No ano passado, na mesma época, logo após a virada do ano, acompanhamos os desabamentos de terra em Angra dos Reis, também no Rio de Janeiro. A ocorrência desses dois eventos no mesmo período não é nenhuma coincidência: o alto índice de chuva é ocasionado por um fenômeno climático, uma corrente de umidade proveniente da Amazônia.
Nos últimos dois anos o Estado do Amazonas acompanhou uma das piores secas da sua história, ocasionado a miséria de milhares de ribeirinhos. O mesmo ocorreu no Estado do Rio Grande do Sul, que no ano passado teve alguns de seus municípios atingidos pela chuva e neste ano enfrenta uma das piores secas da sua história. Alguns municípios, como Bagé, já estão fazendo racionamento de água.
Em outras partes do mundo ocorrem eventos semelhantes: onde até ontem nevava agora neva muito mais; onde fazia calor, a temperatura é muito mais alta. Não resta dúvida que o clima terrestre está passando por um processo de transformação, fenômeno popularmente conhecido como “mudança climática” ou “aquecimento global”. Sem entrar na controvérsia sobre a real dimensão da interferência do fator “homem” nas mudanças ambientais que estão ocorrendo, o fato é que o clima na terra está passando por mudanças radicais. Inclusive, sem querer assumir um tom profético, os cientistas especialistas nesse tema costumam dizer que o que estamos vivendo é apenas o começo de um processo que tende a se intensificar nas próximas décadas.
Devido aos efeitos da crise ambiental na economia e na vida das pessoas, os governos do mundo inteiro terão que rever suas políticas públicas. O Estado do Rio de Janeiro é um bom exemplo. Apesar dessa região ter sido atingida por um desastre muito semelhante no ano passado, pouco foi investido em ações de prevenção. Não que o governo não tenha colocado em prática algumas iniciativas, como o estudo sobre as áreas de risco na capital, mas os desdobramentos mais recentes demonstram a dimensão do problema e dos investimentos que devem ser feitos. É preciso conceber e colocar em práticas novas tecnologias de governo, com iniciativas na área social e econômica. A questão deve assumir caráter prioritário, talvez até mesmo com a criação de uma secretaria de estado voltada especificamente para esse tema.
O Governo Federal já liberou R$ 100 milhões para atender as vítimas da tragédia, distribuídos da seguinte forma: Estado do Rio de Janeiro (70 milhões); Nova Friburgo (10 milhões); Teresópolis (7); Petrópolis (5); outros municípios da região (6 milhões). Dilma também irá se reunir com seus ministros para estudar a formulação de uma Política ou Programa Nacional de Defesa Civil, buscando integrar ações de prevenção e informação com medidas emergenciais. A verba liberada para o Rio faz parte de uma espécie de fundo de R$ 700 milhões que o governo reservou para essa finalidade. Aém dessas medidas, também será liberado o FGTS, com parcelas de R$ 5 mil por família atingida.
Agora só falta a Dilma entender que fenômenos e catástrofes naturais estão diretamente relacionados às ações de desmatamento na Amazônia e aos impactos causados por grandes obras como a Hidroelétrica Belo Monte. As ações adotadas até agora estão direcionadas aos sintomas, agora o que falta ao governo é adotar uma visão sistêmica sobre a crise e pensar que a política ambiental não é uma área restrita do governo, mas deve ser incorporada também em outros setores. Sim, é preciso que o Brasil cresça, mas esse crescimento não pode ser autodestrutivo. O que adianta construir uma mega obra para agradar as construtoras e a indústria paulista – que precisa de energia elétrica para alimentar suas fábricas – quando os efeitos de ações como essa revertem em gastos estatais e em prejuízos econômicos muito maiores? É como se o governo estivesse apagando o fogo de um lado e acendendo do outro.
As declarações de Sérgio Cabral também são lamentáveis. Não basta dizer que as pessoas foram avisadas ou que se trata de uma “tragédia anunciada”. É claro que se as pessoas tivessem para onde ir, não iriam optar por permanecer em uma situação de risco. A questão é que o poder público avisa, mas não oferece soluções. Pior, depois ainda aponta a suposta “irresponsabilidade” dos que resolveram permanecer em suas casas por não ter para onde ir. Quando falamos em termos de políticas que envolvem remoção ou deslocamento populacional, conseguimos visualizar a complexidade e a seriedade do problema. A população do Rio deve cobrar e fiscalizar o seu governo estadual, exigindo a estruturação de uma ação permanente nessa área.
A mídia, por outro lado, deve aprimorar sua política editorial. As coberturas não podem ser unicamente alarmistas e sensacionalistas, baseadas no calor (e na dor) do momento, explorando a tragédia pessoal como se fosse um folhetim de mau gosto. É preciso fazer uma cobertura constante e não apenas dos eventos de maior crise. A denúncia deve ser anterior ao evento e não posterior. O que precisamos, neste momento, é de um “jornalismo preventivo e cidadão”.
Todos estão lembrados da catástrofe que ocorreu no Haiti, também no ano passado. Recentemente foi publicada uma matéria sobre a situação atual do país, que continua com sua infra-estrutura completamente destruída. Isso demonstra que as ações de solidariedade e o apoio de agências internacionais foram imediatistas e centradas no atendimento mais imediato da população, com pouco investimento na reconstrução do país.
Só espero que o governo não limite suas ações somente ao aparo mais imediato das vítimas, que, apesar de importante e fundamental, deve ser acompanhado por ações de reconstrução da vida das famílias que perderam tudo. Essas pessoas precisam de apoio a médio e longo prazo, pois terão que recomeçar tudo novamente, contando apenas com a triste experiência de ter sobrevivido a uma tragédia como essa.
Gostaria de finalizar esta nota demonstrando a minha tristeza e minha solidariedade com os brasileiros que viveram as conseqüências deste triste momento da história do nosso país. Espero que todos encontrem a força de espírito necessária para superar tragédias como esta.
Obs: fotos de Felipe Dana/AP
Nenhum comentário:
Postar um comentário