quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Sobre o Caráter Sistêmico da Corrupção e a origem sensacionalista do "Anti-Petismo"

Uma parte dos eleitores que está apoiando a candidatura do candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, justifica a sua escolha por se dizer contra a corrupção que teria atingido, na última década, diversos níveis governamentais e partidos políticos. Trata-se, fundamentalmente, de um justo sentimento de indignação com o mau uso do dinheiro público, mas baseado em uma compreensão equivocada e sensacionalista do fenômeno em questão.



Essa compreensão equivocada da corrupção em nossa sociedade resulta de uma abordagem sensacionalista e parcial do problema por parte da grande mídia. Nos últimos anos, tal sentimento de indignação foi canalizado inteiramente para o PT e suas principais lideranças partidárias por uma extensa rede de comunicação filiada aos grupos que detêm o monopólio dos principais canais de TV no Brasil: Rede Globo, Record, SBT e Band. Por meio de um jornalismo parcial e comprometido politicamente com os interesses dos setores mais conservadores da nossa sociedade, criou-se a falsa ideia de que o PT, Lula, Dilma e Cia seriam os principais responsáveis pelas inúmeras denuncias de corrupção publicizadas na grande mídia. Criou-se a ideia de que a corrupção foi criada pelos governos "petistas" ou pelo menos ampliada a padrões monumentais. O que vimos nos últimos anos foi um movimento evidente de uso político das denuncias de corrupção para denegrir a imagem do partido político no poder executivo, tendo como finalidade tomar o poder a qualquer custo: até por que as investigações estavam indo "longe demais", a ponto de colocar em risco os interesses dos representantes das classes dominantes.   

Trata-se, obviamente, de uma interpretação equivocada da corrupção, visando agenciar o sentimento de indignação da população brasileira para combater o que sempre foi percebido por esses setores mais conservadores da nossa sociedade como uma ameaça aos seus privilégios enquanto representantes da aristocracia brasileira. O fato é que o tal "sentimento anti-PT" sempre existiu em nossa sociedade, mas sempre se manteve no patamar dos 25%-30%, tendo como principais porta-vozes os tradicionais representantes da "Casa Grande", incluindo as famílias que têm o monopólio dos meios de comunicação no Brasil.


Ao invés de informar a população sobre as razões sociais e culturais que estão na origem da corrupção, assim como a sua magnitude e amplitude sistêmica, os comentadores do péssimo jornalismo sensacionalista se aproveitaram do momento de fragilidade da esquerda brasileira, para tratar de tirar o melhor benefício da conjuntura histórica. A "crise econômica" mundial teve um impacto tardio - sendo que esse efeito foi consideravelmente ampliado pela conspiração política dos opositores pós-eleição de 2014. Insatisfeito com a derrota nas urnas, teve início um processo político que só agravou ainda mais o que já parecia ruim. Seguiu-se o desemprego...

E o Governo Dilma não conseguiu - devido às alianças que estavam na origem da sua reeleição - responder com eficácia e rapidez de forma a amenizar a insatisfação de amplos setores da população. Foi desta forma que o discurso midiático anti-PT teve eco nos setores mais pobres da população brasileira. Dilma foi canibalizada pelo sistema que a elegeu, tendo em vista que a iniciativa do impedimento partiu de sua base aliada. Ao longo do período em que o PT esteve no poder, na mesma medida em que se aproximava - para conseguir governar - dos setores tradicionalmente conservadores da sociedade brasileira; por ouro lado, afastava-se das pautas trabalhistas e de esquerda que estavam na origem da formação histórica do partido.   

Esse movimento alimentou-se também de excessos políticos e jurídicos: o impedimento da Presidenta Dilma por meras "peladas fiscais" que, até então, não eram consideradas ilegais; e a condenação do Ex-Presidente Lula, ato jurídico questionado pela total ausência de provas legais por parte significativa da classe jurídica nacional e internacional. Se a condenação de outros políticos e dirigentes do PT foi, em grande medida, baseada em provas mais concretas; este não foi certamente o caso de Dilma e Lula, cujas condenações são até hoje fruto de inúmeras controvérsias jurídicas e políticas. Para piorar ainda mais a "neutralidade" das investigações, vieram logo após as denúncias contra Temer e seus principais assessores, que não receberam a mesma atenção "negativa" da mídia e foram arquivadas ou suspensas pela prerrogativa do fôro privilegiado da classe política.

Nos últimos anos - quando avaliamos as ações do MPF, do STF e da PF - percebemos não somente que houveram excessos, mas que a Justiça não foi imparcial na aplicação e interpretação da Constituição e das leis em geral. Ainda assim, não podemos negar ou retirar o reconhecido mérito das operações de combate à corrupção, pois, pela primeira vez na História do Brasil, empresários e políticos foram investigados, condenados e presos. Não se trata, portanto, se ser à favor ou contra a "Lava Jato" e outras operações, mas apenas de controlar os excessos e usos extra-jurídicos da máquina.

  

Mas, vamos aos fatos estatísticos sobre a corrupção na política. Como podemos ver aqui, o PT não é, de fato, o partido mais corrupto do Brasil, pois teve apenas 2,9% dos seus políticos condenados e cassados:

   
Os partidos com maior número de políticos condenados e cassados é, exatamente, o DEM, o PMDB, o PSDB e - pasmem! - o PP e o PTB, partidos aos quais o deputado Bolosonaro foi filiado por mais de dez anos. É realmente extraordinário o fato do candidato do PSD ter convivido tanto tempo com correligionários cassados por corrupção e nunca tenha descoberto nada ou feito qualquer denuncia.

O resultado desse processo de "pedagogia midiática" - visando canalizar todo o sentimento anti-corrupção no PT - passou a ser conhecido popularmente como "Anti-Petismo" e representa, nessas eleições presidenciais, a principal razão para o alto índice de rejeição do candidato à presidência da república pelo PT, o Prof. Haddad, assim como de outras lideranças políticas. Essa transformação do sentimento anti-corrupção em sentimento anti-PT está baseada em uma série de ilusões sobre o próprio fenômeno "corrupção", como veremos aqui. A maneira sensacionista que o problema foi abordado, comentado e interpretado, pela grande mídia, incentivou o sentimento de intolerância da população em relação ao PT e à esquerda brasileira, gerando discursos e atitudes de ódio e violência profetizadas na figura do "messias" Bolsonaro e sua família.

Mas, retornemos ao problema inicial. Primeiramente, para entendermos a verdadeira natureza do fenômeno da corrupção em nossa sociedade, será necessário inserir na análise as perspectivas histórica e sociológica.

Uma breve História da Corrupção no Brasil

Podemos afirmar que a corrupção no Brasil teve início ainda no processo de colonização e continuou presente na vida nacional ao longo de toda a nossa história. Não se trata, portanto, de uma "novidade" ou de práticas que teriam, supostamente, sido inauguradas nos governos do PT, mas um fenômeno de longa duração baseado em razões socioculturais que nos remetem diretamente ao processo de constituição do Estado no Brasil. Teve início ainda com a distribuição das sesmarias, quando a tarefa de colonização foi, por assim dizer, "terceirizada" ao ser repassada para famílias portuguesas que se instalaram aqui. Essas famílias de "sesmeiros" representavam o Estado Português Colonial e combateram violentamente os nativos, apropriando-se de suas riquezas e mulheres, escravizando a sua força de trabalho. A corrupção primordial, no Brasil, foi a corrupção colonial. Corrupção essa feita com o apoio da elite colonial, que depois se transformou em elite nacional.



Desde então, sempre houve, na cultura política brasileira, uma apropriação privada e familista das instituições governamentais. Basta dar uma olhada nos livros de história para ver como a "corrupção" surge, inicialmente, como um ato de rebeldia política das elites locais em relação ao que era então percebido como uma apropriação indevida da riqueza produzida na colônia portuguesa. O próprio movimento de independência política pode ser entendido, em grande medida, como um movimento que buscava tornar as elites aristocráticas locais - cujo poder sempre foi baseado, em última instância, no controle do território e suas riquezas - "independentes" em relação ao Estado Português, permitindo que as riquezas construídas com a exploração do trabalho escravo - seja ele negro ou indígena - pudesse ser inteiramente apropriado pelas elites locais.

Com isso, uma genealogia da corrupção no Brasil nos leva a uma análise histórica do processo de enriquecimento das aristocracias locais, cuja riqueza tem origem na exploração indevida do trabalho escravo e na apropriação injusta (mas "legal") da terra e suas riquezas. Essas elites alimentaram-se historicamente do uso indevido do poder publico, seja no sentido do enriquecimento pessoal e familiar, como também no sentido de combater tudo e todos que estivessem no seu caminho: foram assim que as principais fortunas familiares foram construídas no Brasil, ou seja, a partir da apropriação indevida - e, portanto, "corrupta" - do trabalho e da terra, sempre visando o benefício de uma pequena parcela da população.

A desigualdade de classe no Brasil está diretamente associada a apropriação do Estado pelas elites locais e a transformação de suas estruturas em um instrumento de enriquecimento pessoal e familiar. A corrupção primordial é a corrupção associada ao próprio processo de produção e reprodução de riquezas, baseado, em última instância, na exploração do trabalho: inicialmente dos índios, depois dos negros; e depois do trabalhador pobre.

No Brasil, o que é "público" sempre foi tratado pelas elites como um "bem privado e familiar", sendo esta, sem dúvida nenhuma, a mais grave de todas as corrupções. Nunca houve, portanto, um sentimento de empatia das elites pelo "povo brasileiro" ou até mesmo pela "Nação Brasileira", muito menos pelo "bem público"; a história do Brasil é também a história da apropriação indevida da terra, das riquezas e do trabalho para benefício de uma elite. A política partidária tem sido, historicamente, um instrumento de apropriação das estruturas estatais para benefício de uma pequena elite letrada, que faz uso da máquina pública para seu benefício próprio, buscando ampliar suas riquezas a partir da expropriação da força de trabalho dos setores mais pobres da população. A sociedade brasileira, desde sua mais remota origem, sempre foi perpassada por uma desigualdade estrutural que perverte o seu sistema político em suas engrenagens estruturais. Não se trata, portanto, de um fato datado na história brasileira, mas de princípio estrutural e estruturante do próprio Estado Brasileiro, que, em sua origem, foi um Estado Colonial. 

O discurso nacionalista propagado por esses setores da sociedade é baseado em uma ideia de nacionalidade extremamente excludente e eurocêntrica, uma imagem que pouco reflete a ampla diversidades de culturas que compõem a sociedade civil brasileira: nela não há lugar para os índios, os negros e os pobres, muito menos para as minorias de gênero e políticas. Trata-se também de uma imagem superficial da história de formação do Brasil e da sociedade brasileira, movida pelo sentimento de negação das desigualdades estruturais e estruturantes que perpassam a nossa sociedade: uma visão branca e elitista do que deve ser o "Brasil dos brasileiros".   

Ao longo da histórica republicana do Brasil, essas elites aristocráticas sempre manipularam a opinião pública no sentido de manter um total monopólio das instituições estatais, impedindo, desta forma, que a corrupção endêmica e sistêmica promovida pelos seus representantes políticos fosse denunciada ou até mesmo combatida pelo poder público.

O grande problema da corrupção no Brasil é que - devido a apropriação aristocrática das instituições governamentais, incluindo as agências de investigação e o poder jurídico - nunca houve um real controle sobre essas práticas e os corruptos sempre gozaram de liberdade para agir. As instituições de investigação sempre foram controladas e manipuladas com mão firme, em todos os governos de nossa história republicana. Ora, quando as investigações são "censuradas" pelos próprios agentes públicos, a corrupção ocorre de forma oculta, nos interstícios dos mecanismos de exercício do poder de Estado. 

Um exemplo claro disso foram os 21 anos de Regime Militar, um dos períodos mais corruptos da nossa história recente. Ao longo dos governos ditatoriais, os meios de comunicação sofriam dura censura e as forças de investigação não tinham nenhuma autonomia para investigar, muito menos o setor jurídico e parlamentar para condenar e prender corruptos. E não foram apenas os militares que se beneficiaram da corrupção, mas amplos setores da sociedade civil, as elites agrárias, os empresários e amplas parcelas da sociedade civil tiraram vantagem de um "milagre econômico" calcado em um amplo endividamento externo do Brasil. As grandes obras de infraestrutura construídas a partir do slogan desenvolvimentista e de integração nacional (leia-se, "segurança nacional"), foram um paraíso para práticas de corrupção envolvendo agentes públicos e privados. Quando os militares deixaram o governo, a dívida externa tinha se multiplicado e a inflação atingiu 235% ao ano. Em governos ditatoriais, as instituições de denuncia e investigação são mantidas sob estrito controle e censura, o que possibilita que a corrupção avance sem qualquer controle.

A Constituição Federal de 1988 e o combate à corrupção

Foi somente com a abertura política e a redemocratização do Brasil que essa história começou, lentamente, a mudar. Primeiramente, devido ao fim da censura dos meios de comunicação, o que permitiu que as ilegalidades fossem minimamente publicizadas. Mas, fundamentalmente, devido à criação de instituições autônomas de investigação e condenação, como é o caso do Ministério Público e da Polícia Federal. A CF de 1988 é, de fato, o primeiro instrumento jurídico que criou instrumentos concretos para combater um princípio estrutural e estruturante do sistema político brasileiro: a corrupção.

Essas instituições sofreram um processo natural de consolidação ao longo do curto período de vida democrática. Mas foi somente nos governos do PT que elas conquistaram autonomia política de fato, por meio da nomeação de chefaturas indicadas pelos próprios membros dessas agências; assim como pelo investimento maciço na "modernização" dos seus instrumentos de investigação. Nunca, em nenhum outro governo na história do Brasil, o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram tanta liberdade e autonomia para conduzir suas investigações sem a interferência do poder executivo ou parlamentar. Entre 2003 e 2011 - período em que Lula esteve na Presidência da República - foram mais de 1.060 operações de combate à corrupção conduzidas pela PF. Só para ter uma ideia, ao longo dos 8 anos em que FHC esteve no governo, foram apenas 48!

Ora, com isso, antes de advogarmos que houve um aumento considerável da corrupção nos governos do PT, precisamos levar em conta o efeito da consolidação das agências de investigação e condenação - assim como a maior liberdade dos meios de comunicação em divulgar as denuncias - nas estatísticas sobre denuncias e condenações, assim como na "percepção" da corrupção pela população em geral. Quando se tem maior autonomia para investigar é normal que o número de denuncias e condenações aumente consideravelmente aos olhos da sociedade, ainda mais quando essas notícias são reproduzidas e comentadas em uma ampla rede de formadores de opinião pública. Não somente o número de operações foi maior, como também a magnitude da disseminação dos fatos associados à corrupção nos meios de comunicação e, de forma mais capilar, nas redes sociais, ampliou-se consideravelmente. Como diz o velho ditado popular, 'quem conta, aumenta um conto'. A forma como os fatos foram relatados e interpretados teve uma implicação na forma como o fenômeno da corrupção foi percebido pela população em geral. 

Esse fato bastante lógico e elementar nunca foi objeto de análise ou comentário por parte dos principais canais de comunicação, que passaram a alardar um simples crescimento da corrupção e creditar o fato na conta do PT.
           
Podemos afirmar, portanto, que a sensação de que a corrupção "aumentou" foi provocada, primeiramente, pela maior autonomia das agências de investigação e pela liberdade da grande mídia em divulgar e comentar os "fatos" apontados nas denúncias das agências de investigação. O próprio PT foi vítima, por assim dizer, da sua postura de defesa das instituições democrática: tanto que suas lideranças foram, uma após a outra, denunciadas, investigadas e, quando se provou os fatos alegados, condenadas e presas. Trata-se de um fato inédito na história do Brasil. 

Ora, como já disse Miriam Leitão, uma coisa é preciso reconhecer. Durante todo o período em que permaneceu no poder, o PT "sempre jogou dentro das regras da democracia". Tanto que - mesmo estando no poder executivo nacional - não conseguiu impedir que suas principais lideranças fossem alvo das agencias de investigação que ajudou a consolidar e fortalecer. Diferente de governos anteriores (e também posteriores, como "Temer"), as lideranças do PT não tentaram controlar as agências de investigação como a Polícia Federal e o Ministério Público, mesmo quando estiveram sob alvo das mesmas.

Por isso é um total absurdo lógico as pessoas dizerem que o PT é "comunista" ou que irá transformar o Brasil em uma "Cuba ou Venezuela"; eles estiveram 14 anos no poder e o Brasil continuou sendo uma democracia; mais do que isso, houve um sensível fortalecimento das instituições democráticas. E isso à revelia dos interesses do próprio PT e seus dirigentes, conforme a história recente do Brasil tragicamente nos demonstrou.

O caráter sistêmico da corrupção no Brasil

A corrupção no Brasil sempre existiu e está na origem da própria formação do Estado Brasileiro: trata-se de uma tradição de longa duração que resultou em uma cultura institucional de ampla disseminação. Algo que está presente tanto nos agentes do poder público, como também em amplas parcelas da sociedade civil. Para aquém da corrupção 'molar' - perpetuada pela apropriação indevida do Estado pelas elites políticas - sempre existiu uma corrupção "molecular", por assim dizer 'menor", de caráter 'invisível', mas sistêmica e infra-estrutural. Ela está disseminada na forma de múltiplas micropráticas que perpassam a relação de diferentes setores da sociedade civil e o Estado Brasileiro. Não se trata de um fenômeno "novo", muito menos circunscrito a este ou aquele partido político ou setor da sociedade.

A corrupção está presente no velho rito autoritário do "você sabe com quem está falando?", na busca de privilégios de toda espécie, nas pequenas e microscópicas práticas de corrupção que perpassam o cotidiano da sociedade brasileira. Ela está presente tanto nas atitudes de sonegação de impostos de grandes organizações econômicas, como também nas práticas de sonegação do cidadão de classe média, que forja notas fiscais e faz uso de todos os mecanismos de ilusionismo contábil. Ela também se faz presente nas micropráticas de apropriação das estruturas de governo pelo cidadão comum, principalmente, aqueles das classes com maior poder econômico.


Mas, por bem ou mal, as pessoas costumam justificar ou minimizar o problema da sonegação fiscal devido à alta carga tributária brasileira. Sem dúvida, precisamos rever a estrutura tributária brasileira, mas antes de tudo precisamos nos certificar que os grandes grupos econômicos estão pagando devidamente os impostos. Mais do que isso, precisamos cobrar mais impostos dos ricos e diminuir os impostos dos trabalhadores e da classe média.

Mas o grande problema da corrupção é que ela se tornou, ao longo do tempo, uma cultura institucional que corrói, por dentro, a administração pública e privada, algo que está presente no próprio funcionamento das engrenagens do Estado e das empresas privadas, na forma histórica em que as elites econômicas se apropriaram do poder público para defender seus interesses econômicos. Esse amplo e sistêmico sistema de corrupção já existia muito antes da criação do PT e foi uma "forma de fazer as coisas" que foi repassada de geração para geração de políticos e empreendedores privados. A promiscuidade entre agentes governamentais e privados é uma tradição de longa duração do Estado Brasileiro, não é, portanto, um fenômeno isolado, ou novo, muito menos circunscrito a um único partido político.

É uma injustiça histórica (além de ilusão e contra-senso sociológico) creditar na conta de um único governante ou partido político a culpa pela corrupção. Além do mais, ao se isolar o problema do seu contexto histórico e institucional, perde-se a oportunidade de construção de mecanismos mais eficientes de fiscalização do poder público. Ao invés disso, o que percebemos é a constante substituição de um corrupto por outro. Nesse caso, a denúncia da corrupção se transforma num poderoso instrumento político de combate aos adversários, visando exatamente se apropriar do Estado para benefício próprio. 

Também não se trata de um problema presente apenas no poder executivo nacional: a corrupção perpassa agentes dos três poderes da república, em seus diversos níveis de atuação (municipal, estadual e nacional), fazendo parte da cultura política nacional desde que o Brasil é Brasil. As práticas corruptas são bastante heterogêneas, envolvendo membros de todos os partidos (com pouquíssimas exceções).

Mas, com isso, ao se afirmar a magnitude e amplitude da corrupção no Brasil, assim como o seu caráter sistêmico e pluripartidário, não se está querendo dizer que se trata de um fenômeno tão enraizado na cultura institucional brasileira que não possa ser devidamente combatido. O que se está querendo argumentar aqui é que para se combater, de fato, a corrupção e suas consequências negativas na vida nacional, precisamos, antes de tudo, saber exatamente o que é a corrupção, sua natureza e magnitude. Caso contrário corremos o sério risco de não combater a "raiz" do problema chamado "corrupção", mas apenas reproduzir os seus meios estruturais de reprodução social e política.



Pior do que isso, corremos o sério risco de embarcar em uma nova "aventura messiânica" no pior estilo "caçador de marajás", conforme já vimos antes na história recente do Brasil: a vassourinha de Jânio Quadros, que varria não somente a corrupção, mas também foi usada para literalmente tentar "varrer" do mapa os novos costumes culturais e políticos presentes em setores da população urbana; o messianismo de Collor, o "Caçador de Marajás" que prometia combater a corrupção a qualquer custo, desde que não fosse praticada pelos seus familiares e empresários de estimação.



Sempre houve, na história do Brasil, dois movimentos que se complementam: por um lado, uma abordagem sensacionalista e pessoalista da corrupção, que busca canalizar a investigação do fenômeno para promover ou prejudicar partidos e políticos específicos; por outro lado, uma sucessão de falsos "salvadores da pátria", profetas que se alimentam da indignação popular para conquistar o poder e se apropriar das estruturas estatais para beneficiar seus correligionários e familiares. O uso político da denúncia é, em si, um mecanismos que permite a reprodução das práticas corruptas. Historicamente, a regra tem sido: um corrupto sai, outro entra em seu lugar.

O fato é que todos os governos são essencialmente corruptos, faz parte da sua natureza estrutural e histórica. Mas a maneira mais eficaz de buscar combater a corrupção consiste, por um lado, em fortalecer as instituições de investigação; e, por outro, em criar mecanismos de controle interno (geralmente denominadas de "corregedorias") que possam agir com autonomia no sentido de controlar o uso político e partidário dessas mesmas estruturas. Pois um dos maiores obstáculos para o combate aos aspectos estruturais da corrupção consiste exatamente no fato de que a lei, no Brasil, não vale pra todo mundo: as estruturas jurídicas - que constituem a 'polícia estatal' - são utilizadas para combater os inimigos e defender os aliados. Faz parte, portanto, do problema a corrupção presente nas próprias instituições de investigação, que podem ser agenciadas e operacionalizadas como um instrumento político-partidário.

Agora como um candidato que abertamente fala em não aceitar os resultados das urnas, que defende a reforma da constituição de cima pra baixo e um forte controle ideológico do Estado, pode ser a melhor solução para, de fato, combater a corrupção? Qual autonomia terão essas instituições para investigar? Será que - em uma eventual denuncia de corrupção contra membros do PSD - a PF, o MP e o próprio STF não serão acusados de serem "de esquerda" ou "petista"? Qual será a liberdade da imprensa em divulgar as denuncias em um eventual governo Bolsonaro?


A melhor forma de continuar combatendo a corrupção consiste em fortalecer cada vez mais as instituições republicanas e democráticas, por meio da aplicação dos princípios enunciados na Constituição de 1988.

Não parece ser esse o caminho proposto pelo candidato do PSD, que fala a todo momento que não irá tolerar nada que não seja a favor dos seus interesses. Uma coisa é certa: sem democracia, não há fiscalização e combate à corrupção nos diferentes níveis governamentais.                                                         

Um comentário:

Blog27999 disse...

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