhecer que se formos avaliar pela trajetória de vida do presidente, Marina é uma sucessora mais legitima do que Dilma.
Acredito seriamente que seria um ganho para a democracia brasileira levarmos Marina para debater com Dilma no segundo turno. Assim Marina teria o tempo necessário para expressar com mais qualidade as suas idéias, tempo que não teve durante o primeiro turno. Dilma, por sua vez, teria a oportunidade de abordar com clareza questões mais polêmicas que mal foram abordadas durante esta primeira etapa das eleições.
Eu sou completamente favorável as mulheres neste segundo turno!
Levar a candidata do PV para disputar o segundo turno com Dilma não é praticamente impossível. Basta que cada eleitor de Marina consiga convencer mais duas pessoas e já teríamos votos suficientes para avançar em direção a um debate mais produtivo.
De qualquer forma, independente do resultado, espero que vença o espírito democrático na reta final deste primero turno das eleições 2010!
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