Sempre fui à favor de Marina Silva e, principalmente, da proposta inovadora da "Rede", baseada em uma reformulação radical e revolucionária do pensamento e da prática política contemporânea. Até pouco tempo atrás, Marina se apresentava como uma liderança extremamente inovadora, com uma proposta genuína e conectada com as mudanças do século XXI. A fundação de um novo partido, com uma estrutura e proposta de funcionamento diferenciada, expressava, naquele momento, a instauração de uma nova forma de fazer política, convergindo e até mesmo intuitivamente antecipando as demandas que foram colocadas por parte dos "manifestantes" insatisfeitos com as velhas e corroídas estruturas da democracia representativa.
No entanto, aquilo que parecia um rizoma extremamente produtivo e com forte potencial revolucionário - em uma época em que a política tornou-se a infeliz "arte do possível" (economia política) - transformou-se, diante do primeiro obstáculo, em uma retomada da trajetória arbórea, com a filiação de Marina a um partido político tradicional, o PSB.
Na minha opinião, acho que a companheira errou três vezes consecutivas.
Primeiro, quando resolveu se filiar ao PSB e ser vice na chapa de Eduardo Campos. Ora, como mudar a política filiando-se a um partido "tradicional" e aliando-se a um político desenvolvimentista e conservador? Para quem se propõe "mudar a política", não seria mais coerente "fincar o pé" na rede e aguardar as próximas eleições?
Segundo, quando o destino - por uma fatalidade circunstancial - lhe deu a oportunidade de assumir como candidata do PSB e ir para o segundo turno, Marina foi omissa, ambígua e se blindou com uma política econômica conservadora. Em poucas semanas, o sentimento de "mudança" que animava seus eleitores transformou-se em "decepção". Surgiu outra rede de apoiadores, essa muito mais sinistra e oportunista, composta por uma "quadrilha" de animadores de torcida com tendências homofóbicas e desenvolvimentistas. De fato, o olhar ansioso e tenso de Marina expressava uma candidatura fadada a auto-contradição e quem sabe até mesmo a auto-destruição, baseada em alianças frágeis e oportunistas. Diga-se de passagem, a presença desse "eleitorado" - que nunca esquece de "cobrar a conta" - anunciava um futuro governo comprometido com aqueles setores mais conservadores do cenário político nacional. A candidatura inesperada de Marina, que surgiu inicialmente como um cometa, logo demonstrou-se extremamente frágil e sem uma identidade contundente que a diferencia-se da velha bipolaridade esquizofrênica que caracteriza, há mais de vinte anos, o cenário político nacional.
Terceiro, Marina errou quando, ao se ver novamente derrotada, resolveu apoiar Aécio e sua corja de vampiros. Se Dilma anda abraçada com os ruralistas e o agronegócio, se Dilma defende com unhas e dentes o setor hidroelétrico nacional e não é à favor dos índios; Aécio é o representante legítimo de tudo isso, porta-voz de uma política econômica e social extremamente conservadora e retrógrada, coloca-se como o próprio capeta para diversos setores da sociedade que têm se beneficiado com o reformismo era Lula, incluindo aí a classe dos trabalhadores, os professores e a camada mais pobre da população brasileira. E ainda resta a dúvida: como ser contra a "polarização tradicional" entre PSDB X PT posicionando-se à favor de um dos pólos dessa histórica disputa? Talvez esse apoio revele, de fato, porque a candidatura de Marina não chegou a decolar. Seu Programa de Governo deixou claro para todos que a "mudança", neste caso, era muito mais um retorno à política do "mesmo". Sua "rede" de apoiadores mudou radicalmente em poucas semanas, anunciando o que poderia ser uma "virada" à direita de uma proposta política que, num primeiro momento, colocava-se acima das polarizações tradicionais. Tudo indica que, se eleita, Marina se tornaria um "Lula de saias", transformando a utopia em um contrato social com o grande capital.
Triste fim do Dom Quixote de saias, agora reduzida à garota propaganda de um playboy de direita!
Sobre Aécio Neves
Sobre uma coisa não tenho a menor dúvida: Aécio não representa a "mudança" de nada nesse mundo!
Claro, também tem gente boa votando no Aécio, gente que quer mudar o Brasil, gente indignada com o que há de pior na política nacional. Mas, o fato é que, ao escolher Aécio como messias da mudança, toda essa gente boa e bem intencionada entra em contradição profunda com seus próprios ideais e valores políticos. É exatamente quando a democracia se vê abalada em suas fundações mais primitivas que o vazio ideológico pode ser preenchido pela promessa de fácil redenção de messias oportunistas como Aécio Neves.
Depois desse festival de atrocidades, resta a dúvida: podemos chamar o retorno do "mesmo" de "mudança"? A natureza descodificante e desterritorializante de um sistema socioeconômico como a capitalismo produz políticas esquizofrênicas como a política de Aécio, que propõe o passado como futuro, que traça o caminho do retorno, do retrocesso, como caminho de fuga. A candidatura que faz a alegria dos corruptos, desse pessoal que já começa a esfregar as mãos ao se imaginar como gestor da riqueza nacional, tem como fundamento principal enterrar de vez a democracia e a nova cidadania. As bolsas de valores e as grandes corporações financeiras comemoram e vibram alucinadamente diante da possibilidade de ampliar ainda mais a sua já astronômica taxa de lucro. Anuncia-se no horizonte próximo a possibilidade real de multiplicação da mais-valia do grande capital. Afinal, quanto aeroporto não será construído na casa dos parentes? Quantos mensalões mineiros não vão se multiplicar nos bastidores ocultos do planalto central? Quanto processo de corrupção não será engavetado? Imagina a intimidade dos ruralistas com um governo que se coloca como porta-voz legítimo dos seus interesses?
Não, eu não voto em Aécio nem morto!
Colocar o governo na mão de um playboy mimado e oportunista é traçar no horizonte mais próximo a falência do Estado de Direito, abrindo caminho para uma mudança de paradigma político muito mais radical, animada por proposições anti-constitucionais e por um congresso ultra conservador. O fato é que se com Dilma está ruim, com a Aécio pode ficar muito pior. Não vejo problema nenhum no povo buscar uma alternativa melhor para a política brasileira, buscando construir uma nova forma de gestão do bem público, mas fazer isso retornando para trás, trazendo para o mundo dos vivos a múmia neoliberal, com seus tentáculos afiados e sedentos por carne e dinheiro, não me parece ser uma forma coerente de superar os impasses da política nacional. Na minha opinião, votar em Aécio é o mesmo que buscar curar uma ressaca com álcool etílico, só pode dar errado!
O fato de um pequeno burguês que sempre se beneficiou da carreira política dos seus parentes e que, apesar de ter um pai político que apoiou a ditadura militar, é sempre lembrado como o sobrinho do Tancredo Neves, expressa a fragilidade da democracia representativa e a total ausência de alternativas para superar os impasses e problemas que levaram milhares de brasileiros para as ruas no ano passado. Infelizmente, o vazio ideológico deixado pelo PT - que transformou a utopia revolucionária em uma economia política desenvolvimentista extremamente pragmática - foi ocupado por uma corja de mau feitores. Diante do precipício e da destruição eminente de todas as moralidades e utopias, Aécio Neves se coloca como o novo "salvador da Pátria", como o "messias" que irá nos libertar do colonialismo petista. Infelizmente, no entanto, tudo não passa de uma farsa muito bem montada. Estamos diante de um ilusionismo barato que tem como principal personagem o pior dos charlatões. Aécio representa o lunático esquizofrênico que surge das cinzas para salvar a sociedade, um "anti-herói" mau caráter que se coloca como "libertador", que ocupa o vazio deixado pelas lideranças, que se aproveita da fragilidade do povo para se lançar como o novo "libertador".
Por trás dessa fábrica de ilusões tucanas, no entanto, encontramos o menino mimado, o playboy da política tradicional, o cavaleiro das trevas que nos conduzirá diretamente ao pior dos precipícios.
Sobre o Governo Dilma
Sem dúvida, poderia ser muito melhor! Se houveram conquistas, elas foram demasiadamente modestas. O povo quer mais, muito mais! A rede de alianças escusas que levou Lula ao poder - armada com maestria por gente como Dirceu - demonstrou-se extremamente prejudicial no momento de governar e fazer as mudanças almejadas pelos eleitores. Os apoiadores cobraram a fatura! Eles nunca deixam escapar os favores, as regalias, os cargos especiais e as pequenas concessões do caixa dois petista.
O maior responsável pelo avanço da direita no congresso nacional foi o "vazio" ideológico deixado por um governo que apostou todas as suas fichas em um pragmatismo político e econômico de resultados duvidosos. A emergência e disseminação do anti-petismo é o efeito do caminho traçado pelos governos petistas na última década, com uma política de alianças com os setores mais conservadores da sociedade e a redução da política de estado à razão econômica, inaugurando o que poderíamos denominar de um "neoliberalismo social" sem precedente na história do pensamento político contemporâneo.
A máquina do Urstaad engoliu a utopia de uma nova sociedade, canibalizou os sonhos de toda uma geração de pseudo-revolucionários, transformou seus planos de mudança em uma equação duvidosa, onde a conquista da cidadania se resume à transformação de pobres em consumidores. Em última instância, o sonho da revolução socialista foi reduzido à tarefa nada digna de ampliação do território ocupado pela máquina capitalista, por meio da multiplicação dos seus tentáculos para além da classe-média, com a inclusão do pequeno pobre trabalhador no mercado enquanto consumidor de segunda classe. Toda uma nova economia, um novo marketing, uma nova tecnologia governamental, uma nova tecnocracia, tudo isso - que está na base de ampliação dos processos de descodificação capitalista, de transformação de valores em moeda, mercadoria e salário - só foi possível com a conversão da utopia revolucionária em um best seller "pulp", em um "populismo new age" animado por uma "esquerda gospel", com seus slogans de auto-ajuda e sua sede pela manutenção do poder.
Nem mesmo os índios - "esses pobres selvagens primitivos" - estão à salvo dos processos de descodificação e desterritorialização de um mercado que expande cada vez mais sua área de atuação. Promovidos à "guardiões da floresta", os velhos nativos do continente sul-americano podem ser transformados em mercadoria, tornando-se um dispositivo de lucro estatal e privado. Ninguém mais está à salvo, a partir de agora todos os sonhos podem ser transformados livremente em mercadoria.
Vitória de um pragmatismo político herdado dos governos anteriores, incluindo aí o PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Depois da crise do mensalão, ninguém mais está à salvo do grande fantasma da corrupção. Já não existem mais super-heróis como antigamente. Mesmo o pobre Dom Quixote já não vê mais o mundo pelo viés da utopia. A política já não é mais a arte do impossível, reduziu-se ao cálculo exato da contabilidade econômica, dos coeficientes sinistros das bolsas de valores, das tabelas e das formulas retiradas das pranchetas dos bancários, dos números e das equações matemáticas que sustentam a razão econômica. Os líderes foram substituídos por economistas de personalidade "fria", centrais de cálculo que traduzem pessoas em números, sonhos em axiomas numéricos. Toda política passa agora pela grade de uma economia da sensibilidade que tem como princípio fundamental a arte do possível, nada mais, nada menos. O horizonte da mudança revolucionária transformou-se em um grande balcão de negócio. Nunca o campo "social" rendeu tanto para a economia política, nunca as políticas de inclusão foram tão benéficas ao grande capital. De um lado, a redução dos efeitos negativos de um sistema econômico desigual e injusto através da redução gradual e lenta dos limites mais desumanos da pobreza absoluta (o sonho revolucionário reduzido ao reformismo capitalista das políticas "sociais" e do "bolsa família"); do outro, o contrato social com os bancários, a mídia e os ruralistas, a manutenção de uma política econômica conservadora, a ampliação do lucro e a manutenção das taxas de juros. O governo Dilma é a expressão mais contundente desta fórmula esquizofrênica de conjugação de fluxos de trabalho com fluxos de propriedade e capital, de cidadania com consumo, de revolução nos limites rigorosos e exatos da pobre razão econômica que anima o café da manhã dos grandes bancários. A partir de agora, toda revolução pode ser transformada em uma fórmula econômica de baixo custo, em um coeficiente estatístico ou axioma matemático. O cálculo do capital já não possui mais fronteiras ou limites, está por toda parte, emerge agora enquanto razão de Estado tupiniquim.
Triste fim de Dom Quixote! Mas ainda o "menor dos males" diante de um horizonte político aterrorizante. Votar na Dilma, neste segundo turno, representa, infelizmente, votar em uma política menos destrutiva. Representa optar por tomar uma dose menor de veneno e, quem sabe, ganhar tempo de vida, de resistência. Nada mais do que isso! Não vamos nos iludir novamente. Trata-se mais de um veto do que de um voto. Se com Dilma está ruim, com Aécio pode ficar muito pior. Infelizmente, já não votamos para mudar o país, mas para salvá-lo da mais completa e cruel destruição. Estamos na era da política do "salve-se quem puder", da política do medo e da desilusão. Já se foi o tempo em que se votava no melhor candidato, agora o voto é um atestado de resistência pragmática. Neste caso, ao invés de dizer sim, dizemos não, votamos para nos prevenir e nos proteger do pior e não para promover o melhor. É como se o pragmatismo econômico que predominou nas grandes instituições molares do Estado se disseminasse também na base dos elementos moleculares que constituem o fluído vital de toda política, transformando o eleitor em um "calculista pragmático", em um "investidor" movido pela razão rasa do mercado e dos economistas. O cálculo da razão econômica disseminou-se também entre o povo.
Neste "Big Brother" da política nacional, nada de sonho, nada de utopia, apenas o calculo e a fração, apenas uma nostálgica política de minimização dos riscos, de diminuição dos danos, de retardamento da "crise final". Escolhemos Dilma para reduzir o efeito da eminente destruição de todas as moralidades, para retardar ao máximo o movimento iminente de conversão da sociedade em mercado, de pessoas em mercadoria.
Trata-se do voto da "prevenção", muito mais do que da "redenção". Ao votar em Dilma, dos males, escolhemos o menor, simples assim. Triste fim do sonho revolucionário, triste fim de Dom Quixote, triste fim de toda utopia política.