Parte I
Entre os dias 17 e 31 de julho de 2010, viajei para o sudeste do Pará para participar como instrutor de um curso de campo sobre a interface entre povos indígenas e conservação ambiental. A iniciativa é resultado de uma parceria entre a Universidade de Maryland, a Universidade de Brasília, a Associação Floresta Protegida (AFP) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A minha primeira experiência com o curso ocorreu em 2008, quando participei como estudante da UNB. Já neste ano, a minha inserção se deu na condição de “colaborador” da AFP, ONG que representa 9 aldeias Kayapó localizadas na TI Kayapó. Para saber informações mais detalhadas sobre o histórico e os objetivos do curso, ver na página deste blog (que tem o mesmo título desta postagem).
A minha jornada teve início no dia 17, em Brasília, quando embarquei num vôo em direção à cidade de Marabá, localizada na região sudeste do Pará, na companhia dos dois estudantes da UNB que participaram do curso e Maria Beatriz Ribeiro, instrutora da área de ecologia. Ao chegar nessa cidade, cuja povoação teve início ao final do século XIX, notei que a grande nuvem de poeira que paira sobre a região é mais um dos sinais do ritmo frenético de crescimento que esta cidade tem enfrentado nos últimos 15 anos, além das máquinas e canteiros de obras que se espalham por toda parte.
Ao desembarcar no aeroporto, encontramos o grupo de estudantes norte-americanos e a outra instrutora do módulo da aldeia A’Ukre, a antropóloga Laura Zanotti. Ao entrar no ônibus, a expressão do grupo apontava para o extremo cansaço após 9 horas de deslocamento entre Belém e Marabá. Dali seguimos viagem até Tucumã, pequena cidade localizada mais ao sul, onde encontramos o quarto instrutor do curso, o ecólogo Adriano Jerozolimskie, que também exerce a função de coordenador da AFP. O percurso até lá foi um pouco conturbado devido à péssima qualidade das estradas. Lembro que, em 2008, quando estive na região pela primeira vez, o mesmo trecho rodoviário estava em melhores condições, o que indica a má qualidade do asfalto usado na pavimentação da estrada, que até pouco tempo atrás era de terra batida.
Ficamos em Tucumã somente até a manha do dia 19, quando partimos em quatro pequenos aviões em direção à aldeia A’Ukre, localizada na TI Kayapó. Durante esse breve período, aproveitamos para nos conhecermos melhor, fazer a última compra de mantimentos e finalizar a organização do cronograma de atividades que seriam realizadas tanto na aldeia como na base científica do Pinkaiti. A maior parte dos nossos mantimentos tinha sido enviada via barco alguns dias antes e estava a nossa espera na aldeia.
A viagem até a A’Ukre foi uma experiência incrível. Sobrevoamos a TI Kayapó até chegarmos à aldeia. O vôo foi maravilhoso. Como esse tipo de aeronave voa em menor altitude e o céu estava claro, foi possível observar a zona de transição entre o Cerrado e a Floresta Tropical, uma das regiões mais lindas da Amazônia. Na medida em que nos aproximamos da aldeia, o tapete verde abaixo de nós foi assumindo proporção exuberante, revelando que estávamos entrando na terra indígena dos Kayapó, uma gigantesca “ilha verde” que resiste ao avanço do chamado arco do desmatamento.
A chegada na A’Ukre foi repleta de alegria. Ao descer do avião, recebi as boas vindas de Begoti (Tiago), jovem liderança Kayapó (em torno de 40 anos) que conheci em 2008, durante a viagem que fizemos pelo rio Xingu, ocasião em que visitamos outras duas aldeias Kayapó (Kokraimoro e Pukararânkre). Tanto ele como os demais indígenas que estavam nos aguardando na pista de avião da aldeia pareciam felizes ao nos ver ali.
Neste primeiro dia na aldeia, almoçamos e aproveitamos o restante da tarde para tomar banho no rio Fresco, um dos inúmeros afluentes do rio Xingu. No final do dia, nos reunimos na Casa dos Guerreiros, localizada ao centro da aldeia, com os dois caciques da A’Ukre e seus respectivos grupos políticos. Após as devidas apresentações, Adriano falou sobre o carregamento de miçangas adquirido – por vontade e decisão direta da comunidade – com a taxa comunitária paga por cada estudante norte-americano (U$ 400,00): nada mais, nada menos do que 150 kg de miçangas que seriam usadas logo após a nossa saída da aldeia numa cerimônia de nomeação, um dos momentos mais importantes da vida ritual Kayapó. Também discutimos com a comunidade quais os instrutores indígenas que participariam do curso neste ano, além de esclarecimentos sobre a sua remuneração.
Ainda quando estávamos em Tucumã, decidimos dividir os estudantes (8 norte-americanos e 2 brasileiros) em dois grupos: o primeiro grupo ficaria na aldeia, enquanto o outro permaneceria na base científica de Pinkaiti, com previsão de troca no dia 24, sendo que o retorno do “grupo b” estava previsto para o dia 28, com previsão de retorno para Tucumã na manha do dia 30. Eu e Laura Zanotti ficamos responsáveis por conduzir as atividades na aldeia, enquanto Adriano e Fabiana (ambos responsáveis pelo tópico de conservação ambiental) ficaram locados na base científica.
Nos dias seguintes, ambos os grupos vivenciaram o mesmo ciclo de atividades na aldeia: oficina de etnografia e anotações de campo; visita às roças para apreender sobre o trabalho e a variedade de espécies agrícolas cultivada pelos Kayapó; pintura corporal; conversa com os caciques sobre a política aldeã; caminhadas na aldeia para apreender a distribuição do espaço sociopolítico e sua organização comunitária; trilhas na companhia dos instrutores indígenas; discussão sobre os serviços de educação e saúde na aldeia; direitos de imagem; a problemática da regulamentação jurídico-governamental do “acesso” aos “conhecimentos tradicionais associados” ao “patrimônio genético”; consentimento informado, repartição de benefícios e direitos indígenas. Todas essas atividades foram seguidas de seminários de discussão e leitura realizados à noite. Já durante a permanência na base científica, cada um dos grupos fez diversas trilhas no meio da mata para identificação dos diferentes tipos de paisagem; visitou uma cachoeira; fez trilhas e saiu para pescar com os instrutores indígenas e não-indígenas; realizou seminários sobre temas relacionados à conservação ambiental na região; e assistiu documentários sobre povos indígenas. Durante o período que os estudantes permaneceram em Pinkaiti, eles tiveram a companhia constante de 8 instrutores indígenas e retornaram para a aldeia com um pequeno vocabulário em língua Kayapó, que depois tentaram colocar em prática durante o seu período na aldeia. Além das atividades previstas no cronograma oficial do curso, costumávamos receber visitas constantes dos kayapós de manha, de tarde e a noite, além dos estudantes terem participado de momentos mais informais da vida comunitária: banhos de rio no final da tarde, jogos de futebol, festa e pesca. Já no segundo dia de permanência na aldeia, todos os estudantes tiveram os seus corpos pintados com jenipapo, dando início a um processo de imersão na vida comunitária que teve como momento chave o recebimento de “nomes fictícios” na língua indígena.
Esse cronograma de atividades foi elaborado com o objetivo de oferecer aos estudantes uma vivência in situ de aspectos importantes da vida social da comunidade e ao mesmo tempo ter contato com a abordagem antropológica e biológica do tema geral do curso: a relação entre povos indígenas e conservação ambiental.
Continua em breve...
Um comentário:
Muito bom!
Me deixou saudoso já!
Ótima experiência,
um Abraço!
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