Assim é preciso evitar fazer do eterno Retorno um Retorno do mesmo. Isto seria desconhecer a forma da transmutação e a mudança na relação fundamental. Porque o Mesmo não preexiste ao diverso (salvo na categoria do niilismo). Não é o Mesmo que volta, já que voltar é a forma original do Mesmo, que apenas se diz do diverso, do múltiplo, do devir. O Mesmo não volta, é o voltar apenas que é o Mesmo daquilo que devém.
(...) O segredo de Nietzsche é que o eterno Retorno é seletivo. E duplamente seletivo. Primeiro, como pensamento. Porque nos dá uma lei para a autonomia da vontade desgarrada de toda a moral: o que quer que eu queira (a minha preguiça, a minha gulodice, a minha covardia, o meu vício como a minha virtude) 'devo' querê-lo de tal maneira que lhe queira o eterno Retorno. Encontra-se eliminado o mundo dos 'semi-quereres', tudo o que queremos com a condição de dizer: uma vez, nada senão uma vez. Mesmo uma covardia, uma preguiça que quisesse o seu eterno Retorno torna-se-ia outra coisa diferente de uma preguiça, de uma covardia: torna-se-iam ativas e potências de afirmação.
E o eterno Retorno não é só o pensamento seletivo, mas também o Ser seletivo. Só volta a afirmação, só volta aquilo que pode ser afirmado, só a alegria volta. Tudo o que pode ser negado, tudo o que é negação é expulso pelo próprio movimento do eterno Retorno. (...) O eterno Retorno é a Repetição; mas é a Repetição que seleciona, a Repetição que salva. Segredo prodigioso de uma repetição libertadora e selecionante".
Fonte: G. Deleuze, "Nietzsche" (Edições 70)
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