terça-feira, 4 de junho de 2013

A face ruralista do Governo Dilma e os movimentos sociais

Dois artigos jornalísticos publicados recentemente revelam de forma clara a vinculação do Governo Dilma com a "classe ruralista".

No primeiro deles, "Agenda de Dilma revela opção do governo", publicado no jornal "Brasil de Fato" (30/05), Cleber Buzatto descreve em detalhes a agenda de reuniões da presidenta, que em pouco menos de uma semana, recebeu diversas lideranças diretamente associadas aos interesses dos latifundiários, como é o caso, por exemplo, da audiência particular com a maior representante do agronegócio brasileiro, a senadora Kátia Abreu (PSD/TO). Além de homenagens recebidas recentemente, Dilma mantem um canal aberto com os latifundiários brasileiros por intermédio da sua ministra da casa civil,  Gleise Hoffmann, que tem atuado como "porta-voz" dos ruralistas no planalto. Da mesma forma, por diversas vezes Dilma compareceu em eventos patrocinados pelo agronegócio, que tem um lugar de destaque na agenda política do seu governo. Essa aliança conservadora tem reflexos no plano econômico, como podemos notar pela recente concessão de R$ 112 bilhões para o "Plano Agrícola e Pecuário", voltado para financiar a produção do agronegócio. Da mesma forma, os "aliados" da base governamental de Dilma, como diversos deputados e senadores do PMDB, têm fortes vínculos com os ruralistas, barganhando apoio político em troca de um favorecimento presidencial à sua causa.

Por outro lado, Dilma tem se negado a conceder audiência para os índios e seus representantes. Apesar dos diversos conflitos envolvendo povos indígenas brasileiros, as portas do planalto estão fechadas para os habitantes originais do Brasil. Conforme aponta o artigo de Cleber, Dilma é a única presidente brasileira - desde a ditadura militar - que ainda não se reuniu com os índios.

Em outro artigo, "Os movimentos sociais e a queda da popularidade de Dilma", publicado no site "Luis Nassif online", Emanuel Cancella chama atenção para a recente queda da popularidade do governo Dilma e associa esse fenômeno à crescente insatisfação dos movimentos sociais e ambientais com os fortes vínculos existentes entre o Governo Dilma e o que há de mais conservador na política brasileira. Soma-se a essa insatisfação a total ausência de uma política de reforma agrária no Brasil, os constantes desrespeitos aos direitos humanos, o apoio fornecido ao cartel hidroelétrico formado em torno da figura do senador José Sarney e seus aliados e fenômenos criados pela "política da aliança", como é o caso "Feliciano". Segundo Emanuel, a recente queda da popularidade de Dilma não está unicamente associada ao aumento da inflação, mas também à insatisfação dos movimentos sociais organizados, sindicatos e outros setores da sociedade com o rumo que o governo Dilma tem tomado nos últimos dois anos.

Diante da aproximação das próximas eleições presidenciais, Dilma se vê em uma encruzilhada: ou busca retomar o vínculo com os movimentos sociais, sindicais, ambientais e indígenas que ajudaram a elegê-la (principalmente, no segundo turno), ou solidifica ainda mais o estreito vinculo que tem mantido com o agronegócio e a elite ruralista, descendentes da antiga UDR e do que há de mais conservador no cenário político brasileiro. O acirramento dos conflitos políticos, indígenas e fundiários expressa claramente a divergência entre essas duas agendas políticas e seus interesses, além de demonstrar a existência de visões diferenciadas sobre o "desenvolvimento" que se quer para o Brasil: de um lado o "neodesenvolvimenstismo conservador" das elites rurais; do outro, o "desenvolvimento sustentável" proposto pelos índios, camponeses, ambientalistas e demais setores populares.

Infelizmente, a descrição da agenda política de Dilma revela que, até o presente o momento, a sua opção tem sido em favor das forças ruralistas e sua visão conservadora de desenvolvimento.    

Link para os artigos de Buzatto e Cancella:

Agenda de Dilma revela opção do governo
Os movimentos sociais e a queda da popularidade de Dilma                

2 comentários:

Assaz Atroz disse...

Li o artigo "Agenda de Dilma revela opção do governo", de Cleber César Buzatto, aqui citado. Em alguns poucos parágrafos, ele disse (e insinuou) várias vezes que "Dilma ainda não falou com os povos indígenas. Ela foi a única presidente desde a época da ditadura a não recebê-los".

Só faltou dizer que os governos da ditadura e os do início da "redemocratização" dormiam nas ocoas e fumavam o cachimbo da paz com os índios.

Lula e Dilma são, na verdade, espetaculares engolidores de sapo. Principalmente sapos "aliados" ou simplesmente "progressistas", gente temerosa dos meios de comunicação oligopolizados, dos barões da mídia.

"Reconciliar-se com o inimigo não quer dizer anuir aos seus propósitos, mas apenas mantê-lo incapacitado, ou ao menos inibido, de nos prejudicar. Acho que é isso que fazem os governantes progressistas, reformadores e até os revolucionários." http://port.pravda.ru/sociedade/cultura/08-09-2012/33686-verdadeiros_inimigos-0/

Melhor que falar, e até mesmo afagar para depois trucidar, é fazer:

"A forma como a imprensa vem tratando as demandas indígenas também é questionável, e de acordo com Neli de Mello-Thiery, estamos “baixando a guarda” em todos os assuntos das minorias brasileiras. “Aqui no Brasil ainda persiste a máxima de que há muita terra para pouco índio”. Fato que ilustra bem essa ideia mostrada por Neli é o caso do deputado Nilson Leitão (PSDB – MT), que admite ser um produtor rural e diz que há abuso nas demarcações, pois a presidente Dilma Rousseff disponibilizou 1,54 milhão de hectares para “apenas” 90 índios, referindo-se ao decreto de homologação da Terra Indígena Kayabi, nos municípios de Apiacás (MT) e Jacareacanga (PA).
O professor Ariovaldo explica que o elemento fundamental na demarcação de uma área indígena é a cultura. Assim, ao se demarcar uma área deve se levar em conta se no local há cipós para que os índios possam continuar produzindo seus artesanatos, além do que é preciso ter uma área para que eles possam realizar suas festas e rituais. Por esse motivo, as áreas demarcadas são grandes. Além disso, o geógrafo explica que os povos indígenas não respeitam as fronteiras físicas. “Muitos dos que moram na região de fronteiras tem parentes em outros lugares, como na Venezuela, e a atravessam para ir visitá-los. Isso deixa os militares loucos”.
A PEC 215 terá de ser apreciada por uma comissão especial antes de ir à votação no plenário da Câmara dos Deputados, o que deverá ocorrer a partir do segundo semestre deste ano. “Não podemos esquecer que os indígenas estavam aqui antes da gente. Eles têm esse direito. Temos milhares de técnicas e investimentos necessários para fazer aumentar a produtividade, usando áreas que já tem, mas não é preciso, necessariamente, tirara as terras indígenas”, afirma Neli." http://assazatroz.blogspot.com.br/2013/06/o-indio-da-midia-agencia-assaz-atroz.html

Abraços

Diego Soares da Silveira disse...

Prezado Assaz Atroz, agradeço, inicialmente, os seus comentários ao post aqui publicado. Até poderia entender a eficácia estratégica da política de 'engolir sapos' se ela viesse acompanhada de ações contundentes de apoio à reforma agrária, aos direitos humanos e aos direitos indígenas e ambientais. Como podemos ver pela agenda política de Dilma, não é este o caso. O fato de outros governantes terem mantido uma postura hostil em relação às demandas políticas dos índios e dos sem-terra é esperado e não justifica a reprodução dessa atitude por Lula e Dilma, porta-vozes que são de outros setores da sociedade brasileira (pelo menos inicialmente, pois não podemos deixar de notar que os votos dos ruralistas do centro-oeste foram fundamentais para eleger Dilma). Afinal, o governo do PT foi eleito, em parte, para defender as minorias étnicas e civis, assim como os interesses dos trabalhadores urbanos. O que vemos, no entanto, é que a arte de 'engolir sapos' acabou desvirtuando o projeto político originário. Ou seja, o preço pago pela "governabilidade" - o que inclui alianças com os setores mais conservadores do cenário político brasileiro - tem se demonstrado muito alto. Mas, certamente, todos os sapos seriam bem vindos se, na prática, o governo Dilma estivesse levando adiante um projeto de transformação do Brasil, de luta por justiça social, reforma agrária, etc. Mas tudo o que vemos é a reprodução, nos últimos dois anos, de uma mentalidade desenvolvimentista de caráter conservador, pois vinculado aos históricos interesses das classes dirigentes. Isso constitui, de fato, uma traição da expectativa histórica que foi colocada em torno dos governos trabalhistas. Afinal, o "desenvolvimento", no Brasil, continua sendo feito em nome e por intermédio da política da 'monocultura de exportação', hoje denominada simpaticamente de "agronegócio" (veja dados sobre projeção do PIB...). De fato, tanto o governo Lula como o Governo Dilma representam uma política de centro, unicamente comprometida com a manutenção do status quo... Por último, a agenda política de um governante retrata, de forma direta e clara, as suas opções e afinidades políticas. Neste sentido, o artigo de Buzatto não só é relevante, mas extremamente revelador de uma face (nem tanto) oculta do Governo Dilma. abraços

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