Estou entrando na reta final de escrita da tese! Com isso, as atividades no blog estão um pouco de lado, em segundo ou terceiro plano... A solução tem sido publicar coisas relacionadas ao que ando lendo ou escrevendo. Na última semana, revisei Anti-Édipo e Mil Platôs de Deleuze e Guattari, motivo pelo qual publiquei alguns trechos sobre as noções de devir e rizoma e um rabisco inspirado nessa leitura (Ciência Régia e a Casa do Imperador). Nada de muito importante, apenas alguns trechos e imagens... Suspiros paralelos ao que estou pensando/escrevendo. No início da semana, foi a vez de revisar Gregory Bateson e sua noção de "organismo + meio ambiente", assim como sua crítica à divisão entre mente (suj.) / mundo (obj.)... Na quarta-feira, retornei às minhas anotações sobre o "Ser e o Tempo", de Martin Heidegger e escrevi alguns apontamentos e esboços iniciais. Hoje devo começar a ler "Ontologia Histórica", de Ian Hacking. É interessante como esse autor se apropriou da obra de Foucault, aplicando sua abordagem arqueológica no estudo das ciências ocidentais. Depois vai ficar faltando duas ou três coletâneas de artigos, que devo acabar até o início da próxima semana, para então me dedicar à escrita dos dois últimos capítulos e da introdução. Os temas de fundo são: propriedade intelectual, direitos autorais, conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios... Os eixos transversais: ontologia, tradução, práticas de conhecimento, espaço liso/estriado, territorialização/desterritorialização, habitus (para além de Bourdieu), redes sociotécnicas e outros conceitos correlatos.
Essas leituras e o trabalho de campo no Amazonas afetaram e transformaram a minha forma de ver o mundo. Tudo, desde então, ganhou outra dimensão. Cada vez me convenço mais de que a escrita da tese também envolve um processo de auto-conhecimento muito forte. Tenho refletido muito sobre a vida e sobre a existência no mundo. Sobre novos e velhos amigos... Sobre questões mal ou bem resolvidas.. Sobre novos e velhos sentimentos. A escrita tem me levado a um mergulho reflexivo impressionante, inquietante e ao mesmo tempo extremamente produtivo. Reviver as imagens-lembranças do campo, das relações que estabeleci no Amazonas, das trilhas e dos conhecimentos... Mergulhar em todos esses mundos possíveis, navegar por seus caminhos, conhecer suas pequenas vielas e seus atalhos, tentar diferenciar uma piscadela de um piscar de olhos, tudo isso me transformou completamente.
O exercício ruminante de tentar tornar as idéias mais claras e mais precisas tem sido bom, mas exaustivo. Ter que retornar muitas vezes para as mesmas linhas, estabelecer conexões e refazer os mesmos caminhos a partir de trajetórias diferentes, traçar contornos, cortar ou adicionar trechos... É impressionante como a escrita provoca uma mistura alucinante de todos esses níveis da existência: de tudo que está em mim e lá fora ao mesmo. O resultado disso? Um corpo de afetos estratificado no papel, perdendo-se no jogo das letras e dos pensamentos para se encontrar sob a forma desse "outro" que ainda está por ser revelado ou descoberto.
Existe uma parte de mim que tem vontade de continuar por outros meios. Nenhuma novidade, com o tempo, também vamos apreendendo a nos conhecer melhor. Tenho a forte impressão que sempre vivi essa inquietação: uma busca incessante por linhas de fuga rumo ao oriente, talvez para redescobrir aqueles velhos caminhos que ainda vivem em mim como uma espécie de enunciação rebelde, uma disposição-miragem rumo a um devir-futuro. A distância de um "cair-no-mundo" que me coloca em contato com um "Eu" que vive lá fora, com as coisas e pessoas que comovem e me fazem viver: seja o sorriso das crianças ou o grito desesperado dos desolados...
Percorrer a reta final não tem sido nada fácil. Minha rotina tem sido a mesma todos os dias da semana: acordar por volta das 07hrs, sentar no escritório e ficar lá até por volta das 21/22hrs, só fazendo um pequeno intervalo para almoçar. Até aí, nada de mais. Milhões de brasileiros vivem jornadas exaustivas. Longe de mim querer me fazer de vítima. De qualquer forma, a imobilidade também provoca danos e o corpo reclama. Mal posso esperar a oportunidade de voltar a fazer algum exercício: nadar, caminhar, jogar basquete ou qualquer coisa do tipo. Também seria ótimo ficar sem fazer nada, apenas pensando. Gostaria de ter mais tempo para aprofundar algumas idéias que grudaram em mim. Mas esse outro "tempo-cronograma" - que me persegue na forma do aviso "o tempo está passando" ou de mais um "prazo final" que se aproxima - não me permite. Pelo menos não sem ter que fazer jornada dupla, trabalhar nos feriados e finais de semana...
Vivo hoje as boas experiências que vivi nos últimos três anos de campo. Mas isso me distancia de outras tantas coisas legais que estão acontecendo no mundo e com as quais eu gostaria de me envolver mais. De fato, ficar sentado o dia inteiro não tem sido nada fácil. Distante da família e dos amigos, a auto-disciplina tem sido o meu principal apoio nessa jornada. Como dizia meu caro avô, "as conquistas na vida são regadas de muito sacrifício e dedicação"... Lembrei do meu antigo professor de epistemologia (na graduação), José Carlos dos Anjos, que dizia sempre: "eu não acredito em genialidade. Tudo é fruto de muito trabalho... Somos todos operários das ciências sociais!". Nunca uma afirmação esteve tão correta. Longe de qualquer pretensão aristocrata, gosto de ver o meu ofício como uma prática artesanal que exige muita dedicação. A minha sorte é que tenho contado com a compreensão e o carinho da minha companheira Cristina, que agora também dá início a uma nova jornada como professora, após ter vivenciado o mesmo processo. Também não posso deixar de mencionar os amigos e os familiares que estão ao meu lado, mesmo quando distantes. Enfim, vamos levando...
Mas logo tudo isso vai recomeçar de outra forma... Tenho planos de cultivar uma horta, ter mais contato com a terra, cuidar de plantas, viajar, conhecer novas paisagens, escutar música, percorrer novas trilhas, ir ao teatro, ler poesia, contos e literatura... Fazer novos amigos, dar início a novos projetos...
Enfim, agora falta pouco, de um total de 9 capítulos, 7 já estão prontos. Além da escrita da parte final da tese, ainda será necessário fazer a última revisão, incorporando as sugestões que surgiram a partir da discussão do material com a orientadora. Por isso, peço paciência aos leitores do blog, pois só poderei publicar reflexões paralelas ao que estou fazendo agora. Mas assim que terminar essa batalha, vou me dedicar um pouco mais a este projeto.
De qualquer forma, vale apena mencionar que, neste mês, o blog bateu o recorde de acessos: foram mais de 3500 visitas! Leitores de várias cidades do Brasil e de países como Estados Unidos, Portugal, Irlanda, Angola, Venezuela, Argentina, Holanda e França têm acompanhado as postagens com certa frequência. A nossa comunidade também está crescendo. Já são 47 membros... Tendo em vista que se trata de um blog de antropologia, está ótimo. Pra mim, isso significa que idéias e temas políticos que estão em disputa passaram a circular por essas redes e foram apropriadas, transformadas, criticadas ou até mesmo desprezadas... Essas idéias nunca foram minhas, no sentido de uma coisa que me pertence ou algo como uma "idéia original", pois são frutos de múltiplos, pequenos e dispersos exercício de imersão no mundo, nada mais. E isso é o bastante quando não se tem nenhuma pretensão de popularidade... Talvez a proposta seja a de formar uma rede virtual em torno de questões relacionadas à antropologia, aos povos indígenas, ao meio ambiente, às práticas científicas e à antropologia simétrica. Nesse sentido, estamos caminhando na direção certa. "Antroposimétrica" está conectado com uma dezena de outros blogs, trocando idéias e colaborando para que a dádiva-conhecimento circule em redes cada vez mais amplas. Afinal, só o coletivo descentralizado faz a diferença de fato! Vamos em frente...
Um comentário:
Calma, pessoal, não é pra tanto...rsrs. A minha salvação/renovação ocorre aos domingos... Dia de descanso: cinema, passeio no parque. Em ocasiões especiais, uma cervejinha gelada ao final do dia, tendo como paisagem o céu de brasília. Não que seja católico, mas gosto de contemplar os domingos de sol em boa companhia...
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