As negociações com o governo federal em torno da greve docente não têm avançado e a recente decisão dos representantes do MEC em fechar acordo com a PROIFES e encerrar as negociações de forma unilateral só agrava ainda mais a conjuntura atual. Como todos sabem, a PROIFES é um sindicato associado ao governo, com pouca representação na base docente. A proposta não foi aceita pelas demais centrais sindicais, que não tiveram suas demandas atendidas. Até quarta-feira (08/08), 57 assembleias de centrais sindicais regionais deliberaram pela continuidade do movimento grevista, apoiando a decisão da ANDES. Os mandatários de Dilma, no entanto, interrompem o processo de negociação e o ministro da educação determina o início do 2º semestre (sem propor solução para a recuperação das aulas do primeiro semestre).
Apesar do governo ter feito pequenas alterações na proposta inicial, retirando pontos polêmicos como a requisição de um mínimo de 12 h/a como critério para progressão na carreira e a reformulação do número de níveis para 13, conforme requisitado pela pauta grevista, ainda existe muita discordância com as entidades sindicais em torno da estrutura e dos critérios de progressão na carreira docente.
Conforme as novas regras previstas na proposta do governo, o ingresso na carreira docente passará a ocorrer na categoria de "Professor Auxiliar", independentemente do nível de formação (hoje, classe de ingresso para candidato com nível de graduação. Concursos para auxiliar deixaram de ser feitos há décadas, quando se passou a exigir o diploma de doutorado para ingresso na carreira). Com isso, candidatos com doutorado terão que finalizar os três anos de estágio docente para, só então, pedir "promoção por titulação" para a categoria de "Adjunto, nível 1". O que não está claro é se o ingressante com doutorado contará com um salário equivalente ou maior do que o salário atual de um professor adjunto durante o período de espera pelo critério extraordinário de progressão e se essa regra será garantida por meio de condicionantes. Outra questão diz respeito a forma como esse novo critério de progressão será aplicado na prática. As universidades federais poderão publicar editais para professor auxiliar I com exigência mínima de 'doutorado'? Ou todos os concursos para auxiliar terão que permitir candidatos com graduação, apesar de poderem aceitar a inscrição de mestres e doutores? Quais são as implicações práticas dessas novas regras? Como elas serão aplicadas e de que forma serão utilizadas pelas universidades na contratação de novos docentes?
Outra polêmica gira em torno dos percentuais de aumento apresentados - de forma diferencial para cada classe e nível - pelo governo. Esses percentuais não integram no cálculo a projeção de inflação para o período de três anos (2013-2015). Quando esse percentual é inserido no cálculo, verifica-se perda salarial para boa parte dos docentes. Isso significa que ao anunciar um aumento gradual de 45% nos próximos três anos, o governo de fato apresenta uma proposta que se quer consegue conter as perdas inflacionarias do respectivo período, quem dirá conceder um aumento real do valor nominal do salário docente. Não é preciso ser perito em matemática para entender que esse percentual não pode ser classificado como 'aumento', muito menos como 'política de valorização salarial'. Em um momento em que o movimento docente defende a importância da melhoria das condições de trabalho (o que inclui um aumento nominal do salário docente), o governo responde com um aumento irreal.
A distribuição diferencial do percentual de aumento entre as classes e níveis não corresponde a nenhuma lógica coerente, explicitando desigualdades já existente na atual estrutura de classes e níveis. Não existe, conforme observado pelas centrais sindicais, relação proporcional entre regimes de trabalho, valorização da titulação e consistência remuneratória na progressão entre níveis e classes, criando distorções salariais sem qualquer critério de fundo.
Outra questão polêmica é a insistência do governo em precarizar o salário nominal em detrimento da retribuição por titulação, entrando em contradição com as reivindicações do setor, que exigem a incorporação dos ganhos no salário nominal, patrimônio inalienável do servidor público. Por último, a atitude do governo de transferir para Grupos de Trabalho as questões mais controversas - em uma conjuntura anterior de desrespeito ao que foi debatido e definido pelos GTs formados anteriormente com função semelhante - contribui para criar insegurança entre os docentes em torno de pautas importantes para o movimento.
A postura autoritária do executivo frente aos movimentos grevistas que perpassam atualmente diferentes setores do governo federal tem resultado na promoção fictícia de um 'diálogo de surdos', acompanhado por uma manipulação midiática da opinião pública que conta com a conivência dos principais meios de comunicação, repassando para o corpo docente a responsabilidade pela interrupção das aulas, quando, de fato, a manutenção da greve pelas organizações sindicais reflete a postura intransigente assumida pelos representantes dos ministérios da educação e planejamento nas negociações. Um exemplo desta postura foi a forma como a notícia do aumento previsto na proposta inicial do governo (de 45%, em etapas anuais) foi comunicada pelos principais meios de comunicação sem qualquer reflexão crítica. Apesar de contarem com a assessoria de economistas e analistas financeiros, as reportagens não mencionaram as taxas de inflação para o período, camuflando o que se apresenta como uma clara diminuição relativa dos níveis salariais. Com isso, a sociedade brasileira assiste a uma intensificação deliberada e pontual de práticas de criminalização das sindicais e dos movimentos grevistas só equiparado aos períodos mais autoritários da política nacional.
Da mesma forma que ocorre no setor energético, a postura autoritária e prepotente do governo impede a discussão de fundo sobre a atual política nacional de ampliação e reformulação do ensino superior público, algo que inclui um conjunto de ações heterogêneas colocadas em ação nos últimos anos, como as políticas de cotas, a reserva de vagas para alunos provenientes do sistema público, o REUNI (ampliação de vagas, cursos e universidades), a reformulação da estrutura e dos critérios de progressão na carreira, a consolidação de regras produtivistas na avaliação docente e outras tantas medidas. Não cabe aqui discutir cada uma dessas medidas, algumas delas de caráter positivo como as políticas de cotas para negros, índios e alunos de escola pública. O projeto de ampliação da Universidade Pública é fundamental para a consolidação da democracia e para o avanço no combate às desigualdades sociais e econômicas. Mas é preciso ter cuidado para que esse projeto não resulte, em médio e longo prazo, no sucateamento 'brando' do ensino público, que além da gratuidade, também deve manter a sua qualidade como valor inabalável. É nesse sentido que é importante refletir e coordenar esse conjunto de medidas, buscando harmonizá-las em um projeto que tenha efeito positivo a médio e longo prazo.
Infelizmente, a greve não tem colaborado para criar um espaço de reflexão sobre o projeto educacional que queremos para o Brasil. Para fazer a diferença é preciso eleger a educação como um tema fundamental. Reduzir a crise do ensino superior à simples imposição de propostas 'para inglês ver' é desqualificar a educação enquanto patrimônio nacional.
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