terça-feira, 19 de abril de 2011

19 de Abril: Dia do Índio

Um feriado ou data comemorativa é o dia do ano que foi eleito para marcar a importância de se valorizar uma determinada classe de pessoas, podendo, por exemplo, servir como referência para mobilizações políticas de caráter nacional ou até mesmo internacional. Trata-se de um marco político, um dia que reservamos para concentrar ou intensificar as mobilizações políticas. É claro que essas ações pontuais devem ser acompanhadas de um engajamento contínuo durante o restante do ano.

O dia 19 de abril, desde a década de 1940, foi definido por decreto presidencial como a data oficial de comemoração e valorização das culturas e sociedades indígenas. Desde então, nessa data, são desenvolvidas diversas atividades comemorativas e mobilizações políticas para demarcar a importância de se valorizar e respeitar os direitos humanos, políticos, culturais e sociais dos índios. A escolha desse dia se deu devido a um evento histórico de grande importância para os índios latino-americanos: no dia 19 de abril de 1940 foi realizado, no México, o Congresso Indigenista Interamericano, considerado o primeiro evento político mundial que contou com a participação efetiva de representantes políticos das sociedades indígenas. Desde então, teve início um intenso debate em torno do reconhecimento dos direitos políticos e humanos dos povos indígenas na América Latina e em outras regiões do mundo.

Hoje em dia são mais de 225 etnias que vivem no Brasil, contando uma população de  mais de 740 mil pessoas. Conforme dados do IBGE, a população indígena tem aumentado significativamente nos últimos anos. Da mesma forma, muitos povos possuem suas terras reconhecidas pelo Estado, onde possuem certa autonomia para exercer sua vida comunitária e contam com apoio do governo e outras instituições para desenvolver projetos que possibilitem a sustentabilidade econômica, cultural e ambiental dos seus territórios.

Muito se tem avançado na luta política em torno dos direitos culturais dos índios. São inúmeras iniciativas no Brasil inteiro, envolvendo centros de valorização da cultura, projetos de desenvolvimento sustentável e outras tantas iniciativas que têm dado bons resultados. Também já são muitos os índios que estão traçando seu próprio caminho na Universidade, profissionalizando seus membros mais jovens, que passam a usar os conhecimentos adquiridos para apoiar as reivindicações políticas de suas comunidades. É cada vez maior o número de índios cursando o ensino superior nas mais diversas áreas: direito, pedagogia, antropologia, etc. Da mesma forma, existe um movimento muito forte no Brasil na área de educação indígena, onde se tem buscado efetivar um programa educacional mais adequado às necessidades específicas desses povos: o ensino bilíngüe (em português e na língua nativa), assim como outros recursos pedagógicos apropriados para lidar com situações de diversidade cultural, social e política. 


Um bom exemplo é o movimento de educação indígena no Alto Rio Negro, com a instalação de escolas indígenas coordenadas e administradas pelos próprios índios, que discutem inclusive o conteúdo pedagógico que deve ser ensinado em sala de aula. Como parte desse processo, os povos indígenas dessa região têm buscado aliar atividades de ensino e pesquisa, envolvendo jovens indígenas em oficinas de capacitação em técnicas de pesquisa e desenvolvendo projetos na área de resgate e revitalização cultural. Iniciativas semelhantes existem em todo Brasil.

Por outro lado, ainda resta muito a avançar! Principalmente, na área de reconhecimento dos direitos humanos dos povos indígenas. Infelizmente, ainda existe muito preconceito em diversos setores da sociedade. Basta lembrar as reportagens preconceituosas publicadas recentemente em revistas de circulação nacional como a Veja, ou o noticiário nos grandes meios de comunicação, geralmente contrário aos interesses políticos dos povos indígenas. 


A disputa em torno da construção da hidroelétrica Belo Monte é um exemplo claro de que ainda temos muito que avançar no reconhecimento jurídico e institucional dos direitos humanos dos índios. Afinal, os procedimentos de consentimento prévio e informado das populações locais – preceito institucional acordado pelo Brasil com a Organização Internacional do Trabalho (Convenção 169) – não foram executados da maneira adequada. O fato é que o governo federal tem “atropelado” os procedimentos constitucionais para fazer valer os interesses dos grupos econômicos que irão lucrar com a obra. 


Outras tantas situações de desrespeito aos direitos humanos indígenas ocorrem diariamente em todo país. Talvez a situação do povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul seja o caso mais emblemático, pois explicita o conflito territorial dessas populações com fazendeiros e grileiros, ao mesmo tempo em que evidencia o etnocentrismo da nossa sociedade e o quanto ainda temos que avançar.

Reproduzo abaixo as palavras de três importantes lideranças indígenas, com a esperança de que a luta dos índios no Brasil avance bastante nos próximos anos. 

“Nossos antigos, quando viviam ainda sós na floresta, eram realmente sábios. Eles preferiam os dizeres dos cantos dos espíritos xaripë a qualquer outro pensamento. Mas hoje os brancos se aproximaram da nossa terra. AS palavras deles criaram obstáculos à voz dos antigos. Assim, as palavras dos xaripë esmoreceram no pensamento dos jovens. Hoje, eu receio que eles estejam se preocupando demais com as coisas dos brancos. Alguns ficam assustados pelo poder da yãkoana e, as vezes, recusam de se tornar xamãs. Eles têm medo de ver os espíritos e temem sua hostilidade. Então, eu me esforço por incentivá-los: ‘Não sejam medrosos! Daqui a pouco vocês terão esposas e seus filhos nascerão. Sem xaripë como poderão cuidar deles? Tornem-se Xamãs! Se vocês se comportarem bem, os xaripë virão até vocês. Eles são magníficos e poderosos!” Assim, me empenho em lhes dar os espíritos, pois, sem eles, os jovens se tornarão homens de pensamento obstruído” – Davi Kopenawa Yanomami

“Nós temos que nos orientar pelo rio. Está no rio o problema, e o problema está em cima, se você está embaixo de uma árvore, tudo que vem de sujeira, folha, vai cair em cima de você, em cima da sua cabeça. Assim está o problema das fronteiras. O problema é de todos nós, principalmente de quem está na beira do rio Xingu, do rio Suiá, do rio Manito, do rio Arraia, do rio Kuluene. O branco, o caraíba, está maltratando esse rio Xingu. Todas as cabeceiras estão sendo desmatadas, estão botando muita coisa que a gente não gosta, tem muito boi cagando no rio e o pior, estão jogando muito veneno na água, que vem parar aqui” – Mairawê Kaiabi

“Muitas vezes o branco fala que tem que preservar a natureza, mas muitas vezes só fala e não faz. O Guarani ama a natureza em silêncio, através do conhecimento milenar. Aquele que fica distante da natureza se torna uma coisa dura, com coração de pedra. Por que a cidade muitas vezes traz bastante recursos, então diz que o progresso traz desenvolvimento, mas também traz destruição. Nosso futuro, nosso desenvolvimento, para os Guarani significa nosso conhecimento. Respeitar a natureza significa desenvolvimento. É diferente do branco. Eu já fico com receio quando fala desenvolvimento sustentável, desenvolvimento não sei o quê... Eu falaria na minha língua envolvimento”. – Timóteo Verá popyguá

Fonte dos Depoimentos: “Povos Indígenas no Brasil – 2001/2005” – Instituto Socioambiental. 
     

Um comentário:

Roner disse...

Pena que não é feriado nacional! Mas acho importante lembrar a data e a causa indígena, seus interesses e demandas políticas.

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