terça-feira, 30 de agosto de 2011

Etnocentrismo - Parte II

"O que surpreende o leitor, ao se retomar as teorias explicativas do Brasil, elaboradas em fins do século XIX e início do século XX, é a sua implausibilidade. Como foi possível a existência de tais interpretações, e, mais ainda, que elas tenham se alçado ao status de Ciências. A releitura de Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Nina Rodrigues é esclarecedora na medida em que revela esta dimensão da implausibilidade e aprofunda nossa surpresa, por que não um certo mal-estar, uma vez que desvenda nossas origens. A questão racial tal como foi colocada pelos percursores das Ciências Sociais no Brasil adquire na verdade um contorno claramente racista, mas aponta, para além desta constatação, um elemento que me parece significativo na história da cultura brasileira: a problemática da identidade nacional" - Cultura Brasileira & Identidade Nacional - Renato Ortiz

Nesta postagem, vou explorar o viés etnocêntrico das teorias racialistas do século XIX como um exemplo de como o etnocentrismo pode se associar ao racismo.

A relação entre etnocentrismo e ciência não é nenhuma novidade, constituindo-se em mais um daqueles fenômenos negativos que importamos dos nossos colonizadores europeus. Afinal, tanto os argumentos científicos como a linguagem racialista mobilizada para defender a superioridade moral e intelectual dos brancos sobre as demais etnias foi uma 'cópia" de ideias populares entre intelectuais franceses e alemães. Essas ideias foram reformuladas à luz da temática da identidade nacional, tendo como referência o ideal de formação do povo brasileiro a partir da mistura de brancos, índios e negros. Influenciados pelas teorias do positivismo francês, do darwinismo social e do evolucionismo cultural, os autores brasileiros buscaram formular uma interpretação extremamente etnocêntrica do que seria o Brasil e os brasileiros.

A suposta superioridade (tecnológica e moral) dos europeus frente aos demais povos colocava países como o Brasil em situação de 'inferioridade', pois a sua emergente sociedade nacional era retratada como 'atrasada' frente aos povos 'desenvolvidos' da Europa. Incapazes de olhar para o povo brasileiro levando em conta as suas características culturais específicas, os nossos intelectuais viam a realidade brasileira a partir da lente dos colonizadores, ou seja, como uma sociedade decadente e atrasada. Os índios que aqui viviam antes dos portugueses chegarem e os negros escravizados durante a colonização portuguesa foram percebidos como um entrave ao desenvolvimento nacional. Isso explica a emergência da 'teoria do branqueamento', que teve forte influência nas políticas de atração de imigrantes europeus para o Brasil: acreditava-se que ao aumentar a presença do branco na sociedade, isso levaria a uma diluição das demais "raças", produzindo o que alguns defensores dessa teoria denominavam de contínuo e lento 'branqueamento' do nosso povo.

O viés etnocêntrico das teorias racialistas está presente na incorporação dos pressupostos racistas dos colonizadores, embasados por suas teorias científicas sobre a suposta superioridade moral e intelectual do branco. Atualmente, essas teorias são amplamente refutadas pela comunidade científica, pois não existe nenhum argumento que justifique tal superioridade do branco sobre as demais raças, seja do ponto de vista intelectual ou moral. Ao eleger os traços culturais dos brancos como indícios de sua superioridade racial, os defensores das teorias racialistas desenvolveram uma explicação etnocêntrica da diversidade humana. Com isso, esses cientistas colaboraram para legitimar o domínio ideológico dos colonizadores sobre o rumo que suas antigas colonias traçaram após a sua independência política.

A preocupação com o estabelecimento de uma 'identidade nacional' a partir de uma teoria explicativa do Brasil e dos brasileiros impediu aos percursores das ciências sociais de perceber a potencialidade da multiplicidade cultural e social dos habitantes deste continente chamado "Brasil", impossibilitando a nossa gente de traçar seu próprio caminho e estabelecer suas prioridades e objetivos enquanto uma nação multicultural.

O viés etnocêntrico e racialista que perpassou as teorias explicativas da nossa identidade nacional justificou a emergência de uma série de micro-mecanismos de exclusão racial no cotidiano de nossa sociedade, disseminando ações de exclusão racial em instituições como a escola, o mercado de trabalho, a universidade e o governo, sem nunca corromper a retórica da 'igualdade racial' presente na teoria da mistura (supostamente igualitária) de raças que teria dado origem aos brasileiros. O resultado da dinâmica estabelecida entre esses dois movimentos - de um lado os micro-mecanismos de exclusão racial e de outro a retórica da igualdade de raças - resultou em índices estatísticos que demonstram claramente a exclusão de negros e índios da vida política e intelectual do país.    

Um comentário:

Anônimo disse...

O blog é de extrema-esquerda. As postagens são esquerdistas e marxistas culturais.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...