Este post é para os meus alunos de antropologia, um reforço para a prova da próxima semana. Os trechos abaixo são sobre o antropólogo Franz Boas e a sua concepção de cultura, que influenciou toda uma geração de antropólogos norte-americanos.
Sobre a origem de Boas
"Boas (1858-1942) era oriundo de uma família judia alemã de espírito liberal. Sensível a questão do racismo, ele mesmo fora vítima do anti-semitismo de alguns de seus colegas de universidade. Estudou em diversas universidades da Alemanha, primeiramente cursando física, depois matemática e finalmente geografia (física e humana). Em 1883/84, ele participou de uma expedição entre os Esquimós da terra de Baffin. Ele partiu como geógrafo, com preocupações de geógrafo (estudar o efeito do meio físico sobre a sociedade esquimó) e percebeu que a organização social era determinada mais pela cultura do que pelo ambiente físico. Retornou à Alemanha decidido a se consagrar, a partir de então, principalmente à antropologia" (A Noção de Cultura em Ciências Sociais - Denys Cuche).
A noção de cultura em Boas
"Toda a obra de Boas é uma tentativa de pensar a diferença. Para ele, a diferença fundamental entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial" (Ibidem).
"Ao contrário de Tylor, de quem ele havia no entanto tomado a definição de cultura, Boas tinha como objetivo o estudo 'das culturas' e não 'da Cultura'. Muito reticente em relação às grandes sínteses especulativas, em particular à teoria unilinear então dominante no campo intelectual, apresentou em uma comunicação de 1896, o que considerava os 'limites do método comparativo em antropologia'" (Ibidem). Para Boas, cada cultura forma um todo coerente e funcional: "cada cultura representava uma totalidade singular e todo seu esforço consistia em pesquisar o que fazia sua unidade. Daí sua preocupação de não somente descrever os fatos culturais, mas de compreendê-los juntando-os a um conjunto ao qual estavam ligados. Um costume particular só pode ser explicado se relacionado ao seu contexto cultural. Trata-se assim de compreender como se formou a síntese original que representa cada cultura e que faz a sua coerência. Cada cultura é dotada de um 'estilo' particular que se exprime através da língua, das crenças, dos costumes, também da arte, mas não apenas desta maneira. Este estilo, este 'espírito' próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos" (Ibidem).
"Em substituição ao evolucionismo, [Boas] propôs o princípio do particularismo histórico. Como sustentava que cada cultura continha e sua própria história única, em alguns casos poderia ser reconstruída pelos antropólogos. Ele via valor intrínseco na pluralidade das práticas culturais no mundo e era profundamente cético com relação a qualquer tentativa, política ou acadêmica, de interferir nessa diversidade" (História da Antropologia, Eriksen e Nielsen).
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sexta-feira, 16 de setembro de 2011
sábado, 10 de setembro de 2011
O Atentado de 11 de Setembro de 2001
Passaram-se dez anos desde o ataque às torres gêmeas, em Nova York, em 2001. Trata-se, sem dúvida nenhuma, de um evento crítico na vida de ocidentais e não-ocidentais. O "11 de Setembro" foi - depois da primeira Guerra no Iraque - um dos primeiros acontecimentos "globais" transmitidos "ao vivo" para o mundo inteiro e exaustivamente comentado nos anos posteriores. Afinal, quem não lembra o que estava fazendo quando recebeu pela primeira vez a notícia sobre os atentados na terra do Tio Sam? O sentimento geral foi de perplexidade diante de um evento até então impensável. Afinal, apesar da política belicista e intervencionista dos norte-americanos produzir inimigos no mundo inteiro, ninguém imaginava que um ataque em solo americano seria, algum dia, possível. O poder da maior potência militar do mundo parecia, naqueles dias de pós-guerra fria, absoluto e inabalável a qualquer ataque estrangeiro. Foi então que, no início da manha do fatídico dia, o centro financeiro do capitalismo sofreu um abalo inesperado. As imagens das torres gêmeas em chamas marcou, certamente, o imaginário político de toda uma geração.
Os homens que sequestraram e jogaram os aviões comerciais contra as torres gêmeas e o Pentágono demonstraram claramente que nenhum governo do mundo, por mais poderoso que seja, tem condições de conter ou se prevenir inteiramente contra ataques terroristas. Afinal, a ação foi tão inusitada quanto arrojada. Inclusive, esse estilo de guerrilha rompe com qualquer lógica de batalha ao fazer uso de táticas e meios nada convencionais para atacar o inimigo, como trens, homens, aviões, carros e outros objetos produzidos pela modernidade, utilizados como instrumentos ou ferramentas de ataque. Como encontrar o "alvo" quando o inimigo é um mutante que pode assumir qualquer forma e estar em praticamente qualquer lugar? Sem estrutura hierárquica que possa ser identificada e combatida, as células terroristas atuam como pequenos nódulos em uma rede múltipla, rizomática e de extensão variável, presente em todo e em nenhum lugar ao mesmo tempo, desafiando qualquer estratégia militar ou de inteligência policial. Como nômades contemporâneos, grupos de jovens passam dias planejando ataques inesperados e suicidas, misturando-se junto à sociedade do inimigo, convertendo-se em uma espécie de predador parasita que pode atacar a qualquer momento.
Inclusive, é importante observar que a prática terrorista não é nenhuma exclusividade dos árabes, tendo em vista o seu vasto uso no mundo ocidental. As ações de grupos extremistas de direita na Europa não são menos "terroristas" do que os ataques dos "homens-bomba". Sem falar dos inúmeros atentados cometidos por ocidentais no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos. Isso sem falar de outra forma de terrorismo de Estado tão comum em países ocidentais, com os ataques à população civil palestina cometidos pelo exército de Israel ou as tantas intervenções das forças armadas norte-americanas. Mas, se o terrorismo não é nenhuma exclusividade dos "terroristas", o ataque de 11 de setembro entrou, certamente, para a história dos Estados Unidos.
De fato, desde então a vida dos norte-americanos jamais foi a mesma. As medidas de segurança implantadas pelo governo Bush mudaram completamente o cotidiano desse país, que vive ainda hoje sob um vasto sistema de vigilância estabelecido em nome da "segurança nacional" e que resultou em uma clara limitação dos direitos civis tão valorizados nos Estados Unidos. As medidas de segurança mudaram a vida dos americanos, impondo sérias restrições a sua privacidade. Além das vítimas diretas do atentado de 11 de Setembro, o povo norte-americano passou a sofrer diariamente restrições as suas liberdades civis, muitas vezes sem entender que o ataque às torres gêmeas não era uma ação unilateral, mas uma resposta a um movimento intervencionista colocado em prática pelos seus próprios governantes. Esse contexto de "terror" acabou resultando na polarização das forças políticas nacionais e na emergência de um movimento civil que acabou por eleger Obama como presidente dos Estados Unidos. Com isso, acreditou-se, por alguns meses, em uma mudança de rumos da política externa norte-americana, o que acabou não ocorrendo. A crise econômica e política que os Estados Unidos enfrenta é, de certa forma, um dos tantos efeitos dos ataques de dez anos atrás.
O avanço da rede rizomática de grupos extremistas no mundo inteiro acabou desencadeando um movimento de intensificação do caráter arbóreo das forças policiais norte-americanas, dando início a um sistema de vigilância sem precedentes na história deste país. Mas, conforme esclarecem Deleuze e Guattari, árvores costumam germinar rizomas... Assim como rizomas costumam desencadear hastes que, mais adiante, podem assumir a forma hierárquica de uma árvore. O extremismo político que tem pautado a ação de republicanos e democratas de leste a oeste é um efeito de uma lenta polarização da opinião pública que tem produzido resultados nefastos nos últimos anos. Apesar disso, no entanto, o povo norte-americano continua buscando achar um caminho diante da atual crise econômica.
Por outro lado, a intensificação da política belicista que ocasionou os ataques parece ter contribuído para a ampliação e fortalecimento do alcance da rede de inimigos do Tio Sam, que assumiu nas últimas décadas uma extensão planetária. A invasão do Iraque foi um verdadeiro desastre militar, pois contribuiu para a crise econômica nacional (basta ver os gastos do governo com a guerra) e isso tudo sem qualquer resultado pragmático. O governo norte-americano respondeu à violência com mais violência, dando início a um ciclo de reciprocidade negativa que ainda não mostrou todo o seu potencial destrutivo. Como um "Golias" que tenta, inutilmente, acertar a mosca posicionada em seu nariz sem causar maiores danos a sua triste face, os soldados norte-americanos enfrentam, desde então, uma "missão impossível" no melhor estilo cinematográfico. Afinal, como combater inimigos cuja forma de organização é descentralizada, a-centrada, múltipla, sem chefe ou estrutura hierárquica, enfim, um conjunto interligado de células relativamente autônomas? E como fazer isso sob um contexto interno de extremismo político e crise econômica? Sim, certamente, "é possível", como diria Obama, mas é preciso reconhecer o caráter épico da jornada.
A meu ver, mesmo a captura do velho Bin Laden em uma casa localizada a poucos metros do centro de inteligência dos aliados - ao invés de ser o sinal da eminente derrota da Al Qaeda - é uma prova da genialidade de seus métodos e estratégias militares. Afinal, a captura do autor do atentado quase dez anos após os ataques e a custa de milhões de dólares e algumas centenas de vidas está longe de ser um sucesso. A maneira como tal captura foi interpretada pelos norte-americanos - como uma vitória sobre o terrorismo e um motivo de orgulho nacional - parece equivocada e isso por diversas razões. Primeiro, porque não estamos diante de um exército constituído por um chefe que comanda uma estrutura hierárquica de subordinados, mas por células com relativa independência de qualquer centro de comando. Bin Laden não exercia um poder baseado em uma prerrogativa formal, como aquela exercida pelo chefe das forças armadas norte-americanas. A sua liderança era, como diria Weber, de ordem 'carismática'. As pessoas seguiam suas ordens por motivos de simpatia política e religiosa. E o problema do líder carismático é esse: a sua eliminação o transforma automaticamente em um mártir, desencadeando um novo ciclo de recrutamento de correligionários e combatentes no mundo inteiro, motivados pela vingança de sua morte. Ao matar um líder prestes a se aposentar, os norte-americanos criaram, automaticamente, novas células inimigas no mundo inteiro. Infelizmente, a morte de Bin Laden é apenas uma etapa em um ciclo de reciprocidade negativa que não parece apontar para um fim próximo.
Eventos como o "11 de Setembro", a "invasão do Iraque" e a morte de Bin Laden fazem parte de um ciclo de violência cujo sentido para a história das relações entre ocidente-oriente ainda é uma incógnita. Talvez estejamos assistindo aos sinais que evidenciam o início da decadência do império norte-americano, algo que a atual crise econômica dos Estados Unidos parece evidenciar de forma mais contundente. As próximas eleições serão uma prova de fogo para a sociedade norte-americana. A esperança de mudança projetada sobre a eleição de Obama precisa ser renovada. Em outros momentos da história, o Estados Unidos demonstrou que é capaz de superar crises econômicas e políticas. De qualquer forma, essa mudança interna deve ser orientada no sentido de uma adaptação da política externa frente ao novo contexto de divisão/distribuição do poder político internacional, marcado pela emergência de novas forças políticas no cenário mundial: os chamados "países em desenvolvimento", como o Brasil, a Índia, a África do Sul e a China.
Independentemente do que vier a acontecer nas próximas décadas, não resta dúvida de que o 11 de setembro foi um evento paradigmático que os americanos e seus inimigos precisam superar. Diante do atual contexto, resta apenas lamentar as milhares de vítimas desse ciclo de violência que não parece ter fim, tanto as vidas perdidas no World Trade Center, como também as vidas consumidas pela política belicista do governo norte-americano e seus aliados militares. As grandes potências precisam entender que é impossível lutar pela democracia de forma autoritária, através de intervenções militares anti-democráticas. Da mesma forma,os grupos extremistas (sejam eles de esquerda ou direita) precisam ter mais tolerância com a diferença ideológica, política e religiosa, buscando meios pacifistas para expor seus ideais. Estamos diante de uma situação onde não existem mocinhos de um lado e bandidos de outro, mas apenas gerações e gerações de vitimas de um conflito de ordem ideológica e política de natureza heterogênea e abrangência global.
Os homens que sequestraram e jogaram os aviões comerciais contra as torres gêmeas e o Pentágono demonstraram claramente que nenhum governo do mundo, por mais poderoso que seja, tem condições de conter ou se prevenir inteiramente contra ataques terroristas. Afinal, a ação foi tão inusitada quanto arrojada. Inclusive, esse estilo de guerrilha rompe com qualquer lógica de batalha ao fazer uso de táticas e meios nada convencionais para atacar o inimigo, como trens, homens, aviões, carros e outros objetos produzidos pela modernidade, utilizados como instrumentos ou ferramentas de ataque. Como encontrar o "alvo" quando o inimigo é um mutante que pode assumir qualquer forma e estar em praticamente qualquer lugar? Sem estrutura hierárquica que possa ser identificada e combatida, as células terroristas atuam como pequenos nódulos em uma rede múltipla, rizomática e de extensão variável, presente em todo e em nenhum lugar ao mesmo tempo, desafiando qualquer estratégia militar ou de inteligência policial. Como nômades contemporâneos, grupos de jovens passam dias planejando ataques inesperados e suicidas, misturando-se junto à sociedade do inimigo, convertendo-se em uma espécie de predador parasita que pode atacar a qualquer momento.
Inclusive, é importante observar que a prática terrorista não é nenhuma exclusividade dos árabes, tendo em vista o seu vasto uso no mundo ocidental. As ações de grupos extremistas de direita na Europa não são menos "terroristas" do que os ataques dos "homens-bomba". Sem falar dos inúmeros atentados cometidos por ocidentais no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos. Isso sem falar de outra forma de terrorismo de Estado tão comum em países ocidentais, com os ataques à população civil palestina cometidos pelo exército de Israel ou as tantas intervenções das forças armadas norte-americanas. Mas, se o terrorismo não é nenhuma exclusividade dos "terroristas", o ataque de 11 de setembro entrou, certamente, para a história dos Estados Unidos.
De fato, desde então a vida dos norte-americanos jamais foi a mesma. As medidas de segurança implantadas pelo governo Bush mudaram completamente o cotidiano desse país, que vive ainda hoje sob um vasto sistema de vigilância estabelecido em nome da "segurança nacional" e que resultou em uma clara limitação dos direitos civis tão valorizados nos Estados Unidos. As medidas de segurança mudaram a vida dos americanos, impondo sérias restrições a sua privacidade. Além das vítimas diretas do atentado de 11 de Setembro, o povo norte-americano passou a sofrer diariamente restrições as suas liberdades civis, muitas vezes sem entender que o ataque às torres gêmeas não era uma ação unilateral, mas uma resposta a um movimento intervencionista colocado em prática pelos seus próprios governantes. Esse contexto de "terror" acabou resultando na polarização das forças políticas nacionais e na emergência de um movimento civil que acabou por eleger Obama como presidente dos Estados Unidos. Com isso, acreditou-se, por alguns meses, em uma mudança de rumos da política externa norte-americana, o que acabou não ocorrendo. A crise econômica e política que os Estados Unidos enfrenta é, de certa forma, um dos tantos efeitos dos ataques de dez anos atrás.
O avanço da rede rizomática de grupos extremistas no mundo inteiro acabou desencadeando um movimento de intensificação do caráter arbóreo das forças policiais norte-americanas, dando início a um sistema de vigilância sem precedentes na história deste país. Mas, conforme esclarecem Deleuze e Guattari, árvores costumam germinar rizomas... Assim como rizomas costumam desencadear hastes que, mais adiante, podem assumir a forma hierárquica de uma árvore. O extremismo político que tem pautado a ação de republicanos e democratas de leste a oeste é um efeito de uma lenta polarização da opinião pública que tem produzido resultados nefastos nos últimos anos. Apesar disso, no entanto, o povo norte-americano continua buscando achar um caminho diante da atual crise econômica.
Por outro lado, a intensificação da política belicista que ocasionou os ataques parece ter contribuído para a ampliação e fortalecimento do alcance da rede de inimigos do Tio Sam, que assumiu nas últimas décadas uma extensão planetária. A invasão do Iraque foi um verdadeiro desastre militar, pois contribuiu para a crise econômica nacional (basta ver os gastos do governo com a guerra) e isso tudo sem qualquer resultado pragmático. O governo norte-americano respondeu à violência com mais violência, dando início a um ciclo de reciprocidade negativa que ainda não mostrou todo o seu potencial destrutivo. Como um "Golias" que tenta, inutilmente, acertar a mosca posicionada em seu nariz sem causar maiores danos a sua triste face, os soldados norte-americanos enfrentam, desde então, uma "missão impossível" no melhor estilo cinematográfico. Afinal, como combater inimigos cuja forma de organização é descentralizada, a-centrada, múltipla, sem chefe ou estrutura hierárquica, enfim, um conjunto interligado de células relativamente autônomas? E como fazer isso sob um contexto interno de extremismo político e crise econômica? Sim, certamente, "é possível", como diria Obama, mas é preciso reconhecer o caráter épico da jornada.
A meu ver, mesmo a captura do velho Bin Laden em uma casa localizada a poucos metros do centro de inteligência dos aliados - ao invés de ser o sinal da eminente derrota da Al Qaeda - é uma prova da genialidade de seus métodos e estratégias militares. Afinal, a captura do autor do atentado quase dez anos após os ataques e a custa de milhões de dólares e algumas centenas de vidas está longe de ser um sucesso. A maneira como tal captura foi interpretada pelos norte-americanos - como uma vitória sobre o terrorismo e um motivo de orgulho nacional - parece equivocada e isso por diversas razões. Primeiro, porque não estamos diante de um exército constituído por um chefe que comanda uma estrutura hierárquica de subordinados, mas por células com relativa independência de qualquer centro de comando. Bin Laden não exercia um poder baseado em uma prerrogativa formal, como aquela exercida pelo chefe das forças armadas norte-americanas. A sua liderança era, como diria Weber, de ordem 'carismática'. As pessoas seguiam suas ordens por motivos de simpatia política e religiosa. E o problema do líder carismático é esse: a sua eliminação o transforma automaticamente em um mártir, desencadeando um novo ciclo de recrutamento de correligionários e combatentes no mundo inteiro, motivados pela vingança de sua morte. Ao matar um líder prestes a se aposentar, os norte-americanos criaram, automaticamente, novas células inimigas no mundo inteiro. Infelizmente, a morte de Bin Laden é apenas uma etapa em um ciclo de reciprocidade negativa que não parece apontar para um fim próximo.
Eventos como o "11 de Setembro", a "invasão do Iraque" e a morte de Bin Laden fazem parte de um ciclo de violência cujo sentido para a história das relações entre ocidente-oriente ainda é uma incógnita. Talvez estejamos assistindo aos sinais que evidenciam o início da decadência do império norte-americano, algo que a atual crise econômica dos Estados Unidos parece evidenciar de forma mais contundente. As próximas eleições serão uma prova de fogo para a sociedade norte-americana. A esperança de mudança projetada sobre a eleição de Obama precisa ser renovada. Em outros momentos da história, o Estados Unidos demonstrou que é capaz de superar crises econômicas e políticas. De qualquer forma, essa mudança interna deve ser orientada no sentido de uma adaptação da política externa frente ao novo contexto de divisão/distribuição do poder político internacional, marcado pela emergência de novas forças políticas no cenário mundial: os chamados "países em desenvolvimento", como o Brasil, a Índia, a África do Sul e a China.
Independentemente do que vier a acontecer nas próximas décadas, não resta dúvida de que o 11 de setembro foi um evento paradigmático que os americanos e seus inimigos precisam superar. Diante do atual contexto, resta apenas lamentar as milhares de vítimas desse ciclo de violência que não parece ter fim, tanto as vidas perdidas no World Trade Center, como também as vidas consumidas pela política belicista do governo norte-americano e seus aliados militares. As grandes potências precisam entender que é impossível lutar pela democracia de forma autoritária, através de intervenções militares anti-democráticas. Da mesma forma,os grupos extremistas (sejam eles de esquerda ou direita) precisam ter mais tolerância com a diferença ideológica, política e religiosa, buscando meios pacifistas para expor seus ideais. Estamos diante de uma situação onde não existem mocinhos de um lado e bandidos de outro, mas apenas gerações e gerações de vitimas de um conflito de ordem ideológica e política de natureza heterogênea e abrangência global.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
As desigualdades econômicas regionais
"O Nordeste, ao longo dos séculos, foi esquecido por uma política central de governo. Não se pode ter um país em que uma parte viva com determinada renda per capita e a outra banda com indicadores muito inferiores. A dependência de investimentos públicos no Brasil sempre foi muito grande. E o Sul e o Sudeste não podem atribuir apenas às características locais de solo o estágio que alcançaram de desenvolvimento" - Cid Gomes, Governador do Ceará.
O trecho acima foi extraído de uma entrevista com o atual governador do Ceará, Cid Gomes, publicada na edição de nº 660/2011 da Carta Capital (agosto). O irmão do ex-candidato à presidência do PSB, Ciro Gomes, não mediu palavras ao mencionar as desigualdades econômicas regionais existentes no Brasil, onde o governo central historicamente privilegiou os estados do sul e sudeste na distribuição de recursos. Bom, de fato, nem sempre foi assim. Os estados do Sul também já foram prejudicados pela chamada política do Café com Leite, centrada no desenvolvimento do sudeste em detrimento de outras regiões brasileiras, incluindo o Rio Grande do Sul. A diferença encontra-se no fato de Getúlio Vargas ter mudado radicalmente essa história ao encilhar seu cavalho no obelisco da cidade maravilhosa, isso ainda na década de 1930, quando o Brasil estava longe de ser um país industrializado. A partir desse momento histórico, o sul também passou a ser lembrado na distribuição dos recursos arrecadados pela União. Infelizmente, outros estados da federação não tiveram a mesma sorte e ainda hoje sofrem com a marginalidade à qual estão submetidos na política e na economia nacional. E o Nordeste não é nenhuma exceção, tendo em vista que ainda encontra-se em melhor situação do que o centro-oeste e a região norte do país.
O governo brasileiro tem historicamente contribuindo para agravar as desigualdades econômicas existentes entre as diferentes regiões brasileiras. Basta analisar os dados sobre a economia nacional para verificar essa realidade. Cid Gomes tem razão em cobrar do governo federal um maior investimento em infra-estrutura regional, como estradas, portos, ferrovias e aeroportos, setor onde a desigualdade é ainda mais visível e gritante. Mas não se trata, a meu ver, em ampliar o alcance da política desenvolvimentista baseada unicamente nos índices econômicos e no incentivo ao desenvolvimento industrial. Afinal, a ideia não é transformar as demais regiões em um retrato fiel e narcisista do sudeste brasileiro. Ao fazer isso, junto com o padrão metropolitano e urbanista também transferimos para essas regiões todos os problemas sociais ocasionados por essa política de urbanização desenfreada que vem sendo implantada no Brasil desde a década de 1940. Os resultados prejudiciais são amplamente conhecidos por todos: violência, desigualdade econômica gritante entre a morro e o asfalto, insegurança pública, insuficiência de infra-estrutura nos bairros mais periféricos, um sistema de saúde pública extremamente deficitário, etc. Isso já vem ocorrendo em cidades como Recife, Fortaleza, Manaus e Belém, onde a urbanização desenfreada e não-planejada já vem apresentando seus efeitos negativos.
O fato é que antes de traçarmos uma nova política nacional, mais descentralizada e federativa, é extremamente importante e necessário "descobrirmos" esse Brasil que, em grande parte, ainda encontra-se desconhecido por boa parte da população brasileira. Com isso, torna-se necessário estudar o potencial específico da região, apoiando as economias locais e incentivando o uso sustentável da biodiversidade. Esse é o caso, por exemplo, da região norte do Estado, com suas especificidades culturais e históricas. Esses setores historicamente marginalizados da política nacional devem ser integrados nas políticas públicas. Esse é o único caminho para o fortalecimento da cidadania.
Infelizmente, apesar das políticas sociais do governo federal contribuírem minimamente para o combate à desigualdade econômica, ajudando a retirar da pobreza absoluta milhões de famílias brasileiras, o que tem tido um impacto em grande parte positivo nas regiões mais pobres deste país-continente, a tendência desenvolvimentista do atual governo tem representado uma ameaça à continuidade da cultura dos povos da Amazônia. As mega-obras do PAC, principalmente as hidroelétricas, expressam de forma clara o conflito entre dois modos de vida diferentes: de um lado, as populações ribeirinhas indígenas e tradicionais, que vivem diretamente do rio e da floresta, com um padrão produtivo de baixa tecnologia, mais por opção cultural do que propriamente por restrição histórica; do outro lado, as indústrias do ABC paulista e do Rio de Janeiro, que precisam ser abastecidas com energia elétrica para sustentar o desenvolvimento econômico regional, garantido emprego e renda para a população urbana das grandes metrópoles brasileiras. Independentemente das controvérsias técnicas existentes sobre a viabilidade econômica e social de grandes obras de infra-estrutura como Belo Monte, o fato é que essas iniciativas explicitam claramente que o estilo de vida das grandes metrópoles é valorizado em detrimento desse outro Brasil que se pretende superar com as políticas de desenvolvimento e industrialização. É como se o governo federal admitisse que uma parte da população ribeirinha que vive das águas do rio Xingu serão sacrificadas em nome do progresso. De fato, o desenvolvimentismo sustentado pelo PAC reproduz, sem grandes alterações, uma mentalidade política que esteve presente em solo tupiniquim pelo menos desde o início do nosso período republicano. O Brasil sempre vivou sob a sombra ideológica da Europa e dos Estados Unidos, vistos pela elite tupiniquim como o "grande exemplo" a ser seguido, mesmo quando a política adotada por esses países mostra, hoje em dia, a sua fraqueza e vulnerabilidade, sendo uma das principais razões para a crise econômica mundial. Mesmo assim, devido a total falta de criatividade intelectual e política, os nossos governantes preferem adotar uma estratégia de desenvolvimento que já demonstrou sua fragilidade em outros países.
Com isso, mais uma vez, perdemos a oportunidade de descobrir o Brasil e os brasileiros. Enquanto os nossos governantes insistirem em olhar para o nosso povo com as lentes dos colonizadores, nunca vamos conseguir perceber as nossas próprias potencialidades. Se é verdade que o Brasil precisa crescer e se desenvolver, isso deve ocorrer de forma descentralizada, privilegiando as características econômicas, ecológicas e culturais das diferentes regiões brasileiras. Uma das formas de fazer isso é incentivando a produção de conhecimento sobre a realidade social, econômica e cultural dessas regiões, fornecendo as possibilidades para o desenvolvimento de uma ciência regional conectada com outros formas de conhecimento não-ocidentais. Afinal, não podemos partir do pressuposto de que a realidade local do norte, nordeste e centro-oeste é desconhecida, pois as populações regionais possuem um amplo conhecimento local que não pode ser negligenciado. Com isso, é preciso incentivar o desenvolvimento científico e acadêmico regional através da abertura e ampliação das instituições de pesquisa e ensino, ao mesmo tempo que se incentiva uma crescente integração entre essa "Ciência de Estado" e as "ciências nômades" (para usar uma expressão cunhada por Deleuze e Guattari em Mil Platôs). Mas, ainda estamos longe de traçar um caminho verdadeiramente autônomo e, com isso, mais uma vez perdemos a oportunidade de fazer a história mudar de rumo.
Enquanto a política nacional de ciência e tecnologia e as política de incentivo ao desenvolvimento econômico continuarem reproduzindo o ideário do sul e sudeste, privilegiando essas regiões na distribuição dos recursos destinados para a ciência, o ensino e a pesquisa, vamos continuar reproduzindo um padrão de desenvolvimento extremamente desigual e nada sustentável. Basta analisar a distribuição de bolsas e recursos na área das ciências humanas e sociais para notar que nada de concreto está sendo feito para mudar esse cenário.
O trecho acima foi extraído de uma entrevista com o atual governador do Ceará, Cid Gomes, publicada na edição de nº 660/2011 da Carta Capital (agosto). O irmão do ex-candidato à presidência do PSB, Ciro Gomes, não mediu palavras ao mencionar as desigualdades econômicas regionais existentes no Brasil, onde o governo central historicamente privilegiou os estados do sul e sudeste na distribuição de recursos. Bom, de fato, nem sempre foi assim. Os estados do Sul também já foram prejudicados pela chamada política do Café com Leite, centrada no desenvolvimento do sudeste em detrimento de outras regiões brasileiras, incluindo o Rio Grande do Sul. A diferença encontra-se no fato de Getúlio Vargas ter mudado radicalmente essa história ao encilhar seu cavalho no obelisco da cidade maravilhosa, isso ainda na década de 1930, quando o Brasil estava longe de ser um país industrializado. A partir desse momento histórico, o sul também passou a ser lembrado na distribuição dos recursos arrecadados pela União. Infelizmente, outros estados da federação não tiveram a mesma sorte e ainda hoje sofrem com a marginalidade à qual estão submetidos na política e na economia nacional. E o Nordeste não é nenhuma exceção, tendo em vista que ainda encontra-se em melhor situação do que o centro-oeste e a região norte do país.
O governo brasileiro tem historicamente contribuindo para agravar as desigualdades econômicas existentes entre as diferentes regiões brasileiras. Basta analisar os dados sobre a economia nacional para verificar essa realidade. Cid Gomes tem razão em cobrar do governo federal um maior investimento em infra-estrutura regional, como estradas, portos, ferrovias e aeroportos, setor onde a desigualdade é ainda mais visível e gritante. Mas não se trata, a meu ver, em ampliar o alcance da política desenvolvimentista baseada unicamente nos índices econômicos e no incentivo ao desenvolvimento industrial. Afinal, a ideia não é transformar as demais regiões em um retrato fiel e narcisista do sudeste brasileiro. Ao fazer isso, junto com o padrão metropolitano e urbanista também transferimos para essas regiões todos os problemas sociais ocasionados por essa política de urbanização desenfreada que vem sendo implantada no Brasil desde a década de 1940. Os resultados prejudiciais são amplamente conhecidos por todos: violência, desigualdade econômica gritante entre a morro e o asfalto, insegurança pública, insuficiência de infra-estrutura nos bairros mais periféricos, um sistema de saúde pública extremamente deficitário, etc. Isso já vem ocorrendo em cidades como Recife, Fortaleza, Manaus e Belém, onde a urbanização desenfreada e não-planejada já vem apresentando seus efeitos negativos.
O fato é que antes de traçarmos uma nova política nacional, mais descentralizada e federativa, é extremamente importante e necessário "descobrirmos" esse Brasil que, em grande parte, ainda encontra-se desconhecido por boa parte da população brasileira. Com isso, torna-se necessário estudar o potencial específico da região, apoiando as economias locais e incentivando o uso sustentável da biodiversidade. Esse é o caso, por exemplo, da região norte do Estado, com suas especificidades culturais e históricas. Esses setores historicamente marginalizados da política nacional devem ser integrados nas políticas públicas. Esse é o único caminho para o fortalecimento da cidadania.
Infelizmente, apesar das políticas sociais do governo federal contribuírem minimamente para o combate à desigualdade econômica, ajudando a retirar da pobreza absoluta milhões de famílias brasileiras, o que tem tido um impacto em grande parte positivo nas regiões mais pobres deste país-continente, a tendência desenvolvimentista do atual governo tem representado uma ameaça à continuidade da cultura dos povos da Amazônia. As mega-obras do PAC, principalmente as hidroelétricas, expressam de forma clara o conflito entre dois modos de vida diferentes: de um lado, as populações ribeirinhas indígenas e tradicionais, que vivem diretamente do rio e da floresta, com um padrão produtivo de baixa tecnologia, mais por opção cultural do que propriamente por restrição histórica; do outro lado, as indústrias do ABC paulista e do Rio de Janeiro, que precisam ser abastecidas com energia elétrica para sustentar o desenvolvimento econômico regional, garantido emprego e renda para a população urbana das grandes metrópoles brasileiras. Independentemente das controvérsias técnicas existentes sobre a viabilidade econômica e social de grandes obras de infra-estrutura como Belo Monte, o fato é que essas iniciativas explicitam claramente que o estilo de vida das grandes metrópoles é valorizado em detrimento desse outro Brasil que se pretende superar com as políticas de desenvolvimento e industrialização. É como se o governo federal admitisse que uma parte da população ribeirinha que vive das águas do rio Xingu serão sacrificadas em nome do progresso. De fato, o desenvolvimentismo sustentado pelo PAC reproduz, sem grandes alterações, uma mentalidade política que esteve presente em solo tupiniquim pelo menos desde o início do nosso período republicano. O Brasil sempre vivou sob a sombra ideológica da Europa e dos Estados Unidos, vistos pela elite tupiniquim como o "grande exemplo" a ser seguido, mesmo quando a política adotada por esses países mostra, hoje em dia, a sua fraqueza e vulnerabilidade, sendo uma das principais razões para a crise econômica mundial. Mesmo assim, devido a total falta de criatividade intelectual e política, os nossos governantes preferem adotar uma estratégia de desenvolvimento que já demonstrou sua fragilidade em outros países.
Com isso, mais uma vez, perdemos a oportunidade de descobrir o Brasil e os brasileiros. Enquanto os nossos governantes insistirem em olhar para o nosso povo com as lentes dos colonizadores, nunca vamos conseguir perceber as nossas próprias potencialidades. Se é verdade que o Brasil precisa crescer e se desenvolver, isso deve ocorrer de forma descentralizada, privilegiando as características econômicas, ecológicas e culturais das diferentes regiões brasileiras. Uma das formas de fazer isso é incentivando a produção de conhecimento sobre a realidade social, econômica e cultural dessas regiões, fornecendo as possibilidades para o desenvolvimento de uma ciência regional conectada com outros formas de conhecimento não-ocidentais. Afinal, não podemos partir do pressuposto de que a realidade local do norte, nordeste e centro-oeste é desconhecida, pois as populações regionais possuem um amplo conhecimento local que não pode ser negligenciado. Com isso, é preciso incentivar o desenvolvimento científico e acadêmico regional através da abertura e ampliação das instituições de pesquisa e ensino, ao mesmo tempo que se incentiva uma crescente integração entre essa "Ciência de Estado" e as "ciências nômades" (para usar uma expressão cunhada por Deleuze e Guattari em Mil Platôs). Mas, ainda estamos longe de traçar um caminho verdadeiramente autônomo e, com isso, mais uma vez perdemos a oportunidade de fazer a história mudar de rumo.
Enquanto a política nacional de ciência e tecnologia e as política de incentivo ao desenvolvimento econômico continuarem reproduzindo o ideário do sul e sudeste, privilegiando essas regiões na distribuição dos recursos destinados para a ciência, o ensino e a pesquisa, vamos continuar reproduzindo um padrão de desenvolvimento extremamente desigual e nada sustentável. Basta analisar a distribuição de bolsas e recursos na área das ciências humanas e sociais para notar que nada de concreto está sendo feito para mudar esse cenário.
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