sábado, 15 de janeiro de 2011

Sobre a Tragédia no Rio de Janeiro

Todos nós, brasileiros, estamos acompanhando estarrecidos os desdobramentos da tragédia na região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Segundo as últimas estimativas, já são mais de 500 mortos nas três principais cidades atingidas: Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Tendo em vista o alto número de pessoas que ainda se encontram desaparecidas e a dificuldade de acesso às áreas mais danificadas pelas enxurradas, existe a expectativa de que esse número seja ainda maior. Os dramas familiares se multiplicam a cada dia, histórias de pessoas que perderam tudo: parentes, amigos, vizinhos e bens materiais. O fato foi notícia nos jornais do mundo inteiro e já é considerado um dos maiores desastres naturais das últimas décadas.

No ano passado, na mesma época, logo após a virada do ano, acompanhamos os desabamentos de terra em Angra dos Reis, também no Rio de Janeiro. A ocorrência desses dois eventos no mesmo período não é nenhuma coincidência: o alto índice de chuva é ocasionado por um fenômeno climático, uma corrente de umidade proveniente da Amazônia.

Nos últimos dois anos o Estado do Amazonas acompanhou uma das piores secas da sua história, ocasionado a miséria de milhares de ribeirinhos. O mesmo ocorreu no Estado do Rio Grande do Sul, que no ano passado teve alguns de seus municípios atingidos pela chuva e neste ano enfrenta uma das piores secas da sua história. Alguns municípios, como Bagé, já estão fazendo racionamento de água.

Em outras partes do mundo ocorrem eventos semelhantes: onde até ontem nevava agora neva muito mais; onde fazia calor, a temperatura é muito mais alta. Não resta dúvida que o clima terrestre está passando por um processo de transformação, fenômeno popularmente conhecido como “mudança climática” ou “aquecimento global”. Sem entrar na controvérsia sobre a real dimensão da interferência do fator “homem” nas mudanças ambientais que estão ocorrendo, o fato é que o clima na terra está passando por mudanças radicais. Inclusive, sem querer assumir um tom profético, os cientistas especialistas nesse tema costumam dizer que o que estamos vivendo é apenas o começo de um processo que tende a se intensificar nas próximas décadas.

Devido aos efeitos da crise ambiental na economia e na vida das pessoas, os governos do mundo inteiro terão que rever suas políticas públicas. O Estado do Rio de Janeiro é um bom exemplo. Apesar dessa região ter sido atingida por um desastre muito semelhante no ano passado, pouco foi investido em ações de prevenção. Não que o governo não tenha colocado em prática algumas iniciativas, como o estudo sobre as áreas de risco na capital, mas os desdobramentos mais recentes demonstram a dimensão do problema e dos investimentos que devem ser feitos. É preciso conceber e colocar em práticas novas tecnologias de governo, com iniciativas na área social e econômica. A questão deve assumir caráter prioritário, talvez até mesmo com a criação de uma secretaria de estado voltada especificamente para esse tema.

O Governo Federal já liberou R$ 100 milhões para atender as vítimas da tragédia, distribuídos da seguinte forma: Estado do Rio de Janeiro (70 milhões); Nova Friburgo (10 milhões); Teresópolis (7); Petrópolis (5); outros municípios da região (6 milhões). Dilma também irá se reunir com seus ministros para estudar a formulação de uma Política ou Programa Nacional de Defesa Civil, buscando integrar ações de prevenção e informação com medidas emergenciais. A verba liberada para o Rio faz parte de uma espécie de fundo de R$ 700 milhões que o governo reservou para essa finalidade. Aém dessas medidas, também será liberado o FGTS, com parcelas de R$ 5 mil por família atingida.

Agora só falta a Dilma entender que fenômenos e catástrofes naturais estão diretamente relacionados às ações de desmatamento na Amazônia e aos impactos causados por grandes obras como a Hidroelétrica Belo Monte. As ações adotadas até agora estão direcionadas aos sintomas, agora o que falta ao governo é adotar uma visão sistêmica sobre a crise e pensar que a política ambiental não é uma área restrita do governo, mas deve ser incorporada também em outros setores. Sim, é preciso que o Brasil cresça, mas esse crescimento não pode ser autodestrutivo. O que adianta construir uma mega obra para agradar as construtoras e a indústria paulista – que precisa de energia elétrica para alimentar suas fábricas – quando os efeitos de ações como essa revertem em gastos estatais e em prejuízos econômicos muito maiores? É como se o governo estivesse apagando o fogo de um lado e acendendo do outro.

As declarações de Sérgio Cabral também são lamentáveis. Não basta dizer que as pessoas foram avisadas ou que se trata de uma “tragédia anunciada”. É claro que se as pessoas tivessem para onde ir, não iriam optar por permanecer em uma situação de risco. A questão é que o poder público avisa, mas não oferece soluções. Pior, depois ainda aponta a suposta “irresponsabilidade” dos que resolveram permanecer em suas casas por não ter para onde ir. Quando falamos em termos de políticas que envolvem remoção ou deslocamento populacional, conseguimos visualizar a complexidade e a seriedade do problema. A população do Rio deve cobrar e fiscalizar o seu governo estadual, exigindo a estruturação de uma ação permanente nessa área.

A mídia, por outro lado, deve aprimorar sua política editorial. As coberturas não podem ser unicamente alarmistas e sensacionalistas, baseadas no calor (e na dor) do momento, explorando a tragédia pessoal como se fosse um folhetim de mau gosto. É preciso fazer uma cobertura constante e não apenas dos eventos de maior crise. A denúncia deve ser anterior ao evento e não posterior. O que precisamos, neste momento, é de um “jornalismo preventivo e cidadão”.

Todos estão lembrados da catástrofe que ocorreu no Haiti, também no ano passado. Recentemente foi publicada uma matéria sobre a situação atual do país, que continua com sua infra-estrutura completamente destruída. Isso demonstra que as ações de solidariedade e o apoio de agências internacionais foram imediatistas e centradas no atendimento mais imediato da população, com pouco investimento na reconstrução do país.

Só espero que o governo não limite suas ações somente ao aparo mais imediato das vítimas, que, apesar de importante e fundamental, deve ser acompanhado por ações de reconstrução da vida das famílias que perderam tudo. Essas pessoas precisam de apoio a médio e longo prazo, pois terão que recomeçar tudo novamente, contando apenas com a triste experiência de ter sobrevivido a uma tragédia como essa.

Gostaria de finalizar esta nota demonstrando a minha tristeza e minha solidariedade com os brasileiros que viveram as conseqüências deste triste momento da história do nosso país. Espero que todos encontrem a força de espírito necessária para superar tragédias como esta.

Obs: fotos de Felipe Dana/AP

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