quinta-feira, 9 de abril de 2009

CARTA DE SÃO LUÍS DO MARANHAO
02/02/2004

Nós, representantes indígenas no Brasil pluriétnico onde vivem 220 povos, falando 180 línguas distintas entre si, com uma população de 360 mil indígenas, ocupando 12% do território brasileiro, reunidos na cidade de São Luís do Maranhão, de 04 a 06 de dezembro do 2001, para discutir o tema “A Sabedoria e a Ciência do Índio e a Propriedade Industrial”, convidados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), declaramos: 1. Que nossas florestas têm sido mantidas preservadas graças aos nossos conhecimentos milenares; 2. Como representantes indígenas, somos importantes no processo da discussão sobre o acesso à biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais conexos porque nossas terras e territórios contem a maior parte da diversidade biológica do mundo, cerca de 50%, e que têm um grande valor social, cultural, espiritual e econômico. Como povos indígenas tradicionais que habitam diversos ecossistemas, temos conhecimentos sobre o manejo e o uso sustentável desta diversidade biológica. Este conhecimento é coletivo e não é uma mercadoria que se pode comercializar como qualquer objeto no mercado. Nossos conhecimentos da biodiversidade não se deparam de nossas identidades, leis, instituições, sistemas de valores e da nossa visão cosmológica como povos indígenas; 3. Recomendamos ao governo do Brasil que abra espaço para que representação das comunidades indígena possa participar no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético; 4. Recomendamos ao governo brasileiro que regulamente por lei o acesso recursos genéticos e conhecimentos tradicionais conexos, discutindo amplamente com as comunidades e organizações indígenas; 5. Nós, representantes indígenas, expressamos firmemente aos governos e aos organismos internacionais nosso direito à participação plena nos espaços de decisões nacionais e internacionais sobre biodiversidade e conhecimentos tradicionais como na Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), na Comissão das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Comitê Intergovernamental de Propriedade Intelectual relativo a Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Folclore da OMPI, entre outros organismos; 6. Recomendamos que os países aprovem o Projeto de Declaração da ONU sobre Direitos Indígenas; 7. Como representantes indígenas, afirmamos nossa posição a toda forma de patenteamento que provenha da utilização dos conhecimentos tradicionais e solicitamos a criação de mecanismos de punição para coibir o furto da nossa biodiversidade; 8. Recomendamos a criação de um fundo financiado pelos governos e gerido por uma organização indígena que tenha como objetivo subsidiar pesquisas realizadas por membros das comunidades; 9. Recomendamos ao Governo Federal a criação de cursos de capacitação e treinamento de profissionais indígenas na área dos direitos dos conhecimentos tradicionais; 10. Recomendamos que seja realizado um II Encontro de Pajés sobre a Convenção da Biodiversidade Biológica e Conhecimentos Tradicionais; 11. Recomendamos que seja assegurada a criação de um Comitê Indígena para o acompanhamento dos processos de discussão e planejamento da produção dos Conhecimentos Tradicionais; 12. Recomendamos que o governo adote uma política de proteção da biodiversidade e sociodiversidade destinada ao desenvolvimento econômico sustentável dos povos indígenas. É fundamental que o governo garanta recursos para as nossas comunidades desenvolverem programas de proteção dos conhecimentos tradicionais e preservação das espécies in situs; 13. Até que o Congresso Nacional brasileiro aprove o projeto de lei 2057/91 que institui o Estatuto das Sociedades Indígenas, parado na Câmara dos Deputados, há mais de 10 anos e a ratificação da Convenção 169 da OIT, parada no senado há mais de oito anos e já aprovado pela Câmara dos Deputados, propomos que os povos indígenas discutam a necessidade do estabelecimento de uma moratória na exploração comercial dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos; 14. Propomos aos governos que reconheçam os conhecimentos tradicionais como saber e ciência, conferindo-lhes tratamento eqüitativo em relação ao conhecimento científico ocidental, estabelecendo uma política de ciência e tecnologia que reconheça a importância dos conhecimentos tradicionais; 15. Propomos que se adote instrumento universal de proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais, um sistema alternativo, sistema sui generis, distinto dos regimes de proteção dos direitos de propriedade intelectual e que entre outros aspectos contemple: o reconhecimento das terras e territórios indígenas e conseqüentemente a sua demarcação; o reconhecimento da propriedade coletiva dos conhecimentos tradicionais como imprescritíveis e impenhoráveis e dos recursos como bens de interesse público; Com direito aos povos e comunidades indígenas locais negarem o acesso aos conhecimentos tradicionais e aos recursos genéticos existentes em seus territórios; do reconhecimento das formas tradicionais de organização dos povos indígenas; da inclusão do pressentimento prévio informado e uma clara disposição a respeito da participação dos povos indígenas na distribuição eqüitativa de benefícios resultantes da utilização destes recursos e conhecimentos; permitir a continuidade da livre troca entre Povos indígenas dos seus recursos e conhecimentos tradicionais; 16. Propomos que a criação de bancos de dados e registros sobre os conhecimentos tradicionais seja discutida amplamente com comunidades e organizações indígenas e que a sua implantação seja após a garantia dos direitos mencionados neste documento. Neste encontro estão reunidos membros das comunidades com fortes tradições bem assim como líderes experts para formular estas recomedações e propostas. Preocupados com o avanço da bioprospecçao e o futuro da humanidade, dos nossos filhos e dos nossos netos que, reafirmamos aos governos que firmemente reconhecemos que somos detentores de direitos e não simplesmente interessados. Por esta razão, temos certeza de que as nossas recomendações e proposições serão acatadas para a melhoria da humanidade.

Em São Luís do Maranhão, 06 de Dezembro de 2001.


Fonte: http://www.inbrapi.org.br/abre_artigo.php?artigo=6

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