Através desta convenção, a OIT reconhece os povos indígenas e tribais como sujeitos de direito, passando a defender os direitos territoriais, políticos, econômicos e sociais desses povos.
Esse documento tem origem na revisão da Convenção 107, adotada pela OIT durante a década de 1950. Essa convenção postulava a necessidade de que os Estados implementassem políticas de caráter integracionista, com o objetivo de inserir os índios na sociedade, de preferência através de políticas públicas na área de educação e trabalho. A ideia era que a única forma de proteger essas populações era oferecendo os meios para que as mesmas fossem integradas nas sociedades nacionais, mesmo que isso resultasse na perda da sua cultura e no abandono do seu modo de vida. O ideal da época consistia em transformar os índios em trabalhadores, de preferência urbanos, modernos e completamente integrados na vida nacional. Essa legislação estava apoiada em uma ideologia tutelar que orientou, em grande parte, as políticas indigenistas brasileiras até o final da década de 1980.
O caráter integracionista da convenção 107 foi combatido pelos povos indígenas e tribais do mundo inteiro, que lutaram pelo reconhecimento dos seus direitos políticos na ONU. Essas mobilizações tiveram impacto no âmbito da OIT, que concordou com a necessidade de revisar o seu posicionamento, o que veio a ocorrer com a adoção da Convenção 169 na 76º Conferência Internacional do Trabalho. Nesse documento, a OIT reconhece o direito dos povos indígenas em manter sua cultura, defendendo a necessidade que os Estados garantam os meios para que isso ocorra de fato. Segue abaixo uma síntese dos principais princípios e diretrizes adotados nesse documento internacional.
O uso da noção de "povos" para caracterizar as sociedades indígenas e tribais
A C169 foi o primeiro documento internacional a adotar o termo "povos" para se referir às sociedades indígenas e tribais como sujeitos de direito, conforme podemos ver no artigo primeiro. Essa noção é usada para caracterizar coletivos com identidade e organização política e social própria, assim como uma cosmologia e uma forma específica de se relacionar com o território. Essa convenção reconhece também o direito dos índios à posse coletiva dos seus territórios tradicionais, orientando os Estados membros a adotarem medidas para garantir esse direito na prática, conforme podemos ver no artigo 2º:
"Promover a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando sua identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas instituições" (p. 19).
A adoção do critério da auto-identificação no reconhecimento dos índios como sujeitos de direito
A C169 determinou a auto-identidade como único critério legítimo para o reconhecimento dos povos indígenas e tribais como sujeitos de direito pelos Estados membros, conforme podemos ler no artigo primeiro:
"A auto-identificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção" (p. 18).
O reconhecimento do direito ao Consentimento Informado
Outra diretriz adota nesse documento consiste em defender a garantia de participação dos povos indígenas e tribais no processo de desenvolvimento, determinando que os Estados consultem essas populações antes de decidir sobre medidas executivas e legislativas que os afetem direta ou indiretamente. Essa questão é abordada logo no artigo 6, que determina o dever dos Estados em "consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, por meios de suas instituições representativas, sempre que se tenham em vista medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los diretamente".
Ainda sobre o processo de consulta, a C169 determina:
"As consultas realizadas em conformidade com o previsto na presente Convenção deverão ser conduzidas de boa-fé e de uma maneira adequada às circunstâncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno das medidas propostas possa ser alcançado" (p. 22-3).
No que se refere expressamente às políticas públicas desenvolvimentistas (como o PAC), a C169 determina no artigo 7º:
"Os povos interessados terão o direito de definir suas próprias prioridades no processo de desenvolvimento na medida em que afete sua vida, crenças, instituições, bem-estar espiritual e as terras que ocupam ou usam para outros fins, e de controlar, na maior medida possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, eles participarão da formulação, implementação e avaliação de planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que possam afetá-los diretamente" (p. 23).
Sobre a análise e estudo dos impactos provocados por obras de desenvolvimento e infra-estrutura, a C169 determina no artigo 7º:
"Sempre que necessário, os governos garantirão a realização de estudos, em colaboração com os povos interessados, para avaliar o impacto social, espiritual, cultural e ambiental das atividades de desenvolvimento planejadas sobre eles. Os resultados desses estudos deverão ser considerados critérios fundamentais para a implementação dessas atividades" (p. 24).
A adoção da força para garantir ações políticas que estejam em desacordos com as diretrizes da convenção 169 é expressamente proibida no artigo 3º (p. 20).
O documento também explicita que as "medidas especiais" adotadas para salvaguardar os direitos dos povos indígenas e tribais não devem contrariar a sua livre vontade, sendo necessário garantir a sua participação na elaboração dessas medidas através dos procedimentos adequados de consulta prévia.
Sobre o tratamento, por parte dos Estados Nações, das demandas dos povos indígenas e tribais, a C169 determina no seu artigo 5º:
"Os valores e práticas culturais e sociais desses povos deverão ser reconhecidos e a natureza dos problemas que enfrentam, como grupo ou como indivíduo, deverá ser devidamente tomada em consideração" (p. 21).
Sobre a relação com a terra, a C169 determina no seu artigo 13º:
"(...) os governos respeitarão a importância especial para as culturas e valores espirituais dos povos interessados, sua relação com as terras ou territórios, ou ambos, conforme o caso, que ocupam ou usam para outros fins e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação" (p. 28).
A C169 também instruiu os Estados membros a implementar as medidas necessárias para promover o reconhecimento dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas e tradicionais, garantindo a essas populações os meios necessários a sua subsistência.
O documento também determinada que os povos sujeito da C169 não poderão ser retirados dos territórios que ocupam tradicionalmente, sendo que tal procedimento só poderá ser realizado (como medida excepcional) com o livre consentimento desses povos.
Existem outras questões abordadas na Convenção, que pode ser acessada na íntegra no link abaixo: