terça-feira, 23 de outubro de 2018

Em defesa da democracia: ele não, ele nunca

O maior perigo que a eleição de Bolsonaro representa para o Brasil é a disseminação do discurso da intolerância, do ódio e da violência de classe, racial e de gênero. Afinal, não estamos falando de alguém "novo" na política, mas de um parlamentar que possui mais de 28 anos de vida pública. Ao longo desse período, Bolsonaro expressou e propagou suas ideias e preconceitos a quem quisesse ouvir, conforme registrado em inúmeras entrevistas onde o candidato tece manifestações de ódio contra mulheres, homossexuais, negros, pobres e nordestinos.



Sobre as mulheres, por exemplo, Jair já falou que não merecem receber o mesmo salário do que os homens por engravidarem: https://www.youtube.com/watch?v=8Ror3MKK8Tk

O Deputado está sendo processado pela sua colega, Maria do Rosário, por ter sido chamada de "vagabunda" e alguém que "não merecia ser estuprada", conforme é de conhecimento público e notório:https://www.youtube.com/watch?v=8Ror3MKK8Tk

Em relação aos homossexuais, Bolsonaro já expressou todo o seu ódio e intolerância em inúmeras manifestações públicas em programas de auditório e entrevistas:

https://www.youtube.com/watch?v=Z1oGuNkGV2g

Nesta entrevista, por exemplo, o candidato propõe reprimir a homossexualidade na porrada:

https://www.youtube.com/watch?v=QJNy08VoLZs

Tratando os homossexuais de forma claramente desrespeitosa e violenta:

https://www.youtube.com/watch?v=4X0RG6DE114

Mas a metralhadora de violências de Jair é uma metralhadora giratória, índios, negros e pobres também são alvos dos seus ataques e palavras de ordem.

Teses que remontam a política da "assimilação étnica" e "integração" dos índios na sociedade nacional, um total desrespeito aos direitos indígenas inscritos na Constituição de 1988: https://www.youtube.com/watch?v=kjVyjCRuDS0

Nesta entrevista, Jair nega a "dívida histórica com os negros" devido à escravidão:
https://www.youtube.com/watch?v=vtbXWVEWl88

Discursos em que fala dos afro-descendentes utilizando uma unidade de peso portuguesa utilizada na época da colonização, para pesar e comercializar gado, adicionando ainda que "nem pra reprodutores servem mais": https://www.youtube.com/watch?v=vjl1dJ-m12M

Mas o principal alvo de seus ataques no Congresso sempre foi o fantasma do "comunismo" - genericamente identificado com determinadas "pautas" como a reforma agrária, os direitos humanos, os direitos indígenas, o meio ambiente, os direitos LGBT etc. A forma como o deputado trata essas questões é perpassada por um sentimento de ódio e raiva aos seus adversários, motivado pelo sentimento de intolerância em relação a toda e qualquer forma de alteridade. Os seus discursos apontam claramente a sua disposição em perseguir e exterminar todos e todas que pensem diferente dele e seus correligionários.

Nega-se, com isso, um dos valores mais caros à democracia: a possibilidade de buscar resolver nossas diferenças morais, ideológicas e até mesmo religiosas e políticas, por meios legais e institucionais do Estado de Direito, ou seja, através do debate público entre aqueles que elegemos como nossos representantes políticos, debate esse conduzido dentro da legalidade e respeitando as garantias e os direitos civis e políticos anunciados em nossa Constituição Cidadã.

Assim, quando o candidato Bolsonaro, seus filhos e correligionários, propagam o discurso do ódio e da intolerância, quando incitam as pessoas a resolver as suas diferenças por meio de atitudes violentas e autoritárias; quando falam abertamente em "prender, perseguir ou banir todos os vermelhos", em "metralhar toda a petralhada", em prender adversários político-partidários após as eleições ou fechar o STF, em atacar direitos constitucionais; coloca-se em risco os valores e as instituições democráticas. São exatamente essas instituições que nos permitem exercer o pensamento crítico e manifestar nossa crítica e oposição ao que não concordamos ou pensamos que está errado. Sem a democracia, não há oposição, seja ao PT, à esquerda ou aos partidos mais conservadores.

Incitação ao ódio, promessas de armar a população civil, sintetizadas em cenas de apelo sensacionalista e cinematográfico, visam incentivar o eleitor a agir guiado unicamente por sentimentos e emoções, colocando o ódio e a indignação acima da razão.



Mas o efeito mais nefasto desse tipo de discurso político na população civil é exatamente a incitação à violência, pois seus eleitores se sentem incentivados e emparados a expressar de forma contundente ações de violência sem maiores constrangimentos. Temos vistos vários casos de intolerância em todo o Brasil: mulheres sendo agredidas e mortas por serem mulheres; homossexuais sendo perseguidos e espancados; pessoas sendo assassinadas por simplesmente manifestarem sua opção ideológica, política ou partidária. Nos primeiros dez dias após o término do 1º turno das eleições presidenciais, foram noticiados mais de 50 casos de violência motivados por diferenças partidárias e/ou ideológicas, a ampla maioria promovida por seus correligionários (apenas 4 casos tinham como vítimas eleitores do Bolsonaro).

Neste site, por exemplo, foram publicados inúmeros relatos que testemunham o preconceito e a violência cometida contra eleitores, baseado unicamente na sua opção partidária ou ideológica, ou simplesmente por serem enquadrados em categorias genéricas que foram eleitas como inimigas do Brasil de Bolsonaro: "gays", "lésbicas", "travestis", "prostitutas", "putas", "artistas de esquerda", "esquerdistas", "umbandistas", "católicos mercenários", "nordestinos burros", "humanistas" e outras tantas classificações de acusação moral e ideológica.

"Mapa da Violência Eleitoral nas Eleições de 2018": http://mapadaviolencia.org/

Da mesma forma, temos visto o aumento de ações de forte apelo neofascista em  instituições públicas, assim como manifestações que evocam diretamente valores ditatoriais, racistas e totalitários. São diversos os casos de perseguição a negros ou militantes nas escolas e universidades. Também são diversos os casos de violências cometidas nas ruas, nos bares, nos estabelecimentos comerciais e no espaço público em geral.

Essas ações se multiplicaram ao longo das eleições por uma verdadeira indústria de produção e disseminação de fakenews nas redes sociais. Por meio da circulação de informações mentirosas sobre o PT, "a esquerda", as "feministas" ou "comunistas", os bolsonaristas insuflaram a intolerância cada vez mais explícita a esses setores da população brasileira. Intolerância esse que tem sido estimulada por discursos e propostas políticas que parecem profetizar um ataque concreto às instituições democráticas.

Fala-se abertamente em banir autores, livros e perspectivas teóricas, em desrespeitar aquilo que é mais sagrado para a sobrevivências das Universidades - a liberdade e autonomia de exercer o pensamento crítico - posicionamentos nunca antes vistos na jovem democracia brasileira. Ao longo dos 14 anos em que o PT permaneceu no poder, nunca se cogitou em perseguir ou banir da universidade autores e teorias associadas ao pensamento neoliberal e/ou conservador. Pela primeira vez na história democrática, um candidato com fortes chances de vencer as eleições afirma literalmente que irá banir do sistema de ensino determinados autores classificados como "comunistas" ou de "esquerda", o que obviamente desrespeita o direito à livre expressão do pensamento e das ideias, algo inadmissível em uma sociedade republicana e democrática.

Será que retornaremos aos tempos sombrios das masmorras, da censura estatal à arte e ao conhecimento? Retornaremos a era das perseguições morais e religiosas? Por acaso iremos reviver a censura ideológica e política vigente durante os anos de chumbo da Ditadura Militar?


Será que as palavras ofensivas e agressivas do deputado, que promete "varrer do Brasil todos os vermelhos", é um sinal de que estamos prestes a retornar a um dos períodos mais trágicos da nossa história nacional? Será que os professores e estudantes serão censurados em sala de aula? Será que o currículo escolar será modificado de forma a banir eventos da história nacional, como a escravidão e a ditadura?


Junta-se a essa clara ameaça de "censura ideológica" propostas absurdas de transformar o ensino fundamental, médio e superior, em ensino à distância. O que significa isso de fato? A destruição da estrutura material e humana concentradas nas universidades e instituições de pesquisa federais? Promessas e propostas de cobrança de mensalidades nas universidades públicas, outra ação que vai contra o princípio constitucional de gratuidade e universalidade do ensino público. Tendo em vista que esta estrutura de ensino técnico e superior está fundamentada em leis e direitos jurídicos - sejam de caráter individuais ou de classe - algo assim somente seria possível a partir de uma ruptura com a ordem democrática e constitucional, ou seja, com a ruptura com próprio Estado de Direito.

Soma-se a isso a proposta de fundir em um único ministério as pastas da agricultura e meio ambiente, obviamente, para subordinar os interesses e direitos ambientais e indígenas aos interesses dos fazendeiros e do agronegócio, em um claro e aberto desrespeito aos direitos constitucionais (retornarei a essa questão em outro post). Promessas de rever os limites e a integridade territorial das terras indígenas já reconhecidas e homologadas pelo Estado Brasileiro, somadas a ameaças de não conceder "nem mais um centímetro de terra para quilombolas e índios", tudo isso só seria possível a partir de uma ruptura com a ordem constitucional vigente.



Bom, sem falar nas alegações de fechar o STF, em terminar com o 13º, em atacar os direitos trabalhistas, em desrespeitar o próprio voto e as eleições, em tratar o problema da violência civil como uma questão militar... 

Mas não se trata de temer unicamente o que pode ocorrer com os setores e grupos que foram alvos históricos da metralhadora giratória do deputado Bolsonaro em seus 28 anos de vida pública, mas também de temer aquilo que ele sempre apoiou e exaltou em seus discursos inflamados no Congresso Nacional. Defensor da Ditadura, apoiador da censura e da tortura, Jair dá voz e vazão aos discursos que fazem apologia aos regimes militares e ditatoriais. Mais de 85% dos projetos que defendeu no Congresso são referentes a temas de interesse dos militares. Um dos seus principais ídolos - o General Carlos Alberto Brilhante Ursa - torturou homens, mulheres e crianças nos porões do Doi-Codi.


 
A história já demonstrou, por diversas vezes, que os profetas e messias costumam ter vida curta e um fim trágico, simplesmente porque suas promessas e soluções partem de uma análise equivocada, simplória e mesquinha dos problemas sociais e do próprio ser humano e, com o tempo, acabam decepcionando os seus seguidores mais fanáticos.

Mas é aí que mora o maior risco de todos. Neste caso em específico o "messias" anda acompanhado pelo pensamento autoritário da caserna, que passa a ensaiar voos mais altos, demonstrando interesse em sair das cavernas, retomar o rumo da nação. A história brasileira já nos demonstrou o que costuma suceder a personagens lunáticos e salvadores da pátria, eles costumam ser sucedidos por militares "mão de ferro", linha dura, que assumem o Governo para restabelecer a ordem. Da última vez que isso ocorreu, em 1964, os militares assumiram com a proposta de viabilizar as condições institucionais para as próximas eleições - previstas para ocorrer em 1965 - mas acabaram ficando no poder durante 21 anos (1964-1985).

Ao longo desse período, milhares de jovens foram perseguidos, presos, torturados e assassinados. É isso que queremos para o Brasil?

Em nome da democracia e da liberdade: ele não, ele nunca!         

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