"A de 'transformação' tem um espaço capital em suas análises de o Pensamento Selvagem como igualmente será o caso em Mitológicas. A quem o senhor tomou de empréstimo? Aos lógicos?"
"Nem aos lógicos nem aos linguistas. Veio-me de uma obra que para mim desempenhou um papel decisivo, e que li durante a guerra, nos Estados Unidos: On Growth and Form, em dois volumes, de D'arcy Wentworth Thompson, publicada pela primeira vez em 1917. O autor, naturalista escocês, interpretava como transformações as diferenças visíveis entre as espécies e órgãos animais ou vegetais no seio de um mesmo gênero. Isso foi uma iluminação, tanto que logo iria perceber que esta maneira de ver inscrevia-se numa longa tradição: antes de Thompson, havia a botânica de Goethe, e antes de Goethe, Albert Dürer, com seu Traité de la proportion du cosps humain.
Ora, a noção de transformação é inerente à análise estrutural. Diria, até, que todos os erros, todos os abusos cometidos, sobre ou com a noção de estrutura, provêm do fato de seus autores não compreenderem que é impossível concebê-la separada da noção de transformação. A estrutura não se reduz ao sistema: conjunto composto de elementos e de relações que os unem. Para que se possa falar de estrutura, é necessário que entre os elementos surjam relações invariantes, de tal forma que se possa passar de um conjunto a outro por meio de uma transformação.
Um outro itinerário, que os historiadores das ideias saberiam traçar melhor, introduziu a noção de transformação em linguística, talvez também a partir de Goethe, por intermédio de Guillaume de Humboldt e Baudoin de Courtenay. Quando se tenta dar conta da diversidade, seja qual for o domínio considerado, das diferentes maneiras pelas quais os elementos podem ser combinados, impõe-se o recurso à noção de transformação.
Se invoco um único princípio, o intercâmbio das mulheres entre os subgrupos da sociedade, para ficar a par de todas as regras de casamento, é necessário que essas regras, diferentes conforme a época e o lugar, se reduzam a estados de uma mesma transformação. O mesmo acontece quando o linguista prepara o repertório de fenômenos que o aparelho vocal consegue articular, e destaca as limitações a que cada língua deve curvar-se para retirar desse fundo comum os elementos de seu sistema fonológico particular. A própria noção de fenômeno implica que as propriedades divergentes dos sons, tal como a fonética os registra, constituam-se em transformações opcionais ou contextuais de uma realidade invariante, num nível mais profundo."
Referência: LÉVI-STRAUSS, C. e ERIBON, D. 2005. De perto e de longe. São Paulo: Cosac Naify.
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