Desde que dei início ao blog, por diversas vezes notei a necessidade de esclarecer a forma como a noção de simetria epistemológica foi incorporada nos estudos da "Teoria Ator-Rede", principalmente, devido ao mau uso que os críticos costumam fazer dessa ideia. Voltarei a abordar essa questão no blog. Por ora, é importante notar algo que considero fundamental:
Simetria não é sinônimo de anulação ou diluição das diferenças estéticas, éticas ou conceituais.
Fazer uso do princípio da epistemologia simétrica não implica em tornar o que é diferente igual: estabelecendo uma igualdade conceitual entre diferentes práticas de conhecimento, por exemplo. Não se trata de homogeneizar as diferenças ao torná-las "simétricas" (seja do ponto de vista estético ou conceitual). O princípio da simetria é anterior a análise etnográfica: significa, de uma maneira geral, não reificar e projetar diferenças epistemológicas antes de ir a campo.
Esse princípio foi aplicado para desconstruir certas assimetrias epistemológicas que orientavam (e continuam a orientar) os grandes divisores do pensamento moderno ocidental: assimetria (em termos de agência) entre humanos e não-humanos; assimetria entre as ciências ocidentais e as demais formas de conhecimento (não-modernas); assimetria entre "Natureza"/"Cultura". Conforme tem sido amplamente explicitado por diversos autores, desde os trabalhos inaugurais de Bloor até os desdobramentos de suas idéias na obra de Callon, Latour e Law: é exatamente a adoção de uma epistemologia simétrica que permite evidenciar as assimetrias conforme elas são pensadas e colocadas em prática pelos próprios atores e não conforme pressupostas pelos analistas a partir da neutralização ou tradução consciente do discurso nativo conforme os pressupostos de uma ontologia naturalista (seja através do relativismo cultural ou do particularismo universal).
Os autores estão falando de uma assimetria (ou desigualdade) entre a cultura ocidental (que tem a pretensão de mobilizar a natureza através da Ciência e suas práticas de purificação) e as demais culturas: "Nós, ocidentais, não podemos ser apenas mais uma cultura entre outras porque mobilizamos também a natureza. Não mais, como fazem as demais sociedades, uma imagem ou representação simbólica da natureza, mas a natureza como ela é, ou ao menos como as ciências a conhecem, ciências que aparecem na retaguarda, impossíveis de serem estudadas. No centro da questão do relativismo encontra-se, portanto, a questão da ciência" (Jamais Fomos Modernos, p. 96-7, Latour). É essa assimetria epistemológica entre o discurso científico mobilizado pelo pensamento moderno (com seus grandes divisores e suas pretensões universalistas) e as demais formas de conhecimento e ontologias que a antropologia simétrica propõe romper. Ao invés de uma única Natureza (Universal) e várias culturas (tese do relativismo cultural e do multiculturalismo), o princípio de simetria generalizada propõe a multiplicidade ontológica ou a co-existência (mais ou menos conflituosas) de múltiplas naturezas-culturas. Essa multiplicidade perpassa os campos das ciências ocidentais e das demais formas de conhecimento não-modernas.
É a partir de uma crítica ao relativismo cultural e ao Universalismo Particular (ver Ibidem, p. 101-04) que Latour propõe a adoção de uma simetria generalizada: explicar com os mesmos termos as verdades e os erros; estudar ao mesmo tempo a produção de humanos e não-humanos; e ocupar uma posição intermediária entre os terrenos tradicionais e os novos.
Mas isso não implica na anulação das assimetrias (de poder), muito menos em anular ou homogeneizar as diferenças entre naturezas-culturas:
"Isto porque o objetivo do princípio de simetria não é apenas estabelecer a igualdade - esta é apenas o meio de regular a balança no ponto zero - mas também o de agravar as diferenças, ou seja, nos fins das contas, as assimetrias, e o de compreender os meios práticos que permitem aos coletivos dominarem outros coletivos" (Ibidem, p. 105).
Por isso, acho curioso quando as pessoas brincam de "revelar" as assimetrias (conceituais, temporais e estéticas) como uma forma de criticar a antropologia simétrica.
Isso porque simetria e diferença (seja ela de ordem estética, conceitual, poética ou ética) não estão em lados opostos, muito menos são princípios contraditórios. De fato, as diferenças (conforme são concebidas e colocadas em prática pelos atores) dependem de uma postura simétrica para serem reconhecidas pelo antropólogo, ao invés de serem presumidas ou impostas a partir do ideário moderno ocidental.
Um comentário:
Caro Diogo.
Sou um prof aposentado na UFSC. Titular. Doutir em socioligia na Université Catholique de Louvain. Nao tenho formação em antropologia e tampouco conheço a sua área. Pode me inficar algo relacionado ao Direito e ao Brasil? Tem alguma pesquisa atusl com alguma ponte entre principio da simetria generaluzada e as teses de Ulrich Beck do livro póstumo Metamorfose...(colateralidades adversas em suas multiplas consequencias?). Enfim, algo que force as teorias da ação que elas implicam? Obrigado Edmundo Arruda 048 999195516
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