Homens e mulheres de todas as idades, profissionais liberais e trabalhadores desempregados - vítimas do investimento do alto capital de risco e da especulação imobiliária que deu origem à crise econômica norte-americana - acamparam no centro econômico mundial para protestar contra as injustiças de um sistema econômico e político que tem gerado desemprego e sofrimento para a maior parte da população. O movimento centralizou suas forças em um lugar localizado a poucos metros do "Marco Zero", onde barracas e barricadas foram levantadas e comitês foram formados, tudo de forma autônoma. Eles são provenientes de diferentes regiões do país, pessoas comuns que perderam tudo devido à irresponsabilidade de uma dezena de empresários e especuladores financeiros: professores universitários e estudantes das mais diferentes áreas do conhecimento, trabalhadores, músicos, ativistas, políticos e artistas. Nas praças e ruas de Nova Iorque encontramos gente 'comum', cidadãos de uma sociedade em crise, pessoas que não suportam mais viver em um mundo que não oferece qualquer perspectiva positiva. O grito de 'ocupação de Wall Street" é o efeito político de um contexto de inversão de valores éticos, onde as pessoas já começam a perceber que a 'crise' econômica é, de fato, o reflexo de uma crise moral de caráter estrutural (e estruturante). No mundo das grandes corporações e multinacionais do setor financeiro, os valores humanos e sociais são submetidos aos efeitos da ganância de uma uma elite de magnatas que "jogam" diariamente com as vidas de milhões de pessoas.
O movimento teve origem nas redes sociais, a partir de uma convocatória para um protesto contra Wall Street, denominado de "Occupy Wall Street". Mobilizados por interesses comuns, coletivos civis foram estabelecidos da noite para o dia, transformando-se rapidamente em células autônomas de grande mobilidade política. Sem um centro de dispersão ou hierarquia de mando instituída, as pessoas simplesmente começaram a ocupar praças e ruas, trazendo consigo cartazes e bandeiras, preparados para ficar "o tempo necessário". Em poucos dias a notícia se espalhou e o protesto recebeu o apoio de intelectuais famosos, artistas e outras personalidades públicas, que se manifestaram na internet a favor do movimento. O que era para ser uma pequena e passageira manifestação se transformou rapidamente em uma mobilização política de grandes proporções, que encontrou adeptos em outras metrópoles, como Tóquio, Londres e Paris. As pessoas ocuparam as ruas com seus cartazes, denunciando o desmando e a irresponsabilidade das elites financeiras mundiais e dos governantes.
Em pouco tempo, uma ação política localizada deu origem a múltiplos focos descentralizados de manifestação no mundo inteiro, formando nódulos em redes de protesto de extensão global. Seguindo a mesma lógica de organização das mobilizações políticas que varreram o oriente médio a poucos meses atrás, a internet forneceu o suporte de comunicação que permitiu a rápida dispersão das informações em diferentes regiões dos Estados Unidos e do mundo. Sem necessidade de organização planejada e estrutura hierárquica, as células se multiplicam com rapidez impressionante. Os rizomas brotaram e se multiplicaram a partir de uma crise generalizada que atingiu hastes duras e tradicionais, como a família e o emprego.
E não se trata de uma mobilização partidária, apesar de todos possuírem seus respectivos partidos e opções políticas, muitas vezes divergentes. Mas apesar das diferenças entre os manifestantes, todos concordam que a crise econômica mundial é o resultado da ganância e da irresponsabilidade de uma elite econômica que tem gerado grandes prejuízos às pessoas "comuns", que sustentam o capitalismo no dia a dia enquanto consumidores de produtos e bens de consumo.
Nos Estados Unidos, conforme ouvi de amigos que vivem lá, existe um sentimento compartilhado por todos de que "as coisas não estão indo bem", principalmente, devido a uma crise ética que domina a política e a economia desse país. As altas taxas de desemprego atingiram um nível insuportável. A crise abalou um dos pilares fundamentais do sistema capitalista: o círculo existente entre trabalho, liberdade e consumo. Diante de um contexto político tenso, marcado pela aproximação das próximas eleições presidenciais, as pessoas começam a perceber que as lideranças partidárias estão mais preocupadas em garantir seus domínios eleitorais do que em buscar soluções para superar a crise econômica. As expectativas projetadas sobre Obama não surtiram os resultados esperados e o sentimento geral é de que alguma coisa se perdeu no caminho. Por outro lado, os republicanos buscam, mais uma vez, impor sobre a sociedade um "clima de terror", baseado na desinformação. Ao analisarmos a história econômica e política mais recente dos Estados Unidos, é fácil perceber que a crise financeira e o desemprego são heranças de um regime 'terrorista' representado na figura de G. Bush, cuja base de sustentação sempre foi a elite financeira nacional (e internacional). A situação econômica norte-americana deve ser analisada sob a perspectiva histórica e não-imediatista, sem sensacionalismo e revanchismos partidários.
Diante de um contexto tão negativo, onde o prisma político não oferece alternativas promissoras de mudança, a solução que o povo encontrou foi sair as ruas para protestar contra uma situação que parece 'fora de controle'. O improviso e a descentralização do processo decisório foram fundamentais para a rápida dispersão das mobilizações em diferentes regiões. Essa multiplicação das manifestações políticas acabou por romper com o 'velamento' midiático que estava sendo imposto sobre os primeiros protestos.
Em uma cena que circulou as redes sociais do mundo inteiro, uma menina de dez anos segura um cartaz onde é possível ler: "devolva ao povo o poder de mudar o mundo!". Apesar de muitas pessoas criticarem o movimento "Occupy Wall Street" pela falta de clareza no que se refere às demandas e propósitos da manifestação (uma de suas principais potencialidades), não resta dúvida que o cidadão comum está insatisfeito com os rumos que a política e a economia norte-americana tomou nas últimas décadas e julga que uma das principais razões que deram origem a essa deplorável situação foi a total irresponsabilidade da elite financeira, preocupada unicamente em garantir suas altas taxas de lucro, mesmo que para isso seja necessário levar o restante da nação à falência.
O ato de ir as ruas protestar reflete o sentimento geral de indignação diante da atitude dos governantes, que privilegiam às brigas partidárias em detrimento da busca por soluções concretas. Enquanto os republicanos acusam os democratas de não conseguir superar a crise econômica nacional (apesar de não terem colaborado nem um pouco para tal propósito), os democratas buscam relembrar a população que a "crise" foi uma herança maldita da política republicana, que sempre privilegiou o "Grande Capital" em detrimento da 'economia popular'. Diante da guerra de acusações republicanas e democratas, o povo vai as ruas sem ver qualquer perspectiva positiva de superação da atual crise através do meio eleitoral.
Diante deste contexto, é saudável imaginar que estamos diante dos primeiros focos de emergência de um novo estilo de fazer política, identificado com os princípios de uma 'democracia direta' e com valores como autonomia, descentralização e liberdade de expressão civil e a-partidária.
"O Povo Vs. Wall Street" é um clássico dos tempos atuais e parece refletir essa tendência global.
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