A publicação já está disponível nas livrarias. Segue abaixo um pequeno trecho da introdução do livro (para divulgação):
"De modo geral, há pouca relutância em aceitar os bens industrializados. Como será demonstrado em outros capítulos, a incorporação de bens de fora de sua sociedade sempre fez parte da cultura Mebêngôkre. Por exemplo, muitos anos atrás aprenderam com os índios Yudjá a construir canoas. Os Metyktire afirmam querer coisas de kube, mesmo coisas que eles mesmos fabricam, como fio de algodão vermelho. Raciocinam afirmando que gostam das coisas do kube como os kube gostam de coisas de índio - bordunas, colares, cocares, cestos, etc.
Os Metyktire me bombardearam com perguntas sobre a confecção de cobertores, panelas de metal, canetas, papel etc. Estavam incrédulos que eu pudesse usar coisas sem nunca ter observado como são fabricadas. Suspeitavam que havia alguma espécie de especialização, perguntando, por exemplo, se os kube americanos são aqueles que manufaturavam cartuchos caibre 38. Um homem perguntou se aqueles que fazem velas ficam ricos, devido ao preço relativamente alto das velas, ou se as dão de graça (kajgô).
A noção de dinheiro é ainda mais enigmática e misteriosa. O chefe Metyktire me perguntaram quem fabrica dinheiro, como e onde. O chefe em Kretire queria saber quem é o dono do dinheiro e para que o utiliza. Um homem alegou que os kube precisam simplesmente (tu) dar coisas aos índios porque têm dinheiro no banco, que recebem do chefe grande; para obtê-los basta fazer fila. Os Metyktire pedem dinheiro para qualquer visitante kube argumentando que os 'índios não têm dinheiro'. (...)
No início da minha estada com os Metyktire me decepcionou o fato de eles falarem dia e noite sobre nekretx, referindo-se aos bens industrializados. Para europeus, pós-1968 como eu, sociedades ameríndias representavam a possibilidade de viver em harmonia com a natureza, e de oferecerem alternativas às mazelas da sociedade pós-industrial. Estava intrigada em saber por que os bens industrializados eram designados por uma palavra tão evidentemente mebêngôkre, e então decidi investigar a etimologia de nekretx. Isso significou mergulhar num mundo fantástico, digno da imaginação de Borges. Fui seduzida pela riqueza (nekretx) dos Mebêngôkre ao ponto de torná-lo o objeto principal de minha pesquisa. Nekretx e o sistema onomástico dos Mebêngôkre são dois lados da mesma moeda: ambos são fundamentais para entender a organização social dos Mebêngôkre porque implicam um conceito de casa como pessoa jurídica (personne morale, em francês), composta de pessoas partíveis (conforme será esclarecido a seguir)."
Referência: LEA, Vanessa. 2012. Riquezas Intangíveis de Pessoas Partíveis: os Mebêngôkre (Kayapó) do Brasil Central. São Paulo: Editora Edusp.
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