quinta-feira, 8 de setembro de 2011

As desigualdades econômicas regionais

"O Nordeste, ao longo dos séculos, foi esquecido por uma política central de governo. Não se pode ter um país em que uma parte viva com determinada renda per capita e a outra banda com indicadores muito inferiores. A dependência de investimentos públicos no Brasil sempre foi muito grande. E o Sul e o Sudeste não podem atribuir apenas às características locais de solo o estágio que alcançaram de desenvolvimento" - Cid Gomes, Governador do Ceará.

O trecho acima foi extraído de uma entrevista com o atual governador do Ceará, Cid Gomes, publicada na edição de nº 660/2011 da Carta Capital (agosto). O irmão do ex-candidato à presidência do PSB, Ciro Gomes, não mediu palavras ao mencionar as desigualdades econômicas regionais existentes no Brasil, onde o governo central historicamente privilegiou os estados do sul e sudeste na distribuição de recursos. Bom, de fato, nem sempre foi assim. Os estados do Sul também já foram prejudicados pela chamada política do Café com Leite, centrada no desenvolvimento do sudeste em detrimento de outras regiões brasileiras, incluindo o Rio Grande do Sul. A diferença encontra-se no fato de Getúlio Vargas ter mudado radicalmente essa história ao encilhar seu cavalho no obelisco da cidade maravilhosa, isso ainda na década de 1930, quando o Brasil estava longe de ser um país industrializado. A partir desse momento histórico, o sul também passou a ser lembrado na distribuição dos recursos arrecadados pela União. Infelizmente, outros estados da federação não tiveram a mesma sorte e ainda hoje sofrem com a marginalidade à qual estão submetidos na política e na economia nacional. E o Nordeste não é nenhuma exceção, tendo em vista que ainda encontra-se em melhor situação do que o centro-oeste e a região norte do país.

O governo brasileiro tem historicamente contribuindo para agravar as desigualdades econômicas existentes entre as diferentes regiões brasileiras. Basta analisar os dados sobre a economia nacional para verificar essa realidade. Cid Gomes tem razão em cobrar do governo federal um maior investimento em infra-estrutura regional, como estradas, portos, ferrovias e aeroportos, setor onde a desigualdade é ainda mais visível e gritante. Mas não se trata, a meu ver, em ampliar o alcance da política desenvolvimentista baseada unicamente nos índices econômicos e no incentivo ao desenvolvimento industrial. Afinal, a ideia não é transformar as demais regiões em um retrato fiel e narcisista do sudeste brasileiro. Ao fazer isso, junto com o padrão metropolitano e urbanista também transferimos para essas regiões todos os problemas sociais ocasionados por essa política de urbanização desenfreada que vem sendo implantada no Brasil desde a década de 1940. Os resultados prejudiciais são amplamente conhecidos por todos: violência, desigualdade econômica gritante entre a morro e o asfalto, insegurança pública, insuficiência de infra-estrutura nos bairros mais periféricos, um sistema de saúde pública extremamente deficitário, etc. Isso já vem ocorrendo em cidades como Recife, Fortaleza, Manaus e Belém, onde a urbanização desenfreada e não-planejada já vem apresentando seus efeitos negativos.    

O fato é que antes de traçarmos uma nova política nacional, mais descentralizada e federativa, é extremamente importante e necessário "descobrirmos" esse Brasil que, em grande parte, ainda encontra-se desconhecido por boa parte da população brasileira. Com isso, torna-se necessário estudar o potencial específico da região, apoiando as economias locais e incentivando o uso sustentável da biodiversidade. Esse é o caso, por exemplo, da região norte do Estado, com suas especificidades culturais e históricas. Esses setores historicamente marginalizados da política nacional devem ser integrados nas políticas públicas. Esse é o único caminho para o fortalecimento da cidadania.

Infelizmente, apesar das políticas sociais do governo federal contribuírem minimamente para o combate à desigualdade econômica, ajudando a retirar da pobreza absoluta milhões de famílias brasileiras, o que tem tido um impacto em grande parte positivo nas regiões mais pobres deste país-continente, a tendência desenvolvimentista do atual governo tem representado uma ameaça à continuidade da cultura dos povos  da Amazônia. As mega-obras do PAC, principalmente as hidroelétricas, expressam de forma clara o conflito entre dois modos de vida diferentes: de um lado, as populações ribeirinhas indígenas e tradicionais, que vivem diretamente do rio e da floresta, com um padrão produtivo de baixa tecnologia, mais por opção cultural do que propriamente por restrição histórica; do outro lado, as indústrias do ABC paulista e do Rio de Janeiro, que precisam ser abastecidas com energia elétrica para sustentar o desenvolvimento econômico regional, garantido emprego e renda para a população urbana das grandes metrópoles brasileiras. Independentemente das controvérsias técnicas existentes sobre a viabilidade econômica e social de grandes obras de infra-estrutura como Belo Monte, o fato é que essas iniciativas explicitam claramente que o estilo de vida das grandes metrópoles é valorizado em detrimento desse outro Brasil que se pretende superar com as políticas de desenvolvimento e industrialização. É como se o governo federal admitisse que uma parte da população ribeirinha que vive das águas do rio Xingu serão sacrificadas em nome do progresso. De fato, o desenvolvimentismo sustentado pelo PAC reproduz, sem grandes alterações, uma mentalidade política que esteve presente em solo tupiniquim pelo menos desde o início do nosso período republicano. O Brasil sempre vivou sob a sombra ideológica da Europa e dos Estados Unidos, vistos pela elite tupiniquim como o "grande exemplo" a ser seguido, mesmo quando a política adotada por esses países mostra, hoje em dia, a sua fraqueza e vulnerabilidade, sendo uma das principais razões para a crise econômica mundial. Mesmo assim, devido a total falta de criatividade intelectual e política, os nossos governantes preferem adotar uma estratégia de desenvolvimento que já demonstrou sua fragilidade em outros países.

Com isso, mais uma vez, perdemos a oportunidade de descobrir o Brasil e os brasileiros. Enquanto os nossos governantes insistirem em olhar para o nosso povo com as lentes dos colonizadores, nunca vamos conseguir perceber as nossas próprias potencialidades. Se é verdade que o Brasil precisa crescer e se desenvolver, isso deve ocorrer de forma descentralizada, privilegiando as características econômicas, ecológicas e culturais das diferentes regiões brasileiras. Uma das formas de fazer isso é incentivando a produção de conhecimento sobre a realidade social, econômica e cultural dessas regiões, fornecendo as possibilidades para o desenvolvimento de uma ciência regional conectada com outros formas de conhecimento não-ocidentais. Afinal, não podemos partir do pressuposto de que a realidade local do norte, nordeste e centro-oeste é desconhecida, pois as populações regionais possuem um amplo conhecimento local que não pode ser negligenciado. Com isso, é preciso incentivar o desenvolvimento científico e acadêmico regional através da abertura e ampliação das instituições de pesquisa e ensino, ao mesmo tempo que se incentiva uma crescente integração entre essa "Ciência de Estado" e as "ciências nômades" (para usar uma expressão cunhada por Deleuze e Guattari em Mil Platôs). Mas, ainda estamos longe de traçar um caminho verdadeiramente autônomo e, com isso, mais uma vez perdemos a oportunidade de fazer a história mudar de rumo.

Enquanto a política nacional de ciência e tecnologia e as política de incentivo ao desenvolvimento econômico continuarem reproduzindo o ideário do sul e sudeste, privilegiando essas regiões na distribuição dos recursos destinados para a ciência, o ensino e a pesquisa, vamos continuar reproduzindo um padrão de desenvolvimento extremamente desigual e nada sustentável. Basta analisar a distribuição de bolsas e recursos na área das ciências humanas e sociais para notar que nada de concreto está sendo feito para mudar esse cenário.                    

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