Enquanto os argentinos foram recebidos com solidariedade pela sua torcida – apesar da histórica derrota para a Alemanha por 4X0 – os nossos jogadores e a equipe técnica receberam uma “acolhida” nada agradável dos torcedores e da mídia. Por que será? É nesses momentos que consigo perceber com clareza que a falta de ética não é apenas uma falha dos nossos políticos. Temos muito que apreender com os nossos vizinhos latino-americanos: apreender a perder com dignidade; apreender a ser brasileiro até mesmo nos momentos difíceis. Mas, num contexto em que todo e qualquer patriotismo é percebido como idiotice sem sentido, o que fazer com o Brasil? E ainda existem alguns mentecaptos que dizem que a diferença, em termos de carisma, entre Maradona e Dunga ou entre a seleção argentina e a brasileira explicaria a diferença de recepção das torcidas. Sinceramente, não acho que Maradona seja assim tão “querido” pelos argentinos, pois antes de ir para a Copa ele quase foi removido do cargo. A diferença também não está na qualidade das duas seleções. Afinal, o Brasil fez belas partidas na copa, como os 3X1 contra a Costa do Marfim e os 3X0 contra o Chile, conseguindo se classificar em primeiro num grupo nada fácil. Além do mais, a derrota para a Holanda foi definida nos detalhes. Já a Argentina levou goleada da Alemanha... Agora, imaginem se fosse o Brasil que tivesse levado essa goleada? Como seria a recepção da torcida brasileira?
A dura verdade é que nós, brasileiros, não sabemos perder! Temos a prepotência de achar que é obrigação da seleção vencer todos os jogos. Pior do que isso, não basta vencer, tem que jogar bonito, dar show e de preferência desmoralizar o time adversário. Tudo bem, essa é a vontade de todo bom torcedor. O problema é quando essa vontade deixa de ser uma expectativa emotiva e passa a ser uma exigência totalitária. O problema é quando não aceitamos a derrota como um elemento inevitável e não conseguimos nos sensibilizar diante da aflição e tristeza dos nossos jogadores, no seu silecioso retorno pra casa.
Desse tipo de fanatismo, surgem outros derivativos. Quando vencemos, a vitória é sempre o resultado da nossa capacidade; quando perdemos, a nossa derrota não é mérito dos nossos adversários, mas da má atuação deste ou daquele jogador ou técnico eleito como “culpado”. Isso pressupõe uma assimetria entre os nossos jogadores e os demais, como se os primeiros fossem obrigados a vencer por serem melhores. Atitude coletiva tão expressiva que deveria ser analisada do ponto de vista psicanalítico.
E o pior mesmo é ver que a mídia, ao invés de desempenhar o seu papel social, acaba incentivando esse tipo de comportamento. Conforme foi possível acompanhar nos últimos dias, além de não receberem bem os nossos jogadores, muitos jornalistas amargurados buscaram logo identificar os “culpados” pela derrota e levá-los ao julgamento em praça pública. Por outro lado, muitos torcedores incoerentes chegaram a ir até o aeroporto para agredir os jogadores... E eu fico me perguntando onde está a ética nessa atitude? No momento em que os jogadores e o técnico que estavam representando o nosso país mais precisaram do nosso apoio, o que é que nós fizemos? Viramos as costas ao invés de estender a mão e se solidarizar com a dor da derrota. Afinal, alguém tem alguma dúvida de que todos os membros da seleção gostariam de retornar vitoriosos para o Brasil? Não seria muito mais emocionante percorrer as avenidas das nossas cidades e receber os calorosos abraços de milhões de torcedores? Qual ser humano não se sensibiliza com a possibilidade épica de se tornar um herói? Basta ver nos olhos dos jogadores da seleção "Dunga" que a derrota irá marcar suas almas pelo resto de suas vidas. Alguns deles ainda vão retornar ao palco onde brilharam por algumas partidas, outros, os mais velhos, provavelmente terão que assistir o espetáculo nas arquibancadas. Todos eles sabem que perderam uma grande oportunidade, assim como tantos outros jogadores que voltaram para casa decepcionados.
Que espírito solidário é esse? Até mesmo a Itália, que foi desclassificada na primeira fase da competição, teve uma acolhida melhor ao voltar para casa. Até mesmo a pobre Coréia do Norte, que foi o time que mais tomou gol neste campeonato, teve uma recepção mais digna do que os nossos jogadores. O que resta aos sul-africanos, que apesar de sediarem a Copa, não conseguiram passar da primeira fase? A sua torcida soube reconhecer o seu esforço e deu o apoio que eles precisavam.
Já é notório que o futebol é um esporte onde o “acaso” ou a “sorte/azar” tem influência no resultado final do jogo, ainda mais com uma bola como a Jabulani ou com juízes do nível dos que se apresentaram nesta copa. Além do mais, conforme comentei na mensagem anterior, nós não podemos ganhar todas as partidas que disputamos, pois isso vai contra o espírito esportivo. A verdade é que o torcedor brasileiro tem um comportamento infantil diante da derrota e tem o apoio de boa parte da mídia. Por outro lado, esse fenômeno reflete claramente que o povo brasileiro ainda precisa superar o “trauma colonial” para se pensar enquanto “Nação”. Precisamos fazer uma psicanálise da cultura futebolística brasileira...
Será que não estamos diante de uma nova versão de Macunaíma, onde o herói é substituído pelo "torcedor sem caráter"?
O que esperar da “torcida brasileira” em ano de eleição? Será que trataremos "vencedores" e "perdedores" com a mesma lógica? Será que realmente fomos seduzidos pelo sadismo virtual do BBB?
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