quarta-feira, 6 de abril de 2011

Nota da OEA sobre a UHE Belo Monte

A Organização dos Estados Americanos (OEA) - através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) - sugeriu ao governo brasileiro a suspensão da licença de início das obras do Complexo Hidroelétrico de Belo Monte. A declaração da entidade foi em resposta à denúncia realizada pelo Movimento Xingu Vivo e mais 40 instituições mobilizadas em torno da defesa dos direitos dos povos diretamente impactados pela construção da usina. A Comissão também recomenda que o Governo Brasileiro realize o processo de “consulta prévia, livre e informada” das comunidades locais. Segue o trecho principal do documento:

“A CIDH solicita ao Governo de Vossa Excelência que suspenda imediatamente o processo de licenciamento da UHE Belo Monte e impeça a realização da obra até que sejam observadas as seguintes condições mínimas:

Cumprir a obrigação de realizar processos de consulta, de acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e jurisprudência do sistema interamericano, no sentido de que a consulta seja prévia, livre, informada, de boa fé, culturalmente adequada, com o objetivo de chegar a um acordo, e com a observância dos demais requisitos anteriormente enunciados, em relação com cada uma das comunidades indígenas afetadas, as quais são beneficiárias das presentes medidas cautelares”

O governo respondeu à OEA através de um comunicado do Itamaraty, onde menciona - com "perplexidade" - que a obra foi autorizada pelo Congresso Nacional, que determinou a realização de todos os procedimentos de licenciamento ambiental e dos estudos antropológicos, “com a devida consulta às comunidades indígenas localizadas na área”. O documento também afirma que a FUNAI e o IBAMA ficaram responsáveis pela realização da “consulta”.

A suposta “perplexidade” do governo diante do comunicado da OEA não é justificável, já que as comunidades da região estão mobilizadas em torno da questão há muito tempo e já manifestaram seu posicionamento contrário à obra em diversas ocasiões. A presidência da república, no entanto, tem se negado a debater a questão, agindo de forma autoritária diante das demandas colocadas pelo Movimento Xingu Vivo e outros setores da sociedade civil organizada. Por outro lado, é de conhecimento público e notório que os procedimentos de licenciamento ambiental não foram realizados com o “rigor” anunciado na nota do Itamaraty, pois a Casa Civil, em 2009/10, então sob o comando direto de Dilma, fez de tudo para atropelar o processo, manipulando cargos de confiança em setores estratégicos da FUNAI e do IBAMA com o objetivo de “agilizar” os procedimentos de liberação da obra. Da mesma forma, o processo de consulta às comunidades locais não foi realizado de forma “livre e informada”. 

Além do mais, é importante notar que existe uma demanda pública de que o tema da nossa matriz energética seja debatido publicamente, levando em conta os diversos interesses envolvidos na questão. Essa demanda, no entanto, vem sendo ignorada pelo Governo, que continua reproduzindo a sua visão desenvolvimentista sobre o assunto. As justificativas para a realização da obra anunciadas pelo governo são todas de ordem econômica, sem levar em conta valores políticos, culturais, ambientais e sociais que envolvem ações governamentais de grande impacto na sociedade local. Sob a alegação de que a obra é viável do ponto de vista econômico, todos os demais interesses envolvidos na questão têm sido completamente ignorados.   

A nota foi anunciada na Mídia, que deu ênfase à resposta do governo brasileiro e minimizou as declarações da OEA. Os líderes da oposição (PSDB) e do governo (PT e partidos aliados) defenderam a realização da obra, mostrando consenso sobre a questão. Segundo eles, o que está em jogo em Belo Monte são os chamados “interesses nacionais” e a questão da “soberania nacional”.

É importante notar que tanto a esquerda como a direita é completamente obcecada com o discurso “nacionalista” – no estilo “segurança nacional” - implantada e disseminada nos anos de chumbo do Regime Militar. Um nacionalismo conservador, baseado em uma visão limitada do que é o Brasil e do que é a sociedade brasileira. Afinal, o interesse econômico das empresas que vão lucrar com a construção da obra e das indústrias que vão se beneficiar da energia elétrica não pode ser traduzido enquanto “interesse nacional”, pelo menos não sem um debate público sobre a questão. Afinal, a recente manifestação dos trabalhadores que estão atuando nas grandes obras do PAC sobre as péssimas condições às quais estão submetidos e os baixos salários que recebem revela que o tal "interesse nacional" nada mais é do que a reprodução de uma velha e conhecida prática da elite brasileira: transformar seus interesses privados em "interesses nacionais", mobilizando a opinião pública a seu favor. 

E o interesse das populações locais – índios e ribeirinhos que vivem do rio Xingu – não é “interesse nacional”? Apenas os empresários que vão lucrar com a obra ou com a energia que será gerada são “brasileiros”? Que visão de Brasil é esse que a nossa ilustre presidenta da república defende? Afinal, não é ela que tanto se diz defensora dos direitos humanos? Por que, então, desrespeitar os direitos humanos dessas populações? Afinal, o direito a desfrutar uma vida digna e a um meio ambiente saudável também é um direito humano que, neste caso, está sendo negado em detrimento dos interesses econômicos de certos setores da sociedade. Será que o “interesse” dos ribeirinhos e dos índios que vivem na região não é interesse nacional? Até quando vamos reproduzir essa visão colonial de uma nação que nega a existência e os interesses de seus próprios cidadãos? 


Mais uma vez, sob a alegação de que os nossos índios e ribeirinhos estão sendo manipulados por "forças estrangeiras", o direito desses populações são anulados por aqueles que se dizem seus defensores. O mais lamentável em tudo isso é o extremo autoritarismo do atual governo, que se nega a debater publicamente quais são, de fato, os interesses nacionais que estão em jogo na construção de Belo Monte. A unica coisa "surpreendente" nesse contexto (mas bastante previsível), é o alinhamento do PT e do PSDB na defesa de uma mentalidade desenvolvimentista que já se demonstrou extremamente prejudicial ao Brasil e aos brasileiros. 

2 comentários:

Anônimo disse...

o governo brasileiro esta coberto de razao tem que olhar o tema de maneira global, pois o fato ira beneficiar todos os brasileiros, pois ira assegurar condiçoes para nossa economia continuar crescendo. o que provoca dor de cotovelo em naçoes extrangeiras que vem com esta conversa de proteger indio, tentando impacar nossa economia... mas nao vao conseguir pois o caminho do brasil eh ser grande, com um povo com melhoes condiçoes de vida. e que cada pais cuide de seu quintal, e se preocupe menos com outros que estao conquistando espaço... parabens governo brasileiro.

Anônimo disse...

Não concordo com a afirmação do nosso anônimo acima de que a construção de Belo Monte irá beneficiar "todos os brasileiros". De fato, as manifestações dos trabalhadores que estão atuando nas grandes obras do PAC é um ótimo indicativo de que nem mesmo eles estão sendo beneficiados com essas obras, pois recebem salários baixos e estão submetidos a péssimas condições de trabalho. E depois, essa visão de que toda forma de desenvolvimento é necessariamente positiva é uma grande mentira. Nunca foi assim, inclusive durante o período do chamado "milagre econômico". Os brasileiros (e estrangeiros) que se beneficiam dessas obras são os empresários e os donos das grandes indústrias. Por último, é importante notar que o que está em jogo para as populações indígenas e ribeirinhas atingidas por Belo Monte também é a sua "condição de vida", pois eles vivem do peixe que dá no rio. É realmente lamentável que um governo de esquerda, que se apresenta como defensor dos direitos humanos, esteja literalmente "atropelando" o direito de consulta dessas populações e todas as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário!

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