quinta-feira, 3 de junho de 2010

Genealogia dos Saberes em Foucault - 1ª Parte

Foucault se questiona sobre qual seria a diferença entre “o que se poderia denominar a história das ciências da genealogia dos saberes”, ao que ele busca responder nesta última parte da aula.


“(...) a história das ciências se situa num eixo que é, em linhas gerais, o eixo conhecimento-verdade, ou, em todo caso, do eixo que vai da estrutura do conhecimento à exigência da verdade. Em contraste com a história das ciências, a genealogia dos saberes se situa num eixo que é diferente, o eixo discurso-poder ou, se vocês preferirem, o eixo prática discursiva-enfrentamento de poder” (213).

Quando Foucault propõe uma diferenciação entre a história das ciências Vs genealogia dos saberes, ele também propõe discutir a questão fora da problemática das luzes (Séc. XVIII). Nas suas próprias palavras, é preciso “desmantelar o que na época (e, aliás, no século XIX e ainda no XX) foi descrito como o progresso das Luzes, a luta do conhecimento contra a ignorância, (...) da experiência contra os preconceitos” (id.).

Ao invés dessa contraposição positivista entre as Luzes e a escuridão, Foucault apresenta sua genealogia dos saberes, que consiste em analisar “um imenso e múltiplo combate dos saberes uns contra os outros – dos saberes que se opõem entre si por sua morfologia própria” (214).

Primeiro Exemplo

Séc. XVIII – se diz que foi o século da emergência dos saberes tecnológicos. Foucault aplica a sua genealogia a emergência desses saberes. Mas não como um movimento unilinear e crescente (como uma ascensão às Luzes), mas como uma multiplicidade de saberes em luta. Primeiro: existência plural de saberes diferentes, “que existiam com suas diferenças conforme as regiões geográficas. (...) E tais saberes estavam em luta uns com os outros, uns diante dos outros, numa sociedade em que o segredo do saber tecnológico valia riqueza e em que a independência desses saberes, uns em relação aos outros, significa também a independência dos indivíduos. Portanto, saber múltiplo, saber-segredo, saber que funciona como riqueza e como garantia de independência: era nesse fracionamento que funcionava o saber tecnológico. Ora, à medida que se desenvolveram as formas de produção quanto as demandas econômicas, o valor desses saberes aumentou, a luta desses saberes uns com relação aos outros, as delimitações de independência, as exigências de segredo, tornaram-se mais fortes (...). Nessa mesma ocasião, desenvolveram-se processos de anexação, de confisco, de apropriação dos saberes menores, mais particulares, mais locais, mais artesanais, pelos maiores, eu quero dizer os mais gerais, os mais industriais, aqueles que circulavam mais facilmente; uma espécie de imensa luta econômico-política em torno dos saberes, a propósito desses saberes, a propósito da dispersão e da heterogeneidade deles; imensa luta em torno das induções econômicas e dos efeitos de poder ligados à posse exclusiva de um saber, à sua dispersão e ao seu segredo” (214-15). Nessas lutas, o Estado intervém direta ou indiretamente, mediante quatro procedimentos >> 1) eliminação e desqualificação dos pequenos saberes “inúteis e irredutíveis” (economicamente dispendiosos); 2) normalização desses saberes entre si, que vai permitir ajustá-los uns aos outros, fazê-los comunicar-se entre si, derrubar as barreiras dos segredos e das delimitações geográficas e técnicas; 3) classificação hierárquica desses saberes, dos mais específicos e materiais para as formas mais gerais e mais formais (sendo que os primeiros são subordinados aos últimos); 4) centralização e controle desses saberes, sistematização que permite transmitir de baixo para cima os conteúdos desses saberes (216).

A partir desse exemplo, Foucault percebe quatro operações: seleção, normalização, hierarquização e centralização. O século XVIII foi o século de disciplinarização dos saberes (dispersos). A organização interna de cada saber como disciplina, assim como a organização dos saberes entre si, sua intercomunicação, sua distribuição, sua “hierarquização recíproca numa espécie de campo global a que chamam a ciência”. A ciência não existia antes do século XIX. A ciência funciona como policiamento disciplinar dos saberes. Desde então, ela vem propondo problemas específicos ao policiamento disciplinar dos saberes: problemas de classificação, hierarquização, problemas de vizinhança. Mas de todo este complexo processo o século XVIII tomou consciência como um “progresso da razão”, um progresso unilinear que nos retirou da escuridão (quando convivíamos com as sombras), para uma era iluminada pela Razão.

Cont. em breve...

Referência Bibliográfica:
 
FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. [Aula de 25 de Fevereiro de 1976 – pg. 213-23].

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