segunda-feira, 23 de abril de 2012

23 de abril: dia de Ogum

No Brasil, no dia 23 de abril, comemora-se, entre os adeptos das religiões afro-brasileiras, o dia de Ogum (Ògún, em yourubá), orixá ferreiro, portador e manipulador do aço e dos metais, artesão que deu origem às ferramentes de trabalho e às armas de guerra. Um guerreiro-justiceiro com personalidade inconstante e intempestiva. Na África, o culto desse orixá era restrito aos homens, havendo templos de seguidores em Ondo, Ekiti e Oyo. Conforme a mitologia, Ogum foi um dos primeiros orixás a descer do Orun (céu) para a terra, motivo pelo qual também é denominado de Oriki Imole ("O primeiro orixá a vir para a terra"). Existe a lenda de que Ogum teria sido a primeira divindade a ser cultuada pelos povos yorubá da África Ocidental. 

Na família de orixás africanos, Ogum é filho de Oduduwa, herói civilizador que fundou a cidade de Ifé, irmão, portanto, de Xangô, Oxossi, Oxun e Eleggua. Ele é considerado dono de todos os caminhos e encruzilhadas junto com Exu e tem uma ligação muito forte com Oxaguian, de quem é inseparável. É considerado o último dos Igba imolé, deuses da direita que foram destruídos por agirem mal. Como último sobrevivente dessa legião de deuses, coube a ele conduzir os Irun Imolé, os outros quatrocentos deuses da esquerda. Suas cores são o azul cobalto, o verde (no Candomblé) e o vermelho (na Umbanda).


Segundo Pierre Verger, Ogum representa o arquétipo do "guerreiro", identificado com 'pessoas fortes', 'destemidas', 'aguerridas' e 'impulsivas', incapazes de perdoar as ofensas das quais foram vítimas. Os filhos de Ogum geralmente não são muito exigentes na comida, no vestir e na moradia, são um tanto desapegados das conquistas já estabelecidas e estão sempre elaborando novos planos. Devido à coragem e ao espírito bélico e destemido, Ogum é considerado patrono das grandes demandas, senhor da guerra e do exército. Acolhe e dá força às pessoas que triunfam diante de grandes adversidades, atendendo  seus apelos no momento da guerra e do combate. No Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, Ogum é identificado com São Jorge, mas na Bahia e no Nordeste é associado à figura de Santo Antônio.


quinta-feira, 19 de abril de 2012

Marina Silva, Belo Monte e o Movimento Gota D'água

Este vídeo contém o depoimento de Marina Silva sobre o caso Belo Monte, um apoio à campanha que o Movimento Gota D'água tem feito em torno desta questão. Diferente de Dilma, que atropela e passa por cima dos setores da sociedade civil contrários à construção de Belo Monte, Marina demonstra bom senso político e reconhece a relevância da controvérsia e a necessidade de se debater a questão.

Já Dilma, por outro lado, tem utilizado de todos os artifícios para calar os questionamentos de diversos setores da sociedade civil e barrar as suas demandas por maior participação em uma decisão que não é somente técnica, mas também política. Entre outras tantas ações autoritárias e anti-democráticas, podemos citar: 
  • o remanejo de pessoas de seus cargos para aprovar projetos sem passar pelos devidos trâmites institucionais de aprovação de mega-obras como Belo Monte; 
  • o desrespeito aos direitos de consulta prévia dos índios e ribeirinhos que vivem na região; 
  • o apoio incondicional a máfia de superfaturamento capitaneada por Sarney, que lucra há décadas com a construção de hidroelétricas no país; 
  • o total descaso para com as demandas por maior debate e discussão da matriz energética;
  • retaliação política à atuação das ONGs que apoiam os índios e ribeirinhos atingidos pela construção de Belo Monte;
  • a total falta de fiscalização e regulamentação das condições de trabalho nas grandes obras do PAC;
  • a incapacidade de gestão e planejamento de uma infraestrutura adequada para as mudanças que as cidades do entorno dessas obras estão passando devido ao aumento radical da população local, ocasionada pela chegada de milhares de trabalhadores.  

Pois é Dilma, parece que você tem muito o que apreender com Marina. Assista o vídeo, uma verdadeira aula de "cidadania":

terça-feira, 17 de abril de 2012

O Massacre de Eldorado dos Carajás: 16 anos depois

Em 17 de abril de 1986, dezenove sem-terra foram brutalmente assassinados no município de Eldorado dos Carajás devido à ação da polícia militar do Estado do Pará, encarregada pelo então governador a desobstruir a rodovia BR-155. Devido à sua gravidade, este evento emblemático entrou para a história como um marco da trajetória de luta política recente por reforma agrária no Brasil, tornando-se o "Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária".

Enquanto evento crítico, a tragédia marca a conturbada passagem de um regime político ditatorial (onde os movimentos sociais eram tratados como 'caso de polícia') para o início de um processo lento rumo ao estabelecimento da democracia. Outros eventos com o mesmo grau de relevância ocorreram na década de 1990, como o massacre na Praça da Matriz, em Porto Alegre, e outras manifestações políticas brutalmente combatidas por uma Polícia Militar despreparada para abordar o problema em um contexto de democracia recente. A violência que perpassa a ação das forças policiais é o indicio de um autoritarismo gestado em anos de militarismo e mandonismo, onde as questões sociais eram reprimidas sem qualquer parcimônia. Foram esses eventos que permitiram - na medida em que se tornaram paradigmas ou bandeiras de ação política - 'inventar' uma nova forma de luta social no campo da reforma agrária: as manifestações públicas (como marchas, comícios e passeatas) e as ocupações de terras improdutivas. Esses novos instrumentos de luta política conseguiram romper minimamente com o silêncio pós-abertura democrática, marcado pelo imobilismo político e a total ausência de discussão séria sobre os problemas estruturais que levaram ao golpe militar de 1964 (entre eles, a reforma agrária). Com isso, criou-se um espaço descontínuo entre a forma como o problema afeta diversos setores da sociedade civil e a total incapacidade governamental de abordar a questão com seriedade, a partir de políticas públicas sólidas e duradouras. O que se vê, de fato, é uma política fragmentada e em grande parte desorganizada de pequenas concessões sem qualquer planejamento administrativo.        

O Massacre de Eldorado dos Carajás é um símbolo importante de uma questão social e política ainda não resolvida pelo governo brasileiro: a reforma agrária. As políticas nessa área ainda são insuficientes diante da magnitude estrutural (e estruturante) da questão agrária para o desenvolvimento sustentável da sociedade como um todo. A despolitização do tema - acompanhada pela sua transformação em 'problema técnico' - levou a emergência de um campo alternativo de luta política e resistência, os movimentos sociais camponeses. Apesar da incapacidade dos governos em tratar a questão com a devida seriedade, o tema é polêmico e se desdobra em inúmeras batalhas civis e cotidianas entre os 'ruralistas' e sem-terra.

Em 2003, tive a oportunidade de acompanhar de perto uma dessas batalhas: o eminente conflito entre uma marcha de sem terra e uma 'contra-marcha' de ruralistas na região de São Gabriel, no Rio Grande do Sul, devido aquela que poderia ter sido (mas não foi) a primeira grande desapropriação de terra do então recém-eleito governo Lula. Até hoje as famílias de sem terra continuam acampadas na região, aguardando pelo encaminhamento da questão.

De fato, a problemática que está na origem desta tragédia ainda se faz presente como realidade contemporânea na vida de milhares de brasileiros e brasileiras. A ausência dos meios materiais (a terra, a tecnologia, etc.) para os camponeses se reproduzir socialmente e economicamente - ao lado de um dos maiores índices de concentração fundiária - resulta em uma guerra que perpassa diversos setores da sociedade civil. Infelizmente, os governos não tem assumido a responsabilidade de dar a devida relevância que o tema exige na agenda política nacional.

Ao mesmo tempo, assistimos ao crescimento das vítimas dessa batalha cruel, com o constante assassinato de lideranças políticas envolvidas diretamente com a luta por reforma agrária. Sem falar que 16 anos após o massacre de Carajás, os 155 policiais envolvidos na ação permanecem soltos e ainda não foram condenados criminalmente. E não se trata aqui de uma exceção, mas de uma tendência que se faz presente na histórica impunidade daqueles que agem fora da lei, abusando da sua autoridade de forma indevida e inconstitucional, ceifando vidas de trabalhadores rurais que lutam por seus direitos políticos.    

Como podemos ver, passaram-se 16 anos e ainda é preciso relembrar. Em 2008, tive a oportunidade de cruzar pelo fatídico local onde ocorreu a tragédia. Havia lá cruzes em estado de  abandono onde deveria haver um museu ou algo do gênero. É preciso reforçar a memória coletiva e reafirmar constantemente o significado de eventos históricos como este. Para que não se perca junto com as vidas o sentido da luta, é preciso dar vida a história recente através da produção de monumentos da memória. Reviver o passado é também uma forma de construir o futuro. O esquecimento, neste caso, significa a incapacidade reflexiva de reviver o tempo vivido, repleto de sangue, carne e suor. Esse tempo - que reaparece constantemente em outras formas, que se reproduz entre as novas gerações de sem-terra, que afeta a vida e que produz novas vítimas a todo momento - esse tempo da experiência histórica precisa ser sustentado pela ação de relembrar e de reviver os momentos significativos de nossa história recente. Ao não fazermos isso, corremos o sério risco de andar para sempre em círculos intermináveis, de reproduzir constantemente os mesmos problemas, as mesmas demandas, as mesmas mentalidades e formas de ação política que nos conduziram ao insucesso e a tragédia.

Para avançar é preciso tornar o passado significativo (no presente). A melhor forma de fazer isso é reafirmar a importância e o significado que perpassa essa grande tragédia humana que foi (e continua sendo) Eldorado dos Carajás.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A violação dos direitos humanos em Belo Monte e Jirau

Na semana passada, teve início no canteiro de obras de Belo Monte um protesto motivado pela morte do operador de moto serra, Francisco Lopes, no sítio Pimentel. A manifestação teve como objetivo chamar a atenção do governo e da sociedade para uma série de irregularidades existentes na região da hidroelétrica, principalmente, no campo da segurança do trabalho: salários baixos, péssimas condições de infra-estrutura e demissão de lideranças trabalhistas. Apesar do governo Dilma afirmar que a construção de grandes hidroelétricas resulta em empregos para a população, o que se percebe na prática é uma situação de sub-emprego, onde os trabalhadores se submetem a péssimas condições de trabalho por necessidade, chegando a colocar a própria vida em risco.

Ao mesmo tempo, em Rondônia, trabalhadores da hidroelétrica Jirau colocaram fogo em um alojamento para protestar contra as péssimas condições de trabalho no local. Apesar dessas obras serem financiadas, em grande parte, com verbas públicas, a administração está na mão das empreiteiras e o governo não faz qualquer esforço em fiscalizar a situação na região.

Por outro lado, o governo Dilma continua intransigente em relação às demandas políticas colocadas pelos índios e ribeirinhos que vivem na região de Belo Monte, ao mesmo tempo que promove, nas diferentes instâncias do governo federal, um verdeiro 'cerco' às ONGs ambientalistas. Num exemplo claro de autoritarismo e anti-democracia, o atual governo prefere proteger o esquema de super-faturamento financiado por Sarney e seus comparsas ao invés de permitir que a sociedade brasileira discuta o atual modelo de geração de energia elétrica. Através de ações perversas e autoritárias, pessoas são removidas de seus cargos na FUNAI e no IBAMA para facilitar a aprovação e liberação de obras mal planejadas e até mesmo ilegais.

Mas não são apenas os trabalhadores que sofrem com o descaso governamental e a ganância dos investidores. Uma série de reportagens apresentadas no Jornal Nacional apontam que as populações que vivem em cidades localizadas nas imediações da hidroelétrica de Jirau continuam 'abandonadas', expressão utilizada por diversas pessoas que vivem na região. As promessas de melhoria da infra-estrutura não foram colocadas em prática e a situação piorou bastante com o aumento radical da população local. Não existem médicos nos hospitais, policiais nas delegacias e professores nas escolas, sem falar que a rede de serviços é praticamente inexistente. Com isso, pessoas que, no passado, defenderam a instalação da obra na região devido às promessas de melhoria feitas pelas empreiteiras e pelo governo, percebem agora que fizeram a opção equivocada, que foram enganadas e abandonadas.

Apesar disso, no entanto, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República pretende retirar do relatório da CDDPH o capítulo sobre a violação de direitos humanos em Belo Monte. Ao mesmo tempo, a mesma secretaria demonstra morosidade no que se refere ao combate aos crimes contra lideranças indígenas no Mato Grosso, sem falar no total descaso frente ao assassinato de lideranças ribeirinhas na Amazônia, fato recorrente na região.

No vídeo institucional de promoção da Rio+20 (uma obra de ficção científica), o modelo hidroelétrico de geração de energia é apresentado como o 'mais limpo do mundo'. Percebe-se aqui, mais uma vez, um equivoco grave. Afinal, o impacto ambiental e social de obras como Belo Monte é um fato técnico e político que deve ser contabilizado. Além do mais, trata-se de uma mentira, pois existem, sim, formas de geração de energia mais 'limpas' do que o modelo hidroelétrico, apesar de não fornecerem a mesma oportunidade de super-faturamento em grande escala que as mega-obras fornecem às empreiteiras.    

A ironia de tudo isso é que esse mesmo governo se apresenta ao mundo como o país do 'desenvolvimento sustentável', buscando capitalizar a Rio+20 como um instrumento político de auto-promoção. Um governo que promove a destruição de florestas e rios, que financia o desvio de verbas públicas e o esquema de super-faturamento coordenado por Sarney, não pode se apresenta agora como o grande 'defensor' do desenvolvimento sustentável. Só se o adjetivo 'sustentável' significar aqui a 'sustentação' de um modelo de desenvolvimento predatório colocado em prática no Brasil desde 1930 e que teve nos governos militares o seu apogeu.

Pelo jeito, a presidenta Dilma tem memória curta. Esqueceu que a política 'desenvolvimentista' sempre foi a grande bandeira de luta de seus antigos algozes e inimigos políticos. Afinal, mega-políticas de desenvolvimento, principalmente, quando sustentadas por práticas autoritárias e anti-democráticas, foram gestadas nos porões da ditadura militar. Essa mesma política teve continuidade nos governos mais recentes. O projeto de Belo Monte, por exemplo, foi retomado durante o governo FHC e, na época, foi duramente criticado por Lula e outros membros do PT. Afinal, não podemos esquecer que, nas eleições de 2002, Lula incluiu em seu programa de governo a afirmativa de ruptura com o modelo de geração de energia hidroelétrica existente na época (o mesmo de hoje), criticando duramente a construção e o superfaturamento de grandes obras e denunciando os seus impactos sociais e ambientais. Mas o mundo dá voltas e essas mesmas pessoas defendem hoje o que combateram no passado.    

É realmente lamentável que um governo que se diz de centro-esquerda e social-democrata (a moda atual da política brasileira) não tenha a capacidade de inventar um novo caminho, uma nova estrada, de alimentar novos sonhos e visualizar uma nova sociedade. Ao contrário disso, os correligionários de Dilma continuam promovendo a ignorância política, o mandonismo autoritário e a ausência de debate participativo. Com isso, segue-se aqui no Brasil o mesmo caminho traçado pelas grandes potências, que destruíram os índios e a natureza em nome da construção de uma sociedade 'insustentável' em médio e longo prazo.

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