No Brasil, o carnaval é também a data que comemoramos a igualdade e a solidariedade, colocando abaixo as barreiras sociais que nos separam. O ideal seria que esse espírito de compreensão mútua também estivesse presente durante todo o ano, como parte do nosso cotidiano. Assim, nada melhor do que refletirmos sobre alguns dados divulgados no “Mapa da Violência”, um reflexo do fenômeno da desigualdade racial na forma como brancos e negros vivenciam o problema da segurança pública.
Os dados dessa pesquisa são bastante expressivos. Afinal, das 50 mil vítimas da violência, em 2002, foram assassinados 46% mais negros do que brancos. Em 2008, esse índice aumentou ainda mais e chegou à casa dos 100%. Esse número é maior ainda em algumas regiões do Brasil: na Paraíba, por exemplo, morrem mais de 1000% mais negros do que brancos. Outros dados divulgados nessa pesquisa não deixam a menor dúvida: no Brasil, os negros sofrem mais diretamente os efeitos perversos da violência criminal. E olha que estamos nos referindo aos efeitos diretos da criminalidade, sem falar nos indiretos. Afinal, quem vive em áreas marcadas pelo tráfico também precisa conviver diariamente com uma cidadania dilacerada, tendo seu direito de ir e vir severamente prejudicado. Os moradores dos bairros mais pobres de grandes metrópoles como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e São Paulo, entre outras, precisam se adaptar a uma paisagem de guerra civil. Todos nós sabemos que além dos jovens diretamente afetados pela vida no tráfico e pelo efeito perverso das drogas, ainda temos que contabilizar as famílias cuja qualidade de vida é ameaçada diariamente.
Os índices que revelam a persistência da desigualdade racial refletem um fenômeno cultural amplamente disseminado em nossa sociedade. Conforme declaração da atual ministra da Igualdade Racial, em reportagem da revista “Carta Capital”, a socióloga Luiza Bairros: “A imagem utilizada para compor o criminoso é calcada na pessoa negra, mais especificamente no homem negro. O negro foi caracterizado como perigoso em estudos de criminologia e o lugar onde ele mora é visto como suspeito. É automaticamente enquadrado nas três possibilidades de construção da suspeição: lugar, características físicas e atitude. Ou seja, como o racismo institucional existe, acaba moldando o comportamento de boa parte da corporação”.
Tanto brancos como negros são iguais. Não existe, por parte dos jovens negros, nenhuma predisposição natural para a criminalidade. Essa diferença evidenciada nas estatísticas revela uma desigualdade racial histórica, que reforça ainda mais a desigualdade econômica entre brancos e negros. A situação é a mesma em outros setores, como no mundo do trabalho e da educação. Trata-se, portanto, de um fenômeno político e cultural produzido pela nossa sociedade, que nuca conseguiu superar, de fato, as nossas raízes escravocratas.
Depois ainda existem antropólogos, no Brasil, que defendem o mito da igualdade racial e da miscigenação, combatendo as políticas de reparação, como as cotas universitárias. Segundo eles, ao dar atenção à desigualdade histórica e real, estaríamos prejudicando o efeito ideológico do mito das três raças, supostamente, um poderoso instrumento de coesão social. De fato, a ideologia da igualdade racial também serviu para camuflar práticas cotidianas de racismo amplamente disseminadas em todos os setores da nossa sociedade, mas escondidas sobre a sombra de um mito e de um ideário.
As estatísticas, de fato, não deixam a menor dúvida: os negros sofrem mais com a criminalidade, são mais pobres e possuem menos condições de trabalho, remuneração e acesso à educação. Fortalecer os movimentos reivindicatórios, portanto, é uma forma de dar ênfase a este problema, criando mecanismos efetivos para reverter os índices da desigualdade, dando condições para a população negra brasileira conquistar de fato a sua cidadania. As cotas são políticas de reparação histórica, um instrumento governamental cujo objetivo é reverter tendências que refletem características estruturais e estruturantes da nossa sociedade. No futuro, no entanto, quando negros e brancos viverem em um contexto social de igualdade política, esses instrumentos já não serão mais necessários. Enquanto os dados revelarem a persistência da desigualdade racial no campo da saúde, trabalho, educação, cultura e direitos humanos, o governo e a sociedade terão que implantar mecanismos reais para combater esse fenômeno.
Espero que o espírito igualitário e humanista do carnaval se mantenha durante todo o ano e que possamos, em um futuro próximo, viver em uma sociedade mais igualitária. Afinal tenho certeza que a eliminação histórica e real do racismo nos tornará uma sociedade melhor, mais justa e humanista.
Um comentário:
Penso que uma forma de combater a violência, a desigualdade racial é realizar este concientização na escola, atraves da prática pedagógica, por meio de professores pesquisadores que são aqueles que sempre avaliam sua prática educacional, levando em conta as particularidades e diversidade do grupo de alunos com os quais ele trabalha. Procura desenvolver uma visão crítica através de reflexões que melhorará sua prática docente. Sempre está pesquisando, procurando surpreender seus alunos e a si mesmo, sempre inovando, tornando suas aulas atrativas e prazerosas.
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