A partir da próxima segunda-feira, 27, o Cine-UFG exibirá filmes de Portugal, da Espanha, França e Itália, na Mostra de Cinema Europeu Contemporâneo, que vai até 8 de outubro e tem como objetivo proporcionar ao público goianiense um contato com a produção europeia recente. (ver lista de filmes no final)
Os filmes da mostra, em sua maioria, foram pouco divulgados no Brasil e alguns nem foram lançados aqui. A programação é compacta, mas tem a presença tanto de grandes mestres como Alain Resnais e Carlos Saura, quanto da iniciante Margarida Cardoso (Costa dos murmúrios é o seu primeiro filme de ficção). Haverá sessões às 12h e às 17h30, de segunda a sexta-feira.
O desafio de Jean de la Fontaine é um docudrama de Daniel Vigne, um diretor veterano, porém pouco conhecido no Brasil. O filme conta a história do famoso escritor francês, conhecido por fábulas como “A Formiga e a Cigarra”, e constrói um retrato do personagem a partir de sua luta contra Luis XIV (Jocelyn Quivrin). Quando seu amigo Fouquet (Nicky Naude) é preso, Jean (Lorànt Deutsch) é o único a resistir à injustiça, usando como arma as palavras. O ponto central do filme, além de biografar o célebre escritor, é o embate entre a arte e a política, em nome da liberdade de expressão.
Baseado no livro homônimo de Roberto Saviano, Gomorra, dirigido por Matteo Garrone, é um painel brutal e perturbador da máfia napolitana, uma das mais sangrentas e lucrativas da Itália atual. Nesse cenário violento, são narradas cinco histórias de personagens de um mundo que parece ser imaginário, porém profundamente afogado na realidade. Gomorra faz-se mais impactante ao evitar o clássico foco nos poderosos que se encontram no topo da hierarquia da Camorra (facção do crime organizado retratada no filme). O espectador é forçado a acompanhar os “peixes pequenos” – os que arriscam a vida nas ruas diariamente por alguns trocados enquanto seus chefes, em sua mansões, enriquecem.
A produção franco-belga O primeiro a chegar é uma rara oportunidade para conferir a vigorosa proposta autoral do realizador francês Jacques Doillon. O parentesco da construção dramática desse filme com o teatro é notório. O tempo do filme está dividido em quatro “atos”, devidamente separados por uma tela preta, que correspondem às ações dos personagens praticadas em quatro dias.
Pontuada por um único tema musical, o Prelúdio n. 9, de Claude Debussy, a trama se inicia no meio de uma ação em que se vê uma briga entre os dois protagonistas, a enigmática jovem Camille, interpretada por Clémentine Beaugrand, e o desajustado Costa, vivido por Gérald Thomassin. O título, que lembra as lúdicas correrias da infância, remete ao atrito entre os personagens (quem vai ganhar, chegar primeiro?). Conduzida com maestria, a obra de Doillon é capaz de suscitar profundos questionamentos, embora não tenha outra pretensão além de descrever os embates do casal.
No drama Medos privados em lugares públicos, do veterano diretor francês Alain Resnais, seis personagens cujas histórias se cruzam direta ou indiretamente buscam contato humano, calor, em contraste com a neve surrealista que desce impiedosa e metaforicamente lá fora. O cenário é a contemporânea Paris, uma Cidade que de Luz tem muito pouco, já que todo o invernal filme se passa no confinamento de um escritório de vidro, um bar techno-kitsch e alguns poucos apartamentos.
A estrutura do filme, adaptado da peça de Alan Ayckbourn, é toda dividida em pequenas interações entre dois personagens, sempre carregadas de sentimento e com atuações inspiradas. A melancolia é onipresente e a resolução não é o objetivo do diretor, interessado aqui apenas no desenvolvimento desses pequenos dramas.
O documentário musical Fados, do cineasta espanhol Carlos Saura, é uma viagem musical, com um elenco pluricultural que tem muito das suas raízes embebidas no fado. Em uma jornada pelas múltiplas influências musicais que determinaram o destino desse gênero tão português de expressão, o filme dá novos tons à canção de Lisboa. É um filme-concerto: funciona como um conjunto de números musicais, expostos em quadros autônomos, em que cada um tem um conteúdo com princípio, meio e fim, e que podem ser lidos isoladamente ou em conjunto.
A costa dos murmúrios, realizado por Margarida Cardoso, é uma adaptação do romance homônimo de Lídia Jorge. A obra mais célebre da escritora portuguesa aborda um momento ainda doloroso da história de Portugal. No final da década de 1960, Evita (Beatriz Batarda) chega a Moçambique para casar-se com Luís (Filipe Duarte II), um estudante de matemática que ali cumpre o serviço militar. Evita percebe que Luís já não é o mesmo e que, perturbado pela guerra, se transformou num triste imitador do seu capitão, Forza Leal (Adriano Luz). Quando os homens partem para uma grande operação militar no norte, Evita fica sozinha e, no desespero de tentar compreender o que modificou Luís, procura a companhia de Helena (Monica Calle), a mulher de Forza Leal. Submissa e humilhada, Helena é prisioneira em sua casa, onde cumpre uma promessa. É ela quem revela a Evita o lado negro de Luís. Perdida num mundo que não é o seu, Evita convive com a violência e as feridas abertas de um tempo colonial agonizante.
Filmes da mostra:
. Medos privados em lugares públicos (Alain Resnais)
· Fados (Carlos Saura)
· Gomorra (Mateo Garrone)
· O desafio de Jean de la Fontaine (Daniel Vigne)
· O primeiro a chegar (o que você quer da vida?)
· A costa dos murmúrios (Margarida Cardoso)
*Texto de autoria de Carolina Soares - membro do projeto de extensão “Cine-UFG, debates”.
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