A filosofia é a arte de invenção de conceitos. Fazer filosofia, ou 'filosofar', implica experimentar com sistemas ou linguagens conceituais, mas não para reproduzi-los de maneira didática ou para reificá-los como princípios gerais e universais associados a uma doutrina moral, tratado lógico ou racional, mas para romper toda e qualquer estrutura de forma a elevá-la à sua última e derradeira potencia, o que significa corromper sua suposta unidade até que a multiplicidade fundante torne-se explícita e, novamente, produtiva.
Por isso, para Deleuze, experimentar filosofias não consiste em abordá-las como uma unidade - uma obra, um autor, uma teoria - que deve ser refutada ou admitida em sua totalidade. Para experimentar conceitos ou ideias não precisamos firmar compromisso com todo o castelo conceitual no qual estão imersas e com o qual formam um todo ou uma estrutura sistemática mais ou menos coerente. Não é preciso ser spinozista para experimentar algumas ideias sugeridas ou expressas na filosofia de Spinoza, apesar dessa 'experiência' ter um efeito em nossa vida. Cada autor tem sua própria caixa de ferramentas, que pode ser justaposta ou colocada em ação de forma completamente inovadora, compondo com outras ideais, autores e teorias. Afinal, é isso que torna possível colocar em relação preceitos teóricos e conceitos provenientes de filosofias 'opostas' ou supostamente incomensuráveis.
É exatamente por que os campos ideacionais estão sempre abertos ao mundo da vida - da mesma forma que o sujeito e a subjetividade - que eles podem sofrer deslocamentos, rupturas e desvios, assumindo novas formas ao serem incorporados em novos sistemas ideacionais. A filosofia deve ser sempre libertadora.
Não é preciso, portanto, tornar-se um 'spinozista' para fazer uso mais ou menos alternativo de algumas de suas ideias e conceitos. Esse seria, por assim dizer, o modo deleuzeano de se relacionar com a filosofia de Spinoza: uma experimentação com alguns de seus conceitos ou ideias, sem maior compromisso em defender didaticamente o seu sistema filosófico como um todo, mas sempre elevando essa relação com conceitos à última potência, retirando dela o maior número de possibilidades, sem nunca alcançar concretamente a sua multiplicidade virtual.
No que refere à abordagem de autores, obras e teorias, só existe uma única regra: deixem o pensamento exercer a sua função libertadora!
Mas voltando à leitura deleuziana de Spinoza, ou melhor, à minha leitura dessa leitura (o que temos são sempre interpretações de interpretações), não sejamos assim tão 'puristas'. Nesta breve postagem, gostaria apenas de esboçar anotações para uma futura reflexão sobre alguns pontos que são, por assim dizer, fundamentais para a minha (atual) relação com a filosofia deleuziana (perpassada pela sua apropriação de Spinoza). Essas anotações foram escritas a partir da leitura paralela de dois livros: "Espinoza: filosofia prática", de Gilles Deleuze (Editora Escuta); e "Ética", de Spinoza (edição bilíngue, Autêntica). Com isso, não tenho a menor pretensão em descrever o sistema filosófico de Spinoza, mas de apresentar algumas notas sobre a equação: "Deleuze + Spinoza/X = uma filosofia prática".
[A delimitação em sub-títulos dos itens aqui expostos não reflete uma pretensão de didatismo, mas busca expressar a noção subjacente de multiplicidade presente em todo e qualquer sistema conceitual, apontando para o fato dessas notas não formarem um todo "Uno" - sistema coerente de coordenadas ideacionais com latitude e longitude bem delimitadas - mas um mosaico de elementos cuja ordem pode ser invertida ou corrompida, possibilitando que cada ideia possa ser destacada individualmente e explorada enquanto um campo de problematização próprio, ou até mesmo colocado em composição com elementos ausentes].
O 'filosofar' enquanto experiência existencial de ordem prática
A primeira observação diz respeito à abordagem deleuziana de alguns conceitos e pressupostos teóricos retirados de Spinoza. Essa abordagem não deve ser meramente didática, mas um experimento de ordem prática que tem um reflexo inevitável na própria forma como vivemos e pensamos a nossa relação com o mundo. Não se trata, portanto, de reproduzir um conjunto estável de definições mais ou menos precisas de conceitos ou de repetir uma determinada linguagem conceitual, mas de retirar desses conceitos uma nova possibilidade de viver a vida. No lugar de uma aventura epistemológica e linguística, estamos diante de uma jornada ontológica:
"(...) uma única Natureza para todos os corpos, uma unica Natureza para todos os indivíduos, uma Natureza que é ela própria um indivíduo variando de uma infinidade de maneiras. Não é mais a afirmação de uma substância única, é a exposição de um
plano comum de imanência em que estão todos os corpos, todas as almas, todos os indivíduos. Esse plano de imanência ou de consistência não é um plano no sentido de um desígnio no espírito, projeto, programa, é um plano no sentido geométrico, seção, intersecção, diagrama. Então, estar no meio de Spinoza é estar nesse plano modal, ou melhor, instalar-se nesse plano; o que implica um modo de vida, uma maneira de viver. Em que consiste esse plano e como construí-lo? Pois é ao mesmo tempo completamente plano de imanência, e todavia deve ser construído, para que se viva de maneira espinosista" ("Spinoza: filosofia prática" - G. Deleuze, p. 127).
Não se trata, portanto, de
interpretar,
explicar ou
compreender Spinoza, mas de viver e experimentar (com) o seu pensamento.
Spinoza propõe o corpo como modelo para pensar o pensamento
Estamos diante de um 'Spinoza Materialista', mas não se trata de inverter a assimetria histórica entre alma e corpo, onde o fortalecimento de um implica na anulação do outro (e vice-versa, como nos 'perigos da carne ao bem estar espiritual'), mas em defender um 'paralelismo' entre corpo e espírito.
"Trata-se de mostrar que o corpo ultrapassa o conhecimento que dele temos, e
o pensamento não ultrapassa menos a consciência que dele temos. (...) Procuramos adquirir um conhecimento das potências do corpo para descobrir
paralelamente as potências do espírito que escapam à consciência, e poder
compará-los" (Idem, p. 24)
.
Na "Ética", de Spinoza, o que é ação na alma é também ação no corpo. As ideias possuem extensão corporal, assim como todo corpo possui um caráter ideacional: "(...) que a mente e o corpo são uma só e mesma coisa, a qual é concebida ora sob o atributo do pensamento, ora sob o da extensão. Disso resulta que a ordem ou a concatenação das coisas é uma só, quer se conceba a natureza sob um daqueles atributos, quer sob o outro e, consequentemente, que a ordem das ações e das paixões de nosso corpo é simultânea, em natureza, à ordem das ações e das paixões da mente" ("Ética" - Spinoza, terceira parte, p. 100).
"Assim, a própria experiência ensina, não menos claramente que a razão, que os homens se julgam livres apenas porque estão conscientes de suas ações, mas desconhecem as causas pelas quais são determinados. Ensina também que as decisões da mente nada mais são do que os próprios apetites: elas variam, portanto, de acordo com a variável disposição do corpo. (...) Sem dúvida, tudo isso mostra claramente que tanto a decisão da mente, quanto o apetite e a determinação do corpo são, por natureza, coisas simultâneas" (Ibidem, p. 102-3).
O corpo como o efeito da dinâmica de múltiplas singularidades ou forças que entram em composição
Os corpos são definidos por Spinoza de duas formas: a) "todo corpo comporta uma infinidade de partículas: são as relações de repouso ou movimento, de velocidades e de lentidões entre partículas que definem um corpo, a individualidade de um corpo" (Deleuze, idem, p. 128); b) "um corpo afeta outros corpos, ou é afetado por outros corpos: é este poder de afetar e ser afetado que também define um corpo em sua individualidade" (Ibidem). "O importante é conceber a vida, cada individualidade de vida, não como uma forma, mas como uma relação complexa entre velocidades diferenciais, entre abrandamento e aceleração de partículas. (...) Concretamente, se definirmos os corpos e os pensamentos como poderes de afetar e ser afetado, muitas coisas mudam. Definiremos um animal, ou um homem, não por sua forma ou por seus órgãos e suas funções, e tampouco como sujeito: nós o definiremos pelos afetos de que ele é capaz" (ibidem).
Primeira observação: todo corpo é composto por forças ou singularidades que entram em relação de associação, formando um sistema dinâmico e múltiplo. Esse sistema possui um certo grau de intensidade, marcado por um ritmo de composição e expressão de partículas menores. O corpo é, portanto, uma unidade que não anula a multiplicidade, mas se compõe através dela, uma multiplicidade em potencial (virtual), viva e atuante. Um conjunto de órgãos que estão em relação de associação entre si, que estabelecem um ritmo de composição, que se colocam em movimento de convergência e divergência, formando um coletivo mais amplo, uma individualidade.
Segunda observação: a tese do paralelismo. Toda ideia é composta por forças ou singularidades que entram em relação de associação, formando um sistema dinâmico e múltiplo... (idem). As ideias existem como forças que entram em relação de associação ou dissociação, formando sistemas mais amplos, configurando novos campos de problematização. Se o corpo é coletivo, a mente também é. O pensamento implica a multiplicidade, constituindo-se através dela, alimentando-se de sua potencialidade virtual.
Os corpos são conjuntos dinâmicos de afetos e afecções e não podem ser avaliados a partir da sua forma ou função, mas a partir da sua potência de afetar e ser afetado por outros corpos
"Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções.
Explicação. Assim, quando podemos ser a causa adequada de alguma dessas afecções, por afeto compreendo, então, uma ação; em caso contrário, uma paixão.
Postulados: 1. O corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, enquanto outras tantas não tornam sua potência de agir nem maior nem menor" (Ética, Spinoza, p. 99).
Desvalorização de todos os valores e sobretudo do bem e do mal (Spinoza, o imoralista)
Se todos os corpos são caracterizados, por um lado, pelo ritmo e intensidade das forças que entram em composição e, por outro lado, pela capacidade de afetar e ser afetado, deduzi-se daí que todo e qualquer corpo possui sua integridade demarcada pela sua potência (afecções + afetos, que dizem respeito a sua relação com outros corpos) e pela sua dinâmica (certo ritmo ou intensidade de movimentos que demarca a sua individualidade), isso significa que a continuidade de um corpo depende da manutenção dessas duas variáveis em limites aceitáveis.
Ao mesmo tempo, tanto os corpos como as ideias (tese do paralelismo) entram constantemente em relação de composição, atraindo-se ou repelindo-se conforme a situação e o contexto relacional, sendo que essas relações podem ser benéficas ou maléficas no que se refere à manutenção dos dois atributos que caracterizam toda e qualquer corporalidade. Isso significa que aquilo que é 'bom' contribui para potencializar ou fortalecer seja a potência de um corpo (sua capacidade de afetar ou ser afetado), seja a dinâmica (ritmo e intensidade das forças que o compõem), sendo 'mal' tudo aquilo que contribui para transformações ou mutações que alteram esse estado individual.
"O bom existe quando um corpo compõe diretamente a sua relação com o nosso, e, com toda ou com uma parte de sua potência, aumenta a nossa. Por exemplo, um alimento. O mal para nós existe quando um corpo decompõe a relação do nosso, ainda que se componha com nossas partes, mas sob outras relações que aquelas que correspondem à nossa essência: por exemplo, como um veneno que decompõe o sangue. Bom e mau têm pois um primeiro sentido, objetivo, mas relativo e parcial: o que convém a nossa natureza e o que não convém. E, em consequência, bom e mau têm um segundo sentido, subjetivo e modal, qualificando dois tipos, dois modos de existência do homem: será dito
bom (ou livre, ou razoável, ou forte) aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os encontros, por se unir ao que convém à sua natureza, por compor a sua relação com relações combináveis e, por esse meio, aumentar a sua potência. Dir-se-á
mau, ou escravo, ou fraco, ou insensato, aquele que vive ao acaso dos encontros, que se contenta em sofrer as consequências, pronto a gemer e a acusar toda vez que o efeito sofrido se mostra contrário e lhe revela a sua própria impotência" (Deleuze, Idem, p. 28-9).
Bom e
Mau, portanto, não são categorias absolutas, determinadas por uma moral que busca universalizar valores transcendentes, válidos para todos os homens, em todos os tempos, em todas as situações históricas.
Alguns exemplos que me ocorrem neste momento.
Um homem intempestivo e raivoso - cujas forças internas se compõem de determinada forma, caracterizando um ritmo de intensidade e potência - não é, em si mesmo, um homem mau. Ele será (ou poderá) ser mau para uma pessoa pacífica, medrosa e indefesa, quando e se essa pessoa entrar em uma trajetória de conflito com ele - principalmente em situações em que o segredo garante o anonimato da ação ou quando esse homem mau for também ateu, destemido, ladrão, louco ou assassino. Esse encontro (ou desencontro) poderá significar o aniquilamento da pessoa pacífica e medrosa diante da pessoa destemida, aguerrida e raivosa, evento permeado por um conjunto de condicionantes externos (bebidas, paixões, angústias, imagens-afetos). Mas, quando o homem raivoso e destemido é colocado em uma situação de guerra, ali, no campo de batalha, a sua raiva torna-se em elemento de libertação, será o veiculo ou a ferramenta utilizada para libertar o povo da opressão de um ditador. Um exército de homens raivosos pode representar a 'salvação de uma nação', ou a sua redenção (como nas Cruzadas Cristãs). A raiva e o ódio - em ocasiões específicas - são atributos facilmente transformados em ferramentar de libertação 'divina'. Assim como a coragem pode ser o veículo de uma grande tragédia ou a desatenção ser o motivo de um acidente terrível ou de uma grande descoberta científica. Assassinos comuns também são transformados em verdadeiros heróis. 'Salvadores da pátria' podem ser raivosos, opressores e destemidos e, mesmo assim, serem considerados 'benevolentes' ou até mesmo 'divinos'.
O fogo pode entrar em diferentes composições com o meu corpo, algumas delas benéficas (o fogo que esquenta o corpo em uma noite fria), outras extremamente maléficas (o corpo que queima a pele), mas o fogo 'em si' não é bom ou mau. Ele pode, por exemplo, servir para cozinhar alimentos ou para afastar inimigos, mas também ser o veículo da destruição e da tragédia coletiva ao destruir uma floresta ou uma cidade.
A planta é composta por um conjunto de elementos ou substâncias, cada uma definida por um conjunto de afecções e afetos, que entram em relação de associação ou dissociação, formando coletivos bioquímicos maiores, que podem agir de forma sistêmica, produzindo certo número de efeitos ou ações em outros corpos ou seres. Esses elementos ou substâncias que entram em relação de composição podem contribuir para fortalecer ou enfraquecer o corpo ou o espírito, podem compor com outros corpos de diferentes formas e em diferentes ritmos. A planta é um conjunto dinâmico de afetos e afecções, uma multiplicidade virtual associada com outros organismos e seres. Essa associação pode ser benéfica ou maléfica conforme a qualidade da relação, resultando em substração, soma ou multiplicação de potência. A planta pode servir de alimento, medicamento ou até mesmo veneno, produzindo efeitos diferenciados conforme a relação entre suas propriedades ou atributos e as afecções do corpo ou indivíduo com o qual ela entra em associação. Mas a planta, 'em si', não é boa ou má, ela apenas produz associações benéficas ou maléficas para este ou aquele corpo, podendo curar, alimentar ou matar.
A crítica das paixões tristes
Todo individuo é caracterizado pela forma como afeta e é afetado por outros corpos e pela dinâmica das forças que entram em sua composição. Desta forma, a liberdade de ação consiste em buscar 'compor' preferencialmente com outros corpos (ou indivíduos) que agregam vitalidade e potência a nossa existência, seja ampliando a nossa capacidade de afetar e ser afetado, seja fornecendo os elementos necessários para a manutenção da nossa dinâmica individual (certo ritmo ou intensidade que nos caracteriza diante dos demais corpos).
"Temos três componentes: 1º) nossa essência singular eterna; 2º) nossas relações características (de movimento e de repouso), ou nossos poderes de ser afetado; 3º) as partes extensivas que definem a nossa existência na duração e pertencem à nossa essência enquanto efetuam esta ou aquela de nossas relações (do mesmo modo as afecções externas que preenchem a nossa potência de ser afetado). O 'mau' é quando partes extensivas que nos pertenciam sob uma relação são determinadas do exterior a entrar sob outras relações; ou então quando uma afecção nos toca e excede o nosso poder de ser afetado. Nesse caso, dizemos que nossa relação é decomposta, ou que nosso poder de ser afetado foi destruído" (Ibidem, p. 48).
O homem
bom é aquele que busca orientar suas ações de forma a compor positivamente com outros corpos (ou ideias). O resultado de uma composição positiva com o mundo da vida, efeito de associações que somam ao invés de subtrair, resulta na
alegria que emana naturalmente do homem bom, do homem que orienta suas ações buscando a intensificação da sua potência ou vontade de poder. Isso nem sempre resulta em uma atitude 'justa' ou 'boa' diante de toda e qualquer situação da vida, nem mesmo produz necessariamente 'bondade', apesar de possibilitar a afirmação de uma potência e de uma vida sobre outras vidas. O homem bom, de fato, não é bom para todos ou sempre, mas apenas parcialmente e sempre em um sentido único: a sua bondade potencializa a sua força e, desta forma, a própria Natureza. Como todos os corpos e todas as ideias fazem parte de uma única substância, mesmo o homem bom sabe oferecer-se em sacrifício no momento apropriado e, se for realmente 'bom', saberá também tirar o maior proveito disso que puder. Esse é, afinal, o caminho para a eternidade.
Já o homem
mau ou
fraco é aquele que se deixa levar por suas paixões e afecções, compondo com outros corpos (ou indivíduos) de maneira a se decompor com o tempo, ou seja, minimizando sua dinâmica individual e sua capacidade de afetar e ser afetados pelos outros. O homem fraco não conhece a si mesmo e aos outros, suas ações são sempre reações ocasionais e oportunistas que o impedem de poder equacionar produtivamente a sua existência. Ele se deixa conduzir pelas suas paixões, afetando-se conforme o acaso e o destino, sem nunca assumir a responsabilidade de conduzir a si próprio e aos outros diante da tormenta. O homem fraco está sempre reclamando da vida, dos infortúnios de outrem e de si mesmo, transformando-se em vítima, justificando seus atos pela fraqueza diante de paixões e desejos que não consegue explicar. O homem mau justifica sua maldade pela fraqueza dos outros, mas sem nunca entender a química que movimenta os corpos, incluindo o seu. Como um louco perdido, o homem fraco vaga sem rumo, trocando alguns segundos de alegria por uma vida de tristeza e amargura existencial.
"O bom e o mau são duplamente relativos, e exprimem-se um em relação ao outro, e ambos em relação a um modo existente. São os dois sentidos da variação de potência de agir: a diminuição desta potência (tristeza) é má, seu aumento (alegria) é bom. Objetivamente, é bom, desde logo, o que aumenta ou favorece nossa potência de ação, e mau o que a diminui ou a impede; não conhecemos o bom e o mau a não ser pelo sentimento de alegria ou de tristeza de que estamos conscientes. Como a potência de agir é o que abre o poder de ser afetado ao maior número de coisas, é com aquilo que dispõe o corpo de tal maneira que possa ser afetado pelo maior número de modos" (Ibidem, 60).
Spinoza e a filosofia da vida
"Há, efetivamente, em Spinoza, uma filosofia da 'vida': ela consiste precisamente em denunciar tudo o que nos separa da vida, todos esses valores transcendentes que se orientam contra a vida, vinculados às condições e às ilusões de nossa consciência. (...) quando encontramos um corpo exterior que não convém com o nosso (isto é, cuja relação não se compõe com a nossa), tudo ocorre como se a potência de agir é
diminuída ou impedida, e que as paixões correspondentes são de
tristeza. Mas, ao contrário, quando encontramos um corpo que convém à nossa natureza e cuja relação se compõe com a nossa, diríamos que a sua potência se adiciona à nossa: as paixões que nos afetam são de
alegria, nossa potência de agir é ampliada ou favorecida. Esta alegria é ainda uma paixão, visto que tem uma causa exterior; permanecemos ainda separados de nossa potência de agir, não a possuímos formalmente. Esta potência de agir não deixa de aumentar de modo proporcional, 'aproximando-nos' do ponto de conversão, do ponto de transmutação que nos torna-rá senhores dela, e por isso dignos de ação, de alegrias ativas" (Ibidem, 33-4).