terça-feira, 17 de agosto de 2010

Belo Monte: uma ameaça aos valores democráticos

Já tive a oportunidade de mencionar aqui os problemas envolvendo a construção da Usina Hidroelétrica Belo Monte e como esse projeto governamental representa uma ameaça ao modo de vida de humanos e não-humanos que vivem na (dá) bacia do rio Xingu. Apesar das mobilizações políticas de povos indígenas, comunidades locais ribeirinhas e organizações civis, que manifestaram a necessidade de discutir e debater melhor o assunto, a presidência da república continua tratando a questão como um problema “superado”.


As populações afetadas direta e indiretamente por grandes obras como Belo Monte têm o direito de entender o que está em jogo e se posicionar politicamente, seja de forma favorável ou não. A própria sociedade civil tem o direito de exigir uma ampliação do debate sobre a proposta do governo. Precisamos refletir sobre a nossa matriz energética, pensar a partir de experiências passadas e presentes, enfim, dialogar com maior propriedade sobre uma questão de extrema importância para todos nós. Obras do porte da Belo Monte são complexas o suficiente para exigir do governo e da sociedade um tempo maior de estudo e discussão. Trata-se de empreendimentos tecnológicos e sociais de extrema complexidade, geralmente, envolvendo também um campo de conflitos entre interesses divergentes. O que caberia ao governo, neste caso, seria conduzir e oportunizar o debate público, pensar alternativas, enfim, estudar ele mesmo com mais calma e atenção a questão, não somente do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista socioambiental. De fato, o grande desafio dessa obra é que os seus efeitos são múltiplos: estamos exatamente no ponto de encontro (e superação) entre tecnologia e sociedade. Buscar um melhor entendimento do que está em jogo nessa obra não só é um desafio para todos nós, como também deveria ser uma política de governo.

O fundamental, neste caso, é que os povos indígenas e ribeirinhos têm o direito de entender o que está acontecendo nas suas vidas e esse entendimento exige não só um esforço imenso de tradução e discussão, como também o respeito a uma temporalidade (a temporalidade do entendimento) que difere da temporalidade governamental. Afinal, são essas pessoas que terão suas vidas afetadas pela obra. Apesar de existirem tantos outros interesses (técnicos, políticos, econômicos) envolvidos na construção de Belo Monte, o interesse mais importante é o interesse dos povos e das comunidades que terão o seu meio ambiente alterado e, desta forma, a sua vida afetada por mudanças que eles ainda não tiveram o tempo nem mesmo de entender, muito menos ainda de se opor. A vida em democracia exige o livre debate como prerrogativa da sociedade na sua relação com o poder público. A existência de um “Estado de Direito” pressupõe exatamente isso: o direito da sociedade em orientar a ação do estado. Todo e qualquer movimento contrário aos direitos civis e socioambientais pode e deve ser entendido como uma ameaça aos valores mais caros da nossa Constituição. É fundamental que o governo observe e respeite os procedimentos legais que envolvem o licenciamento de grandes obras como Belo Monte. Os laudos, relatórios e pareceres técnicos não podem ser tratados como meros “entraves burocráticos”, mas devem ser observados como uma referência importante e necessária na tomada de decisões políticas, além de ser um importante dispositivo legal.

Quando esses dispositivos institucionais não são observados pelo poder público (seja ele federal, estadual ou municipal), cabe ao Ministério Público sair em defesa dos interesses coletivos da sociedade, caso contrário, estaremos abrindo precedentes perigosos.

Durante a última Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em Belém, esse tema foi amplamente debatido em diversos grupos de trabalho, sendo que três desses grupos acabaram redigindo uma moção que foi posteriormente lida e discutida na assembléia da ABA. Essa moção foi apoiada pala associação e tornou-se pública. Agora a nossa tarefa é tentar fazer com que ela circule nas redes virtuais e reais, pois com o apoio de todos talvez ainda seja possível pressionar o Governo Federal a rever seus planos.

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