sábado, 27 de outubro de 2018

Em Defesa da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade: Haddad Presidente!

Neste semestre, dei aulas de antropologia nos cursos de graduação em Ciências Sociais e Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, Minas Gerais. Ao longo das últimas aulas, tenho percebido a expressão de angústia e medo nos (as) estudantes.


Em uma aula sobre o livro, "Sexo e Temperamento", da antropóloga norte-americana, Margaret Mead; ficamos todos apreensivos diante da possibilidade de um correligionário do candidato Bolsonaro entrar no recinto e nos agredir: diante de todo movimento de pessoas no corredor, os (as) alunos (as) olhavam assustados para a porta, com medo de que algo pudesse acontecer. Afinal, a matéria que estava lecionando aborda as relações de gênero em três sociedades estudadas pela autora na década de 1930, buscando desconstruir a "naturalização" das identidades e relações de gênero na sociedade norte-americana da época, conteúdo classificado negativamente pelo neofascismo bolsonasrista como "ideologia de gênero". 


Enquanto apresentava as ideias da autora, fiquei emocionado e triste: seria essa a última aula sobre esse livro? Será que - caso o candidato do PSL ganhar no dia 28 de outubro - nós, professores, continuaremos a ter liberdade de cátedra nas universidades? Ou seremos censurados no exercício da nossa profissão? E o que dizer dos estudantes, seriam eles perseguidos por serem classificados na categoria moral "Vermelhos" simplesmente por cursarem filosofia ou ciências sociais? Pior ainda, será que as universidades públicas serão mantidas em funcionamento em um eventual governo Bolsonaro? Será que nós, professores universitários, seremos expulsos do Brasil?   

Neste ano, completei 40 anos de idade, sendo 20 deles de experiência em Universidades Públicas: primeiro como aluno de graduação em Ciências Sociais na UFRGS; depois como estudante de mestrado em antropologia (na mesma instituição) e doutorado em antropologia na Universidade de Brasília; e, desde 2012, como professor do Instituto de Ciências Sociais da UFU. Ao longo de todo esse período, contei com benefícios concedidos pelo Governo: bolsas sociais (para aluno de baixa renda) e bolsas de pesquisa. Morei em casa de estudante, frequentei o restaurante universitário e, principalmente, tive a oportunidade de cursar a universidade, algo que, no meu caso, só foi possível devido à gratuidade do ensino público superior no Brasil.

Desde 2003, quando Lula assumiu a presidência da república, pude vivenciar um processo intenso de transformação da Universidade Pública: construção de novas universidades; introdução das políticas de cotas; aumento de investimentos em infra-estrutura; contratação de novos professores; incentivo à qualificação docente; aumento dos recursos destinados à pesquisa; aumento considerável das bolsas "sociais", de introdução à docência e de pesquisa. Pude perceber, por experiência própria, que o perfil dos estudantes da universidade pública mudou sensivelmente: a presença de negros, pessoas de baixa renda e mulheres, aumentou consideravelmente nos 14 anos de governos petistas. 

Nunca antes um governo defendeu de forma tão contundente o lema da "Defesa da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade". Milhões de brasileiros e brasileiras, como eu, tiveram acesso ao ensino superior devido às políticas educacionais implantadas ao longo dos governos petistas. 


A Universidade Pública - que sempre foi um privilégio dos setores mais ricos da sociedade brasileira - tornou-se acessível a setores da sociedade historicamente excluídos do ensino superior. Tenho orgulho de fazer parte dessa história recente do Brasil. 

Ao longo desse período, também pude gozar de um ambiente democrático de debate de diferentes perspectivas teóricas. Nunca, em momento algum, falou-se em censurar autores ou teorias. O espaço das Universidades sempre foi, ao longo de todo período pós-constituição de 1988, um ambiente livre de exercício do pensamento crítico, deixando aos próprios estudantes o direito de escolher - entre múltiplos autores e teorias - aqueles com os quais mais se identificavam. 

A apreensão e o medo estampado na expressão dos meus estudantes de Filosofia e Ciências Sociais reflete os inúmeros ataques do candidato Bolsonaro ao ambiente democrático e livre das instituições públicas de ensino. Pela primeira vez na história recente do Brasil, fala-se em banir autores e teorias, o que é um claro desrespeito a autonomia de cátedra das universidades e instituições de ensino; fala-se em implantar o ensino à distância em todos os níveis educacionais, inclusive no ensino superior, supostamente para resguardar os alunos da "doutrinação comunista", um desses fantasmas criados pelos neofascistas bolsonaristas. Com a justificativa de combater a suposta "lavagem cerebral dos vermelhos", busca-se transformar a Universidade em um curral de reprodução das ideologias conservadoras e do pensamento neoliberal. Pior ainda, fala-se também em extinguir as políticas de cotas sociais e cobrar mensalidades aos estudantes. Retorna-se, desta forma, a visão "elitista" e "conservadora" do ensino público. Ao que parece, Bolsonaro pretende retomar o processo histórico de sucateamento das universidades públicas, investindo no ensino superior privado.  

Diante do medo e da apreensão dos estudantes, senti-me na obrigação de tentar tranquilizá-los: falei que, independe do resultado dessas eleições, haverá resistência política a medidas que busquem destruir com as instituições de ensino; haverá resistência à censura e ao abuso de autoridade nas universidades federais. Falei que eles não estariam sozinhos nessa luta em defesa da democracia e da liberdade de expressão de ideias e pensamentos. 

Saímos dali decididos que a esperança pode, sim, vencer o medo. 

Após a aula, retornando para casa, chorei por alguns minutos a dor dos meus alunos, que é também a minha dor. Estamos todos apreensivos e angustiado com os discursos antidemocráticos de Bolsonaro e seus correligionários, apreensivos com o que poderá acontecer nos próximos quatro anos. Mas saímos dali também convencidos de que a esperança pode, sim, vencer o medo neste domingo!



A LUTA CONTINUA!                   

                 
           

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Sobre o Caráter Sistêmico da Corrupção e a origem sensacionalista do "Anti-Petismo"

Uma parte dos eleitores que está apoiando a candidatura do candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, justifica a sua escolha por se dizer contra a corrupção que teria atingido, na última década, diversos níveis governamentais e partidos políticos. Trata-se, fundamentalmente, de um justo sentimento de indignação com o mau uso do dinheiro público, mas baseado em uma compreensão equivocada e sensacionalista do fenômeno em questão.



Essa compreensão equivocada da corrupção em nossa sociedade resulta de uma abordagem sensacionalista e parcial do problema por parte da grande mídia. Nos últimos anos, tal sentimento de indignação foi canalizado inteiramente para o PT e suas principais lideranças partidárias por uma extensa rede de comunicação filiada aos grupos que detêm o monopólio dos principais canais de TV no Brasil: Rede Globo, Record, SBT e Band. Por meio de um jornalismo parcial e comprometido politicamente com os interesses dos setores mais conservadores da nossa sociedade, criou-se a falsa ideia de que o PT, Lula, Dilma e Cia seriam os principais responsáveis pelas inúmeras denuncias de corrupção publicizadas na grande mídia. Criou-se a ideia de que a corrupção foi criada pelos governos "petistas" ou pelo menos ampliada a padrões monumentais. O que vimos nos últimos anos foi um movimento evidente de uso político das denuncias de corrupção para denegrir a imagem do partido político no poder executivo, tendo como finalidade tomar o poder a qualquer custo: até por que as investigações estavam indo "longe demais", a ponto de colocar em risco os interesses dos representantes das classes dominantes.   

Trata-se, obviamente, de uma interpretação equivocada da corrupção, visando agenciar o sentimento de indignação da população brasileira para combater o que sempre foi percebido por esses setores mais conservadores da nossa sociedade como uma ameaça aos seus privilégios enquanto representantes da aristocracia brasileira. O fato é que o tal "sentimento anti-PT" sempre existiu em nossa sociedade, mas sempre se manteve no patamar dos 25%-30%, tendo como principais porta-vozes os tradicionais representantes da "Casa Grande", incluindo as famílias que têm o monopólio dos meios de comunicação no Brasil.


Ao invés de informar a população sobre as razões sociais e culturais que estão na origem da corrupção, assim como a sua magnitude e amplitude sistêmica, os comentadores do péssimo jornalismo sensacionalista se aproveitaram do momento de fragilidade da esquerda brasileira, para tratar de tirar o melhor benefício da conjuntura histórica. A "crise econômica" mundial teve um impacto tardio - sendo que esse efeito foi consideravelmente ampliado pela conspiração política dos opositores pós-eleição de 2014. Insatisfeito com a derrota nas urnas, teve início um processo político que só agravou ainda mais o que já parecia ruim. Seguiu-se o desemprego...

E o Governo Dilma não conseguiu - devido às alianças que estavam na origem da sua reeleição - responder com eficácia e rapidez de forma a amenizar a insatisfação de amplos setores da população. Foi desta forma que o discurso midiático anti-PT teve eco nos setores mais pobres da população brasileira. Dilma foi canibalizada pelo sistema que a elegeu, tendo em vista que a iniciativa do impedimento partiu de sua base aliada. Ao longo do período em que o PT esteve no poder, na mesma medida em que se aproximava - para conseguir governar - dos setores tradicionalmente conservadores da sociedade brasileira; por ouro lado, afastava-se das pautas trabalhistas e de esquerda que estavam na origem da formação histórica do partido.   

Esse movimento alimentou-se também de excessos políticos e jurídicos: o impedimento da Presidenta Dilma por meras "peladas fiscais" que, até então, não eram consideradas ilegais; e a condenação do Ex-Presidente Lula, ato jurídico questionado pela total ausência de provas legais por parte significativa da classe jurídica nacional e internacional. Se a condenação de outros políticos e dirigentes do PT foi, em grande medida, baseada em provas mais concretas; este não foi certamente o caso de Dilma e Lula, cujas condenações são até hoje fruto de inúmeras controvérsias jurídicas e políticas. Para piorar ainda mais a "neutralidade" das investigações, vieram logo após as denúncias contra Temer e seus principais assessores, que não receberam a mesma atenção "negativa" da mídia e foram arquivadas ou suspensas pela prerrogativa do fôro privilegiado da classe política.

Nos últimos anos - quando avaliamos as ações do MPF, do STF e da PF - percebemos não somente que houveram excessos, mas que a Justiça não foi imparcial na aplicação e interpretação da Constituição e das leis em geral. Ainda assim, não podemos negar ou retirar o reconhecido mérito das operações de combate à corrupção, pois, pela primeira vez na História do Brasil, empresários e políticos foram investigados, condenados e presos. Não se trata, portanto, se ser à favor ou contra a "Lava Jato" e outras operações, mas apenas de controlar os excessos e usos extra-jurídicos da máquina.

  

Mas, vamos aos fatos estatísticos sobre a corrupção na política. Como podemos ver aqui, o PT não é, de fato, o partido mais corrupto do Brasil, pois teve apenas 2,9% dos seus políticos condenados e cassados:

   
Os partidos com maior número de políticos condenados e cassados é, exatamente, o DEM, o PMDB, o PSDB e - pasmem! - o PP e o PTB, partidos aos quais o deputado Bolosonaro foi filiado por mais de dez anos. É realmente extraordinário o fato do candidato do PSD ter convivido tanto tempo com correligionários cassados por corrupção e nunca tenha descoberto nada ou feito qualquer denuncia.

O resultado desse processo de "pedagogia midiática" - visando canalizar todo o sentimento anti-corrupção no PT - passou a ser conhecido popularmente como "Anti-Petismo" e representa, nessas eleições presidenciais, a principal razão para o alto índice de rejeição do candidato à presidência da república pelo PT, o Prof. Haddad, assim como de outras lideranças políticas. Essa transformação do sentimento anti-corrupção em sentimento anti-PT está baseada em uma série de ilusões sobre o próprio fenômeno "corrupção", como veremos aqui. A maneira sensacionista que o problema foi abordado, comentado e interpretado, pela grande mídia, incentivou o sentimento de intolerância da população em relação ao PT e à esquerda brasileira, gerando discursos e atitudes de ódio e violência profetizadas na figura do "messias" Bolsonaro e sua família.

Mas, retornemos ao problema inicial. Primeiramente, para entendermos a verdadeira natureza do fenômeno da corrupção em nossa sociedade, será necessário inserir na análise as perspectivas histórica e sociológica.

Uma breve História da Corrupção no Brasil

Podemos afirmar que a corrupção no Brasil teve início ainda no processo de colonização e continuou presente na vida nacional ao longo de toda a nossa história. Não se trata, portanto, de uma "novidade" ou de práticas que teriam, supostamente, sido inauguradas nos governos do PT, mas um fenômeno de longa duração baseado em razões socioculturais que nos remetem diretamente ao processo de constituição do Estado no Brasil. Teve início ainda com a distribuição das sesmarias, quando a tarefa de colonização foi, por assim dizer, "terceirizada" ao ser repassada para famílias portuguesas que se instalaram aqui. Essas famílias de "sesmeiros" representavam o Estado Português Colonial e combateram violentamente os nativos, apropriando-se de suas riquezas e mulheres, escravizando a sua força de trabalho. A corrupção primordial, no Brasil, foi a corrupção colonial. Corrupção essa feita com o apoio da elite colonial, que depois se transformou em elite nacional.



Desde então, sempre houve, na cultura política brasileira, uma apropriação privada e familista das instituições governamentais. Basta dar uma olhada nos livros de história para ver como a "corrupção" surge, inicialmente, como um ato de rebeldia política das elites locais em relação ao que era então percebido como uma apropriação indevida da riqueza produzida na colônia portuguesa. O próprio movimento de independência política pode ser entendido, em grande medida, como um movimento que buscava tornar as elites aristocráticas locais - cujo poder sempre foi baseado, em última instância, no controle do território e suas riquezas - "independentes" em relação ao Estado Português, permitindo que as riquezas construídas com a exploração do trabalho escravo - seja ele negro ou indígena - pudesse ser inteiramente apropriado pelas elites locais.

Com isso, uma genealogia da corrupção no Brasil nos leva a uma análise histórica do processo de enriquecimento das aristocracias locais, cuja riqueza tem origem na exploração indevida do trabalho escravo e na apropriação injusta (mas "legal") da terra e suas riquezas. Essas elites alimentaram-se historicamente do uso indevido do poder publico, seja no sentido do enriquecimento pessoal e familiar, como também no sentido de combater tudo e todos que estivessem no seu caminho: foram assim que as principais fortunas familiares foram construídas no Brasil, ou seja, a partir da apropriação indevida - e, portanto, "corrupta" - do trabalho e da terra, sempre visando o benefício de uma pequena parcela da população.

A desigualdade de classe no Brasil está diretamente associada a apropriação do Estado pelas elites locais e a transformação de suas estruturas em um instrumento de enriquecimento pessoal e familiar. A corrupção primordial é a corrupção associada ao próprio processo de produção e reprodução de riquezas, baseado, em última instância, na exploração do trabalho: inicialmente dos índios, depois dos negros; e depois do trabalhador pobre.

No Brasil, o que é "público" sempre foi tratado pelas elites como um "bem privado e familiar", sendo esta, sem dúvida nenhuma, a mais grave de todas as corrupções. Nunca houve, portanto, um sentimento de empatia das elites pelo "povo brasileiro" ou até mesmo pela "Nação Brasileira", muito menos pelo "bem público"; a história do Brasil é também a história da apropriação indevida da terra, das riquezas e do trabalho para benefício de uma elite. A política partidária tem sido, historicamente, um instrumento de apropriação das estruturas estatais para benefício de uma pequena elite letrada, que faz uso da máquina pública para seu benefício próprio, buscando ampliar suas riquezas a partir da expropriação da força de trabalho dos setores mais pobres da população. A sociedade brasileira, desde sua mais remota origem, sempre foi perpassada por uma desigualdade estrutural que perverte o seu sistema político em suas engrenagens estruturais. Não se trata, portanto, de um fato datado na história brasileira, mas de princípio estrutural e estruturante do próprio Estado Brasileiro, que, em sua origem, foi um Estado Colonial. 

O discurso nacionalista propagado por esses setores da sociedade é baseado em uma ideia de nacionalidade extremamente excludente e eurocêntrica, uma imagem que pouco reflete a ampla diversidades de culturas que compõem a sociedade civil brasileira: nela não há lugar para os índios, os negros e os pobres, muito menos para as minorias de gênero e políticas. Trata-se também de uma imagem superficial da história de formação do Brasil e da sociedade brasileira, movida pelo sentimento de negação das desigualdades estruturais e estruturantes que perpassam a nossa sociedade: uma visão branca e elitista do que deve ser o "Brasil dos brasileiros".   

Ao longo da histórica republicana do Brasil, essas elites aristocráticas sempre manipularam a opinião pública no sentido de manter um total monopólio das instituições estatais, impedindo, desta forma, que a corrupção endêmica e sistêmica promovida pelos seus representantes políticos fosse denunciada ou até mesmo combatida pelo poder público.

O grande problema da corrupção no Brasil é que - devido a apropriação aristocrática das instituições governamentais, incluindo as agências de investigação e o poder jurídico - nunca houve um real controle sobre essas práticas e os corruptos sempre gozaram de liberdade para agir. As instituições de investigação sempre foram controladas e manipuladas com mão firme, em todos os governos de nossa história republicana. Ora, quando as investigações são "censuradas" pelos próprios agentes públicos, a corrupção ocorre de forma oculta, nos interstícios dos mecanismos de exercício do poder de Estado. 

Um exemplo claro disso foram os 21 anos de Regime Militar, um dos períodos mais corruptos da nossa história recente. Ao longo dos governos ditatoriais, os meios de comunicação sofriam dura censura e as forças de investigação não tinham nenhuma autonomia para investigar, muito menos o setor jurídico e parlamentar para condenar e prender corruptos. E não foram apenas os militares que se beneficiaram da corrupção, mas amplos setores da sociedade civil, as elites agrárias, os empresários e amplas parcelas da sociedade civil tiraram vantagem de um "milagre econômico" calcado em um amplo endividamento externo do Brasil. As grandes obras de infraestrutura construídas a partir do slogan desenvolvimentista e de integração nacional (leia-se, "segurança nacional"), foram um paraíso para práticas de corrupção envolvendo agentes públicos e privados. Quando os militares deixaram o governo, a dívida externa tinha se multiplicado e a inflação atingiu 235% ao ano. Em governos ditatoriais, as instituições de denuncia e investigação são mantidas sob estrito controle e censura, o que possibilita que a corrupção avance sem qualquer controle.

A Constituição Federal de 1988 e o combate à corrupção

Foi somente com a abertura política e a redemocratização do Brasil que essa história começou, lentamente, a mudar. Primeiramente, devido ao fim da censura dos meios de comunicação, o que permitiu que as ilegalidades fossem minimamente publicizadas. Mas, fundamentalmente, devido à criação de instituições autônomas de investigação e condenação, como é o caso do Ministério Público e da Polícia Federal. A CF de 1988 é, de fato, o primeiro instrumento jurídico que criou instrumentos concretos para combater um princípio estrutural e estruturante do sistema político brasileiro: a corrupção.

Essas instituições sofreram um processo natural de consolidação ao longo do curto período de vida democrática. Mas foi somente nos governos do PT que elas conquistaram autonomia política de fato, por meio da nomeação de chefaturas indicadas pelos próprios membros dessas agências; assim como pelo investimento maciço na "modernização" dos seus instrumentos de investigação. Nunca, em nenhum outro governo na história do Brasil, o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram tanta liberdade e autonomia para conduzir suas investigações sem a interferência do poder executivo ou parlamentar. Entre 2003 e 2011 - período em que Lula esteve na Presidência da República - foram mais de 1.060 operações de combate à corrupção conduzidas pela PF. Só para ter uma ideia, ao longo dos 8 anos em que FHC esteve no governo, foram apenas 48!

Ora, com isso, antes de advogarmos que houve um aumento considerável da corrupção nos governos do PT, precisamos levar em conta o efeito da consolidação das agências de investigação e condenação - assim como a maior liberdade dos meios de comunicação em divulgar as denuncias - nas estatísticas sobre denuncias e condenações, assim como na "percepção" da corrupção pela população em geral. Quando se tem maior autonomia para investigar é normal que o número de denuncias e condenações aumente consideravelmente aos olhos da sociedade, ainda mais quando essas notícias são reproduzidas e comentadas em uma ampla rede de formadores de opinião pública. Não somente o número de operações foi maior, como também a magnitude da disseminação dos fatos associados à corrupção nos meios de comunicação e, de forma mais capilar, nas redes sociais, ampliou-se consideravelmente. Como diz o velho ditado popular, 'quem conta, aumenta um conto'. A forma como os fatos foram relatados e interpretados teve uma implicação na forma como o fenômeno da corrupção foi percebido pela população em geral. 

Esse fato bastante lógico e elementar nunca foi objeto de análise ou comentário por parte dos principais canais de comunicação, que passaram a alardar um simples crescimento da corrupção e creditar o fato na conta do PT.
           
Podemos afirmar, portanto, que a sensação de que a corrupção "aumentou" foi provocada, primeiramente, pela maior autonomia das agências de investigação e pela liberdade da grande mídia em divulgar e comentar os "fatos" apontados nas denúncias das agências de investigação. O próprio PT foi vítima, por assim dizer, da sua postura de defesa das instituições democrática: tanto que suas lideranças foram, uma após a outra, denunciadas, investigadas e, quando se provou os fatos alegados, condenadas e presas. Trata-se de um fato inédito na história do Brasil. 

Ora, como já disse Miriam Leitão, uma coisa é preciso reconhecer. Durante todo o período em que permaneceu no poder, o PT "sempre jogou dentro das regras da democracia". Tanto que - mesmo estando no poder executivo nacional - não conseguiu impedir que suas principais lideranças fossem alvo das agencias de investigação que ajudou a consolidar e fortalecer. Diferente de governos anteriores (e também posteriores, como "Temer"), as lideranças do PT não tentaram controlar as agências de investigação como a Polícia Federal e o Ministério Público, mesmo quando estiveram sob alvo das mesmas.

Por isso é um total absurdo lógico as pessoas dizerem que o PT é "comunista" ou que irá transformar o Brasil em uma "Cuba ou Venezuela"; eles estiveram 14 anos no poder e o Brasil continuou sendo uma democracia; mais do que isso, houve um sensível fortalecimento das instituições democráticas. E isso à revelia dos interesses do próprio PT e seus dirigentes, conforme a história recente do Brasil tragicamente nos demonstrou.

O caráter sistêmico da corrupção no Brasil

A corrupção no Brasil sempre existiu e está na origem da própria formação do Estado Brasileiro: trata-se de uma tradição de longa duração que resultou em uma cultura institucional de ampla disseminação. Algo que está presente tanto nos agentes do poder público, como também em amplas parcelas da sociedade civil. Para aquém da corrupção 'molar' - perpetuada pela apropriação indevida do Estado pelas elites políticas - sempre existiu uma corrupção "molecular", por assim dizer 'menor", de caráter 'invisível', mas sistêmica e infra-estrutural. Ela está disseminada na forma de múltiplas micropráticas que perpassam a relação de diferentes setores da sociedade civil e o Estado Brasileiro. Não se trata de um fenômeno "novo", muito menos circunscrito a este ou aquele partido político ou setor da sociedade.

A corrupção está presente no velho rito autoritário do "você sabe com quem está falando?", na busca de privilégios de toda espécie, nas pequenas e microscópicas práticas de corrupção que perpassam o cotidiano da sociedade brasileira. Ela está presente tanto nas atitudes de sonegação de impostos de grandes organizações econômicas, como também nas práticas de sonegação do cidadão de classe média, que forja notas fiscais e faz uso de todos os mecanismos de ilusionismo contábil. Ela também se faz presente nas micropráticas de apropriação das estruturas de governo pelo cidadão comum, principalmente, aqueles das classes com maior poder econômico.


Mas, por bem ou mal, as pessoas costumam justificar ou minimizar o problema da sonegação fiscal devido à alta carga tributária brasileira. Sem dúvida, precisamos rever a estrutura tributária brasileira, mas antes de tudo precisamos nos certificar que os grandes grupos econômicos estão pagando devidamente os impostos. Mais do que isso, precisamos cobrar mais impostos dos ricos e diminuir os impostos dos trabalhadores e da classe média.

Mas o grande problema da corrupção é que ela se tornou, ao longo do tempo, uma cultura institucional que corrói, por dentro, a administração pública e privada, algo que está presente no próprio funcionamento das engrenagens do Estado e das empresas privadas, na forma histórica em que as elites econômicas se apropriaram do poder público para defender seus interesses econômicos. Esse amplo e sistêmico sistema de corrupção já existia muito antes da criação do PT e foi uma "forma de fazer as coisas" que foi repassada de geração para geração de políticos e empreendedores privados. A promiscuidade entre agentes governamentais e privados é uma tradição de longa duração do Estado Brasileiro, não é, portanto, um fenômeno isolado, ou novo, muito menos circunscrito a um único partido político.

É uma injustiça histórica (além de ilusão e contra-senso sociológico) creditar na conta de um único governante ou partido político a culpa pela corrupção. Além do mais, ao se isolar o problema do seu contexto histórico e institucional, perde-se a oportunidade de construção de mecanismos mais eficientes de fiscalização do poder público. Ao invés disso, o que percebemos é a constante substituição de um corrupto por outro. Nesse caso, a denúncia da corrupção se transforma num poderoso instrumento político de combate aos adversários, visando exatamente se apropriar do Estado para benefício próprio. 

Também não se trata de um problema presente apenas no poder executivo nacional: a corrupção perpassa agentes dos três poderes da república, em seus diversos níveis de atuação (municipal, estadual e nacional), fazendo parte da cultura política nacional desde que o Brasil é Brasil. As práticas corruptas são bastante heterogêneas, envolvendo membros de todos os partidos (com pouquíssimas exceções).

Mas, com isso, ao se afirmar a magnitude e amplitude da corrupção no Brasil, assim como o seu caráter sistêmico e pluripartidário, não se está querendo dizer que se trata de um fenômeno tão enraizado na cultura institucional brasileira que não possa ser devidamente combatido. O que se está querendo argumentar aqui é que para se combater, de fato, a corrupção e suas consequências negativas na vida nacional, precisamos, antes de tudo, saber exatamente o que é a corrupção, sua natureza e magnitude. Caso contrário corremos o sério risco de não combater a "raiz" do problema chamado "corrupção", mas apenas reproduzir os seus meios estruturais de reprodução social e política.



Pior do que isso, corremos o sério risco de embarcar em uma nova "aventura messiânica" no pior estilo "caçador de marajás", conforme já vimos antes na história recente do Brasil: a vassourinha de Jânio Quadros, que varria não somente a corrupção, mas também foi usada para literalmente tentar "varrer" do mapa os novos costumes culturais e políticos presentes em setores da população urbana; o messianismo de Collor, o "Caçador de Marajás" que prometia combater a corrupção a qualquer custo, desde que não fosse praticada pelos seus familiares e empresários de estimação.



Sempre houve, na história do Brasil, dois movimentos que se complementam: por um lado, uma abordagem sensacionalista e pessoalista da corrupção, que busca canalizar a investigação do fenômeno para promover ou prejudicar partidos e políticos específicos; por outro lado, uma sucessão de falsos "salvadores da pátria", profetas que se alimentam da indignação popular para conquistar o poder e se apropriar das estruturas estatais para beneficiar seus correligionários e familiares. O uso político da denúncia é, em si, um mecanismos que permite a reprodução das práticas corruptas. Historicamente, a regra tem sido: um corrupto sai, outro entra em seu lugar.

O fato é que todos os governos são essencialmente corruptos, faz parte da sua natureza estrutural e histórica. Mas a maneira mais eficaz de buscar combater a corrupção consiste, por um lado, em fortalecer as instituições de investigação; e, por outro, em criar mecanismos de controle interno (geralmente denominadas de "corregedorias") que possam agir com autonomia no sentido de controlar o uso político e partidário dessas mesmas estruturas. Pois um dos maiores obstáculos para o combate aos aspectos estruturais da corrupção consiste exatamente no fato de que a lei, no Brasil, não vale pra todo mundo: as estruturas jurídicas - que constituem a 'polícia estatal' - são utilizadas para combater os inimigos e defender os aliados. Faz parte, portanto, do problema a corrupção presente nas próprias instituições de investigação, que podem ser agenciadas e operacionalizadas como um instrumento político-partidário.

Agora como um candidato que abertamente fala em não aceitar os resultados das urnas, que defende a reforma da constituição de cima pra baixo e um forte controle ideológico do Estado, pode ser a melhor solução para, de fato, combater a corrupção? Qual autonomia terão essas instituições para investigar? Será que - em uma eventual denuncia de corrupção contra membros do PSD - a PF, o MP e o próprio STF não serão acusados de serem "de esquerda" ou "petista"? Qual será a liberdade da imprensa em divulgar as denuncias em um eventual governo Bolsonaro?


A melhor forma de continuar combatendo a corrupção consiste em fortalecer cada vez mais as instituições republicanas e democráticas, por meio da aplicação dos princípios enunciados na Constituição de 1988.

Não parece ser esse o caminho proposto pelo candidato do PSD, que fala a todo momento que não irá tolerar nada que não seja a favor dos seus interesses. Uma coisa é certa: sem democracia, não há fiscalização e combate à corrupção nos diferentes níveis governamentais.                                                         

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Em defesa da democracia: ele não, ele nunca

O maior perigo que a eleição de Bolsonaro representa para o Brasil é a disseminação do discurso da intolerância, do ódio e da violência de classe, racial e de gênero. Afinal, não estamos falando de alguém "novo" na política, mas de um parlamentar que possui mais de 28 anos de vida pública. Ao longo desse período, Bolsonaro expressou e propagou suas ideias e preconceitos a quem quisesse ouvir, conforme registrado em inúmeras entrevistas onde o candidato tece manifestações de ódio contra mulheres, homossexuais, negros, pobres e nordestinos.



Sobre as mulheres, por exemplo, Jair já falou que não merecem receber o mesmo salário do que os homens por engravidarem: https://www.youtube.com/watch?v=8Ror3MKK8Tk

O Deputado está sendo processado pela sua colega, Maria do Rosário, por ter sido chamada de "vagabunda" e alguém que "não merecia ser estuprada", conforme é de conhecimento público e notório:https://www.youtube.com/watch?v=8Ror3MKK8Tk

Em relação aos homossexuais, Bolsonaro já expressou todo o seu ódio e intolerância em inúmeras manifestações públicas em programas de auditório e entrevistas:

https://www.youtube.com/watch?v=Z1oGuNkGV2g

Nesta entrevista, por exemplo, o candidato propõe reprimir a homossexualidade na porrada:

https://www.youtube.com/watch?v=QJNy08VoLZs

Tratando os homossexuais de forma claramente desrespeitosa e violenta:

https://www.youtube.com/watch?v=4X0RG6DE114

Mas a metralhadora de violências de Jair é uma metralhadora giratória, índios, negros e pobres também são alvos dos seus ataques e palavras de ordem.

Teses que remontam a política da "assimilação étnica" e "integração" dos índios na sociedade nacional, um total desrespeito aos direitos indígenas inscritos na Constituição de 1988: https://www.youtube.com/watch?v=kjVyjCRuDS0

Nesta entrevista, Jair nega a "dívida histórica com os negros" devido à escravidão:
https://www.youtube.com/watch?v=vtbXWVEWl88

Discursos em que fala dos afro-descendentes utilizando uma unidade de peso portuguesa utilizada na época da colonização, para pesar e comercializar gado, adicionando ainda que "nem pra reprodutores servem mais": https://www.youtube.com/watch?v=vjl1dJ-m12M

Mas o principal alvo de seus ataques no Congresso sempre foi o fantasma do "comunismo" - genericamente identificado com determinadas "pautas" como a reforma agrária, os direitos humanos, os direitos indígenas, o meio ambiente, os direitos LGBT etc. A forma como o deputado trata essas questões é perpassada por um sentimento de ódio e raiva aos seus adversários, motivado pelo sentimento de intolerância em relação a toda e qualquer forma de alteridade. Os seus discursos apontam claramente a sua disposição em perseguir e exterminar todos e todas que pensem diferente dele e seus correligionários.

Nega-se, com isso, um dos valores mais caros à democracia: a possibilidade de buscar resolver nossas diferenças morais, ideológicas e até mesmo religiosas e políticas, por meios legais e institucionais do Estado de Direito, ou seja, através do debate público entre aqueles que elegemos como nossos representantes políticos, debate esse conduzido dentro da legalidade e respeitando as garantias e os direitos civis e políticos anunciados em nossa Constituição Cidadã.

Assim, quando o candidato Bolsonaro, seus filhos e correligionários, propagam o discurso do ódio e da intolerância, quando incitam as pessoas a resolver as suas diferenças por meio de atitudes violentas e autoritárias; quando falam abertamente em "prender, perseguir ou banir todos os vermelhos", em "metralhar toda a petralhada", em prender adversários político-partidários após as eleições ou fechar o STF, em atacar direitos constitucionais; coloca-se em risco os valores e as instituições democráticas. São exatamente essas instituições que nos permitem exercer o pensamento crítico e manifestar nossa crítica e oposição ao que não concordamos ou pensamos que está errado. Sem a democracia, não há oposição, seja ao PT, à esquerda ou aos partidos mais conservadores.

Incitação ao ódio, promessas de armar a população civil, sintetizadas em cenas de apelo sensacionalista e cinematográfico, visam incentivar o eleitor a agir guiado unicamente por sentimentos e emoções, colocando o ódio e a indignação acima da razão.



Mas o efeito mais nefasto desse tipo de discurso político na população civil é exatamente a incitação à violência, pois seus eleitores se sentem incentivados e emparados a expressar de forma contundente ações de violência sem maiores constrangimentos. Temos vistos vários casos de intolerância em todo o Brasil: mulheres sendo agredidas e mortas por serem mulheres; homossexuais sendo perseguidos e espancados; pessoas sendo assassinadas por simplesmente manifestarem sua opção ideológica, política ou partidária. Nos primeiros dez dias após o término do 1º turno das eleições presidenciais, foram noticiados mais de 50 casos de violência motivados por diferenças partidárias e/ou ideológicas, a ampla maioria promovida por seus correligionários (apenas 4 casos tinham como vítimas eleitores do Bolsonaro).

Neste site, por exemplo, foram publicados inúmeros relatos que testemunham o preconceito e a violência cometida contra eleitores, baseado unicamente na sua opção partidária ou ideológica, ou simplesmente por serem enquadrados em categorias genéricas que foram eleitas como inimigas do Brasil de Bolsonaro: "gays", "lésbicas", "travestis", "prostitutas", "putas", "artistas de esquerda", "esquerdistas", "umbandistas", "católicos mercenários", "nordestinos burros", "humanistas" e outras tantas classificações de acusação moral e ideológica.

"Mapa da Violência Eleitoral nas Eleições de 2018": http://mapadaviolencia.org/

Da mesma forma, temos visto o aumento de ações de forte apelo neofascista em  instituições públicas, assim como manifestações que evocam diretamente valores ditatoriais, racistas e totalitários. São diversos os casos de perseguição a negros ou militantes nas escolas e universidades. Também são diversos os casos de violências cometidas nas ruas, nos bares, nos estabelecimentos comerciais e no espaço público em geral.

Essas ações se multiplicaram ao longo das eleições por uma verdadeira indústria de produção e disseminação de fakenews nas redes sociais. Por meio da circulação de informações mentirosas sobre o PT, "a esquerda", as "feministas" ou "comunistas", os bolsonaristas insuflaram a intolerância cada vez mais explícita a esses setores da população brasileira. Intolerância esse que tem sido estimulada por discursos e propostas políticas que parecem profetizar um ataque concreto às instituições democráticas.

Fala-se abertamente em banir autores, livros e perspectivas teóricas, em desrespeitar aquilo que é mais sagrado para a sobrevivências das Universidades - a liberdade e autonomia de exercer o pensamento crítico - posicionamentos nunca antes vistos na jovem democracia brasileira. Ao longo dos 14 anos em que o PT permaneceu no poder, nunca se cogitou em perseguir ou banir da universidade autores e teorias associadas ao pensamento neoliberal e/ou conservador. Pela primeira vez na história democrática, um candidato com fortes chances de vencer as eleições afirma literalmente que irá banir do sistema de ensino determinados autores classificados como "comunistas" ou de "esquerda", o que obviamente desrespeita o direito à livre expressão do pensamento e das ideias, algo inadmissível em uma sociedade republicana e democrática.

Será que retornaremos aos tempos sombrios das masmorras, da censura estatal à arte e ao conhecimento? Retornaremos a era das perseguições morais e religiosas? Por acaso iremos reviver a censura ideológica e política vigente durante os anos de chumbo da Ditadura Militar?


Será que as palavras ofensivas e agressivas do deputado, que promete "varrer do Brasil todos os vermelhos", é um sinal de que estamos prestes a retornar a um dos períodos mais trágicos da nossa história nacional? Será que os professores e estudantes serão censurados em sala de aula? Será que o currículo escolar será modificado de forma a banir eventos da história nacional, como a escravidão e a ditadura?


Junta-se a essa clara ameaça de "censura ideológica" propostas absurdas de transformar o ensino fundamental, médio e superior, em ensino à distância. O que significa isso de fato? A destruição da estrutura material e humana concentradas nas universidades e instituições de pesquisa federais? Promessas e propostas de cobrança de mensalidades nas universidades públicas, outra ação que vai contra o princípio constitucional de gratuidade e universalidade do ensino público. Tendo em vista que esta estrutura de ensino técnico e superior está fundamentada em leis e direitos jurídicos - sejam de caráter individuais ou de classe - algo assim somente seria possível a partir de uma ruptura com a ordem democrática e constitucional, ou seja, com a ruptura com próprio Estado de Direito.

Soma-se a isso a proposta de fundir em um único ministério as pastas da agricultura e meio ambiente, obviamente, para subordinar os interesses e direitos ambientais e indígenas aos interesses dos fazendeiros e do agronegócio, em um claro e aberto desrespeito aos direitos constitucionais (retornarei a essa questão em outro post). Promessas de rever os limites e a integridade territorial das terras indígenas já reconhecidas e homologadas pelo Estado Brasileiro, somadas a ameaças de não conceder "nem mais um centímetro de terra para quilombolas e índios", tudo isso só seria possível a partir de uma ruptura com a ordem constitucional vigente.



Bom, sem falar nas alegações de fechar o STF, em terminar com o 13º, em atacar os direitos trabalhistas, em desrespeitar o próprio voto e as eleições, em tratar o problema da violência civil como uma questão militar... 

Mas não se trata de temer unicamente o que pode ocorrer com os setores e grupos que foram alvos históricos da metralhadora giratória do deputado Bolsonaro em seus 28 anos de vida pública, mas também de temer aquilo que ele sempre apoiou e exaltou em seus discursos inflamados no Congresso Nacional. Defensor da Ditadura, apoiador da censura e da tortura, Jair dá voz e vazão aos discursos que fazem apologia aos regimes militares e ditatoriais. Mais de 85% dos projetos que defendeu no Congresso são referentes a temas de interesse dos militares. Um dos seus principais ídolos - o General Carlos Alberto Brilhante Ursa - torturou homens, mulheres e crianças nos porões do Doi-Codi.


 
A história já demonstrou, por diversas vezes, que os profetas e messias costumam ter vida curta e um fim trágico, simplesmente porque suas promessas e soluções partem de uma análise equivocada, simplória e mesquinha dos problemas sociais e do próprio ser humano e, com o tempo, acabam decepcionando os seus seguidores mais fanáticos.

Mas é aí que mora o maior risco de todos. Neste caso em específico o "messias" anda acompanhado pelo pensamento autoritário da caserna, que passa a ensaiar voos mais altos, demonstrando interesse em sair das cavernas, retomar o rumo da nação. A história brasileira já nos demonstrou o que costuma suceder a personagens lunáticos e salvadores da pátria, eles costumam ser sucedidos por militares "mão de ferro", linha dura, que assumem o Governo para restabelecer a ordem. Da última vez que isso ocorreu, em 1964, os militares assumiram com a proposta de viabilizar as condições institucionais para as próximas eleições - previstas para ocorrer em 1965 - mas acabaram ficando no poder durante 21 anos (1964-1985).

Ao longo desse período, milhares de jovens foram perseguidos, presos, torturados e assassinados. É isso que queremos para o Brasil?

Em nome da democracia e da liberdade: ele não, ele nunca!         

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Bolsonaro: o que há de pior na velha e tradicional política brasileira

O candidato à presidência da república, Jair Bolsonaro, apesar de se apresentar como o representante da "nova política", está há 28 anos no Congresso Nacional. Ao longo desse período, o candidato acumulou um capital pessoal de mais de dois milhões de reais, sendo que a sua família enriqueceu e hoje possui cerca de 15 milhões em propriedades.

Além de ser sustentado por dinheiro público nas últimas décadas, vivendo "dá" política e "para" política, Bolsonaro apadrinhou e encaminhou os três filhos para o mesmo caminho, ou seja, tornou a política um "assunto de família". Além do irmão -que é vereador no RJ - seus filhos foram incentivados a ingressar na política partidária: Carlos Bolsonaro, vereador do RJ; Flávio Bolsonaro, Deputado Estadual do RJ; e Eduardo Bolsonaro, Deputado Federal pelo RJ. Todos defendem as mesmas bandeiras que o pai, sendo que, em alguns casos, assumem posições mais radicais ainda: seus discursos incentivam a violência e o ódio de gênero, racial, ideológico e de classe.   



Apesar de se apresentar como "Caçador de Marajás", Bolsonaro foi citado na "Lista de Furnas" por participar em esquema de corrupção e é acusado de ter recebido 200 mil da JBS, empresa que ficou conhecida pelo envolvimento em casos de propina, tendo sido citada em cinco investigações da PF. O candidato diz ter recusado a verba da JBS e devolvido a doação ao partido, mas existem registros de que esse valor foi repassado novamente a ele como "verba partidária".

Entre 2010 e 2014, o patrimônio do candidato cresceu 150% segundo declaração patrimonial registrada no TSE. Nesse período, Bolsonaro adquiriu 5 imóveis no valor total de 8 milhões, incluindo 2 casas luxuosas na Barra da Tijuca (RJ). Inclusive, esses dois últimos imóveis foram adquiridos por um valor bem abaixo do valor de mercado, o que é, no mínimo, um indício de que se trata de "lavagem de dinheiro". Como é de conhecimento público e notório, um dos filhos dele, Eduardo Bolsonaro, aumentou o patrimônio em 432% em apenas quatro anos.


Bolsonaro é acusado de fazer campanha para presidente com a cota parlamentar - o que é ilegal - além de se beneficiar indevidamente do "auxílio moradia" concedido a parlamentares, apesar de ser proprietário de um apartamento em Brasília, utilizado como moradia. Questionado pelo uso indevido de tal benefício, o parlamentar respondeu que, na época, era solteiro e usava o dinheiro "para comer gente", referindo-se a aplicação da verba para a contratação de acompanhantes e prostitutas. E veja bem, neste caso, não se trata de 'denuncia' ou 'acusação' feita por terceiros, mas de afirmações públicas do próprio candidato.

Existe um vídeo onde, ao ser questionado por um correligionário em evento de campanha política, sobre o seu posicionamento em relação às "regalias" dos deputados federais (passagens aéreas, auxílios moradia e transporte, verba parlamentar, etc), o mesmo fez uma defesa do "direito do parlamentar em receber esses benefícios", dizendo que ele "não abria mão" de algo que considera como um "direito". O vídeo em que o parlamentar faz essa defesa aos privilégios e regalias dos políticos está disponível no youtube e foi filmado por seus correligionários.

Apesar de se apresentar como "novo", Jair está na política desde que foi eleito vereador do Rio de Janeiro, em 1989, tendo ingressado no Congresso Nacional, em 1991, e reeleito desde então. Ao longo desse período, o parlamentar foi filiado a 7 partidos políticos: PDC (1990), PPR (1993-95), PTB (1995-2003), PFL (2005), PP (2005-2016), PSC (2016-17) e PSL (2018).

É importante notar que entre os partidos ao qual foi filiado, Bolsonaro integrou o PFL de Antônio Carlos Magalhães, cacique da política tradicional brasileira; o PTB de Roberto Jefferson, autor confesso de práticas de corrupção associadas ao chamado "mensalão"; o PPR e o PP de Paulo Maluf, conhecido pelo seu apoio aos militares e por ter sido condenado por práticas de corrupção.


Como defender a bandeira de combate à corrupção tendo integrado partidos políticos que não só representam o que há de pior na velha e tradicional política brasileira, mas possuem, entre seus membros de maior destaque, políticos que foram denunciados por envolvimento direto em práticas corruptas?         

Outra questão que não se explica é como sustentar a imagem de representante do "anti-petismo" se o parlamentar foi membro do PP entre 2005 e 2016, período em que esse partido fez parte da base aliada dos Governos do PT e do PMDB de Michel Temer?

Outra contradição está associada as atividades do parlamentar no Congresso Nacional. Bolsonaro foi autor (em alguns casos, em conjunto com outros parlamentares) de 171 projetos, sendo relator de 73 deles (conforme informação do site da Câmera Federal). Entre esses projetos, conseguiu aprovar apenas 2 Projetos-Lei e uma PEC: ampliação da isenção do IPI para produtos de informática; obrigação de geração de recibo eleitoral após voto em urna eletrônica; e liberação do que ficou conhecido como "pilula do câncer", cuja eficácia terapêutica é questionado por médicos do mundo inteiro.


A maior parte dos projetos de autoria de Bolsonaro trata da defesa dos direitos de membros das Forças Armadas, de modificações no Código Penal, de liberação do porte de armas, de posições contrária aos direitos humanos, das mulheres e do Movimento LGBT, da causa anti-indígena e anti-quilombola e de combate ao que entende como "ideologia de gênero" e aos Direitos Humanos.

Destaca-se, por exemplo, a proposta de se comemorar o "Golpe Militar de 1964", os projetos que visam amenizar crimes cometidos em defesa da propriedade privada, as inúmeras proposições de diminuição da maioridade penal e as ações que visavam tornar sem efeito a demarcação de terras indígenas (ver PDC-365/1993 e PDC-170/1992).


Jair Bolsonaro também ficou conhecido nacionalmente por defender pautas extremamente conservadoras: defesa da Ditadura Militar e de outros Regimes Autoritários na América Latina; de combate ao fantasma do "comunismo"; de ferrenha crítica a pauta de defesa dos direitos Humnaos e LGBT, das mulheres, dos índios e dos quilombolas, incluindo posições contrárias às políticas de ação afirmativa; posições favoráveis à pena de morte, à censura e à tortura. Conhecido por suas frases desrespeitosas em relação a mulheres e a integrantes do Movimento LGBT, o candidato tem promovido a ideologia machista, o racismo, a homofobia, assim como a violência e o ódio de classe.



Apesar do slogan da sua campanha ser "Brasil acima de tudo", Bolsonaro incita a divisão do pais e a violência entre diferentes setores da sociedade. Se existe uma palavra que define e sintetiza o que tem sido a atuação do parlamentar nos últimos 28 anos, certamente é a "intolerância" em relação a toda e qualquer forma de alteridade. Essa intolerância é marcada por posições anti-democráticas e pela glorificação nostálgica dos regimes totalitários e ditatoriais. Caso Bolsonaro venha a se eleger presidente do Brasil, a jovem democracia brasileira ficará em risco e podemos ter que enfrentar novamente um governo autoritário e com forte tendências totalitárias e fascistas.   

Agora me explica como um sujeito com essa biografia política pode ser considerado um representante da "Nova Política"?           

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Retomando o blog na luta contra o Fascismo Tupiniquim

Já faz tempo que o blog "Antroposimétrica" está parado. A ultima postagem foi em outubro de 2014. Na época, estávamos diante da releição de Dilma e existiam mais dois candidatos com chances de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais: Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB). Apesar de antever alguns sinais, mal sabia eu que a situação poderia, em um futuro próximo, tornar-se muito pior do que o cenário então existente. Quem poderia imaginar que olharíamos para qualquer um daqueles candidatos com "alívio" diante da possibilidade de um sujeito com forte posição fascista estar com chances reais e contundentes de assumir a Presidência do Brasil a partir de 2019.

O momento extremo que vivemos exige uma reação contundente em defesa da democracia e contra posições fascistas e autoritárias. Bolsonaro é ainda candidato e os casos de violência - motivados por intolerância ideológica, preconceito ou machismo - perpetuados por seus eleitores, multiplicaram-se pelo Brasil inteiro. Desde o final do primeiro turno, já são mais de cinquenta casos de violência, alguns deles tendo resultado em assassinato. Não podemos aceitar um retorno a era medieval, onde as pessoas resolvem suas diferenças "à bala", na violência. Não podemos ser reféns da raiva e do ódio.

O sentimento anti-corrupção e o anti-petismo não podem servir de justificativa para o apoio de alguém que agride abertamente mulheres, LGBT's, negros, pobres, índios; alguém que se coloca em defesa de governos e ideias autoritárias; pior, alguém que nega a própria história do Brasil, ao questionar eventos como a escravidão e a ditadura militar. Um sujeito que apoia a tortura não pode ser o futuro presidente do Brasil. A história já nos mostrou por diversas vezes que governos totalitários costumam ampliar ainda mais o sofrimento dos setores mais pobres e das minorias de uma sociedade repleta de desigualdades sociais como a nossa. O Brasil que essas pessoas querem construir é um Brasil onde nós não existimos, pois fomos extintos pela violência declarada da intolerância dos setores mais conservadores da sociedade brasileira.   



Por essa razão, decidi retomar este espaço como um ambiente de luta e resistência em defesa da democracia e contra o fascismo. Até o dia 28 de outubro de 2018 - já a partir da próxima semana - irei postar textos buscando desmistificar ilusões sobre o candidato Bolsonaro, com a esperança de esclarecer o eleitor dos sérios e trágicos riscos que corremos caso venha a ser eleito.

Trata-se da contribuição do blog "Antropologia Simétrica" à luta contra o fascismo!

A LUTA CONTINUA!!      

sábado, 25 de outubro de 2014

Triste fim de Dom Quixote: sobre Marina, Aécio e Dilma

Sobre Marina Silva

Sempre fui à favor de Marina Silva e, principalmente, da proposta inovadora da "Rede", baseada em uma reformulação radical e revolucionária do pensamento e da prática política contemporânea. Até pouco tempo atrás, Marina se apresentava como uma liderança extremamente inovadora, com uma proposta genuína e conectada com as mudanças do século XXI. A fundação de um novo partido, com uma estrutura e proposta de funcionamento diferenciada, expressava, naquele momento, a instauração de uma nova forma de fazer política, convergindo e até mesmo intuitivamente antecipando as demandas que foram colocadas por parte dos "manifestantes" insatisfeitos com as velhas e corroídas estruturas da democracia representativa.

No entanto, aquilo que parecia um rizoma extremamente produtivo e com forte potencial revolucionário - em uma época em que a política tornou-se a infeliz "arte do possível" (economia política) - transformou-se, diante do primeiro obstáculo, em uma retomada da trajetória arbórea, com a filiação de Marina a um partido político tradicional, o PSB.

Na minha opinião, acho que a companheira errou três vezes consecutivas.

Primeiro, quando resolveu se filiar ao PSB e ser vice na chapa de Eduardo Campos. Ora, como mudar a política filiando-se a um partido "tradicional" e aliando-se a um político desenvolvimentista e conservador? Para quem se propõe "mudar a política", não seria mais coerente "fincar o pé" na rede e aguardar as próximas eleições?

Segundo, quando o destino - por uma fatalidade circunstancial - lhe deu a oportunidade de assumir como candidata do PSB e ir para o segundo turno, Marina foi omissa, ambígua e se blindou com uma política econômica conservadora. Em poucas semanas, o sentimento de "mudança" que animava seus eleitores transformou-se em "decepção". Surgiu outra rede de apoiadores, essa muito mais sinistra e oportunista, composta por uma "quadrilha" de animadores de torcida com tendências homofóbicas e desenvolvimentistas. De fato, o olhar ansioso e tenso de Marina expressava uma candidatura fadada a auto-contradição e quem sabe até mesmo a auto-destruição, baseada em alianças frágeis e oportunistas. Diga-se de passagem, a presença desse "eleitorado" - que nunca esquece de "cobrar a conta" - anunciava um futuro governo comprometido com aqueles setores mais conservadores do cenário político nacional. A candidatura inesperada de Marina, que surgiu inicialmente como um cometa, logo demonstrou-se extremamente frágil e sem uma identidade contundente que a diferencia-se da velha bipolaridade esquizofrênica que caracteriza, há mais de vinte anos, o cenário político nacional.    

Terceiro, Marina errou quando, ao se ver novamente derrotada, resolveu apoiar Aécio e sua corja de vampiros. Se Dilma anda abraçada com os ruralistas e o agronegócio, se Dilma defende com unhas e dentes o setor hidroelétrico nacional e não é à favor dos índios; Aécio é o representante legítimo de tudo isso, porta-voz de uma política econômica e social extremamente conservadora e retrógrada, coloca-se como o próprio capeta para diversos setores da sociedade que têm se beneficiado com o reformismo era Lula, incluindo aí a classe dos trabalhadores, os professores e a camada mais pobre da população brasileira.  E ainda resta a dúvida: como ser contra a "polarização tradicional" entre PSDB X PT posicionando-se à favor de um dos pólos dessa histórica disputa? Talvez esse apoio revele, de fato, porque a candidatura de Marina não chegou a decolar. Seu Programa de Governo deixou claro para todos que a "mudança", neste caso, era muito mais um retorno à política do "mesmo". Sua "rede" de apoiadores mudou radicalmente em poucas semanas, anunciando o que poderia ser uma "virada" à direita de uma proposta política que, num primeiro momento, colocava-se acima das polarizações tradicionais. Tudo indica que, se eleita, Marina se tornaria um "Lula de saias", transformando a utopia em um contrato social com o grande capital.

Triste fim do Dom Quixote de saias, agora reduzida à garota propaganda de um playboy de direita!

Sobre Aécio Neves

Sobre uma coisa não tenho a menor dúvida: Aécio não representa a "mudança" de nada nesse mundo!

Político de direita, aliado ao que há de pior no horizonte político nacional, Aécio expressa, isso sim, um retorno dos "vampiros oportunistas" que sempre sugaram as riquezas do Brasil e do povo brasileiro. Trata-se de uma candidatura vinculada ao pensamento neoliberal, sustentada por alianças com setores extremamente retrógrados da nossa sociedade. Sua candidatura é baseada em uma "campanha do ódio" promovida pelos mais ricos que querem ficar cada vez mais ricos. Sua razão é a razão dos analfabetos da história do Brasil, a razão da ignorância e da intolerância radical. Trata-se de uma racionalidade "rasa" de gente que vota pensando no seu próprio umbigo, que acha que "pobreza" é coisa de "vagabundo", que quer diminuir a idade penal, que quer acabar com as políticas sociais, com as cotas, com a educação, com a saúde e com as Universidades. Que quer acabar com o mundo! Que quer acabar com os índios, com os ribeirinhos, que quer varrer a pobreza para baixo do tapete. Essa gente que conspira sob o hino maquiavélico e aterrorizante do "Gigante Acordou", abraçados na bandeira nacional, promotores da "ordem e do progresso", abutres que vêem no governo Dilma a manifestação contundente de um comunismo sem dente e na ditadura o regime da salvação da pátria. Gente que acredita em papai noel, que se delicia nos paraísos fiscais das Bahamas, que jura de pés juntos que a capital do Brasil é Miami, que desconhece completamente a nossa história e o nosso povo. Votar em Aécio significa um retrocesso perigoso, que poderá colocar em risco as pequenas conquistas dos últimos governos, por menores que sejam elas diante da possibilidade de mudança revolucionária.

Claro, também tem gente boa votando no Aécio, gente que quer mudar o Brasil, gente indignada com o que há de pior na política nacional. Mas, o fato é que, ao escolher Aécio como messias da mudança, toda essa gente boa e bem intencionada entra em contradição profunda com seus próprios ideais e valores políticos. É exatamente quando a democracia se vê abalada em suas fundações mais primitivas que o vazio ideológico pode ser preenchido pela promessa de fácil redenção de messias oportunistas como Aécio Neves.

Depois desse festival de atrocidades, resta a dúvida: podemos chamar o retorno do "mesmo" de "mudança"? A natureza descodificante e desterritorializante de um sistema socioeconômico como a capitalismo produz políticas esquizofrênicas como a política de Aécio, que propõe o passado como futuro, que traça o caminho do retorno, do retrocesso, como caminho de fuga. A candidatura que faz a alegria dos corruptos, desse pessoal que já começa a esfregar as mãos ao se imaginar como gestor da riqueza nacional, tem como fundamento principal enterrar de vez a democracia e a nova cidadania. As bolsas de valores e as grandes corporações financeiras comemoram e vibram alucinadamente diante da possibilidade de ampliar ainda mais a sua já astronômica taxa de lucro. Anuncia-se no horizonte próximo a possibilidade real de multiplicação da mais-valia do grande capital. Afinal, quanto aeroporto não será construído na casa dos parentes? Quantos mensalões mineiros não vão se multiplicar nos bastidores ocultos do planalto central? Quanto processo de corrupção não será engavetado? Imagina a intimidade dos ruralistas com um governo que se coloca como porta-voz legítimo dos seus interesses?

Não, eu não voto em Aécio nem morto!

Colocar o governo na mão de um playboy mimado e oportunista é traçar no horizonte mais próximo a falência do Estado de Direito, abrindo caminho para uma mudança de paradigma político muito mais radical, animada por proposições anti-constitucionais e por um congresso ultra conservador. O fato é que se com Dilma está ruim, com a Aécio pode ficar muito pior. Não vejo problema nenhum no povo buscar uma alternativa melhor para a política brasileira, buscando construir uma nova forma de gestão do bem público, mas fazer isso retornando para trás, trazendo para o mundo dos vivos a múmia neoliberal, com seus tentáculos afiados e sedentos por carne e dinheiro, não me parece ser uma forma coerente de superar os impasses da política nacional. Na  minha opinião, votar em Aécio é o mesmo que buscar curar uma ressaca com álcool etílico, só pode dar errado!

O fato de um pequeno burguês que sempre se beneficiou da carreira política dos seus parentes e que, apesar de ter um pai político que apoiou a ditadura militar, é sempre lembrado como o sobrinho do Tancredo Neves, expressa a fragilidade da democracia representativa e a total ausência de alternativas para superar os impasses e problemas que levaram milhares de brasileiros para as ruas no ano passado. Infelizmente, o vazio ideológico deixado pelo PT - que transformou a utopia revolucionária em uma economia política desenvolvimentista extremamente pragmática - foi ocupado por uma corja de mau feitores. Diante do precipício e da destruição eminente de todas as moralidades e utopias, Aécio Neves se coloca como o novo "salvador da Pátria", como o "messias" que irá nos libertar do colonialismo petista. Infelizmente, no entanto, tudo não passa de uma farsa muito bem montada. Estamos diante de um ilusionismo barato que tem como principal personagem o pior dos charlatões. Aécio representa o lunático esquizofrênico que surge das cinzas para salvar a sociedade, um "anti-herói" mau caráter que se coloca como "libertador", que ocupa o vazio deixado pelas lideranças, que se aproveita da fragilidade do povo para se lançar como o novo "libertador".

Por trás dessa fábrica de ilusões tucanas, no entanto, encontramos o menino mimado, o playboy da política tradicional, o cavaleiro das trevas que nos conduzirá diretamente ao pior dos precipícios.  

Sobre o Governo Dilma

Sem dúvida, poderia ser muito melhor! Se houveram conquistas, elas foram demasiadamente modestas. O povo quer mais, muito mais! A rede de alianças escusas que levou Lula ao poder - armada com maestria por gente como Dirceu - demonstrou-se extremamente prejudicial no momento de governar e fazer as mudanças almejadas pelos eleitores. Os apoiadores cobraram a fatura! Eles nunca deixam escapar os favores, as regalias, os cargos especiais e as pequenas concessões do caixa dois petista.

O maior responsável pelo avanço da direita no congresso nacional foi o "vazio" ideológico deixado por um governo que apostou todas as suas fichas em um pragmatismo político e econômico de resultados duvidosos. A emergência e disseminação do anti-petismo é o efeito do caminho traçado pelos governos petistas na última década, com uma política de alianças com os setores mais conservadores da sociedade e a redução da política de estado à razão econômica, inaugurando o que poderíamos denominar de um "neoliberalismo social" sem precedente na história do pensamento político contemporâneo.

A máquina do Urstaad engoliu a utopia de uma nova sociedade, canibalizou os sonhos de toda uma geração de pseudo-revolucionários, transformou seus planos de mudança em uma equação duvidosa, onde a conquista da cidadania se resume à transformação de pobres em consumidores. Em última instância, o sonho da revolução socialista foi reduzido à tarefa nada digna de ampliação do território ocupado pela máquina capitalista, por meio da multiplicação dos seus tentáculos para além da classe-média, com a inclusão do pequeno pobre trabalhador no mercado enquanto consumidor de segunda classe. Toda uma nova economia, um novo marketing, uma nova tecnologia governamental, uma nova tecnocracia, tudo isso - que está na base de ampliação dos processos de descodificação capitalista, de transformação de valores em moeda, mercadoria e salário - só foi possível com a conversão da utopia revolucionária em um best seller "pulp", em um "populismo new age" animado por uma "esquerda gospel", com seus slogans de auto-ajuda e sua sede pela manutenção do poder.

Nem mesmo os índios - "esses pobres selvagens primitivos" - estão à salvo dos processos de descodificação e desterritorialização de um mercado que expande cada vez mais sua área de atuação. Promovidos à "guardiões da floresta", os velhos nativos do continente sul-americano podem ser transformados em mercadoria, tornando-se um dispositivo de lucro estatal e privado. Ninguém mais está à salvo, a partir de agora todos os sonhos podem ser transformados livremente em mercadoria.

Vitória de um pragmatismo político herdado dos governos anteriores, incluindo aí o PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Depois da crise do mensalão, ninguém mais está à salvo do grande fantasma da corrupção. Já não existem mais super-heróis como antigamente. Mesmo o pobre Dom Quixote já não vê mais o mundo pelo viés da utopia. A política já não é mais a arte do impossível, reduziu-se ao cálculo exato da contabilidade econômica, dos coeficientes sinistros das bolsas de valores, das tabelas e das formulas retiradas das pranchetas dos bancários, dos números e das equações matemáticas que sustentam a razão econômica. Os líderes foram substituídos por economistas de personalidade "fria", centrais de cálculo que traduzem pessoas em números, sonhos em axiomas numéricos. Toda política passa agora pela grade de uma economia da sensibilidade que tem como princípio fundamental a arte do possível, nada mais, nada menos. O horizonte da mudança revolucionária transformou-se em um grande balcão de negócio. Nunca o campo "social" rendeu tanto para a economia política, nunca as políticas de inclusão foram tão benéficas ao grande capital. De um lado, a redução dos efeitos negativos de um sistema econômico desigual e injusto através da redução gradual e lenta dos limites mais desumanos da pobreza absoluta (o sonho revolucionário reduzido ao reformismo capitalista das políticas "sociais" e do "bolsa família"); do outro, o contrato social com os bancários, a mídia e os ruralistas, a manutenção de uma política econômica conservadora, a ampliação do lucro e a manutenção das taxas de juros. O governo Dilma é a expressão mais contundente desta fórmula esquizofrênica de conjugação de fluxos de trabalho com fluxos de propriedade e capital, de cidadania com consumo, de revolução nos limites rigorosos e exatos da pobre razão econômica que anima o café da manhã dos grandes bancários. A partir de agora, toda revolução pode ser transformada em uma fórmula econômica de baixo custo, em um coeficiente estatístico ou axioma matemático. O cálculo do capital já não possui mais fronteiras ou limites, está por toda parte, emerge agora enquanto razão de Estado tupiniquim.        

Triste fim de Dom Quixote! Mas ainda o "menor dos males" diante de um horizonte político aterrorizante. Votar na Dilma, neste segundo turno, representa, infelizmente, votar em uma política menos destrutiva. Representa optar por tomar uma dose menor de veneno e, quem sabe, ganhar tempo de vida, de resistência.  Nada mais do que isso! Não vamos nos iludir novamente. Trata-se mais de um veto do que de um voto. Se com Dilma está ruim, com Aécio pode ficar muito pior. Infelizmente, já não votamos para mudar o país, mas para salvá-lo da mais completa e cruel destruição. Estamos na era da política do "salve-se quem puder", da política do medo e da desilusão. Já se foi o tempo em que se votava no melhor candidato, agora o voto é um atestado de resistência pragmática. Neste caso, ao invés de dizer sim, dizemos não, votamos para nos prevenir e nos proteger do pior e não para promover o melhor. É como se o pragmatismo econômico que predominou nas grandes instituições molares do Estado se disseminasse também na base dos elementos moleculares que constituem o fluído vital de toda política, transformando o eleitor em um "calculista pragmático", em um "investidor" movido pela razão rasa do mercado e dos economistas. O cálculo da razão econômica disseminou-se também entre o povo.

Neste "Big Brother" da política nacional, nada de sonho, nada de utopia, apenas o calculo e a fração, apenas uma nostálgica política de minimização dos riscos, de diminuição dos danos, de retardamento da "crise final". Escolhemos Dilma para reduzir o efeito da eminente destruição de todas as moralidades, para retardar ao máximo o movimento iminente de conversão da sociedade em mercado, de pessoas em mercadoria.

Trata-se do voto da "prevenção", muito mais do que da "redenção". Ao votar em Dilma, dos males, escolhemos o menor, simples assim. Triste fim do sonho revolucionário, triste fim de Dom Quixote, triste fim de toda utopia política.
   

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Seminários Externos do NUPECS - Profº Drº Guilherme Sá (UnB)

O Instituto de Ciências Sociais, o NUPECS, o PETI-CS e o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia promovem, nesta quarta-feira, 13/11/2013, às 17hrs, no auditório 5O-C, no Campus Santa Mônica, mais uma edição dos "Seminários Externos do NUPECS", sob coordenação dos professores Diego Soares da Silveira e Antônio Petean.

Na ocasião, o Profº Drº Guilherme da Silva e Sá - do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) - estará ministrando o seminário "Antropologia de Coletivos Humanos e Animais: etnografia e simetria".


Guilherme da Silva e Sá é mestre e doutor em antropologia social pelo Programa de Pós-Graduação do Museu Nacional/UFRJ. Atualmente é professor adjunto II do DAN/UnB, líder do Grupo de Pesquisa "Laboratório da Ciência e da Técnica" (LACT), tendo publicado recentemente "No mesmo galho: antropologia de coletivos humanos e animais" (7Letras, 2013). Sua área de pesquisa é a antropologia da ciência e tecnologia, com enfase nas relações entre humanos e não-humanos, natureza-cultura.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Seminários Externos do NUPECS/UFU - Profª Drª Claudia Fonseca (UFRGS)

O Instituto de Ciências Sociais e o Núcleo de Pesquisa em Ciências Sociais (NUPECS) da Universidade Federal de Uberlândia promovem, na quarta-feira, 24/07, mais uma edição dos "Seminários Externos do Nupecs".

Na ocasião, a Profª Drª Claudia Fonseca - do Curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - estará ministrando a palestra intitulada "O Antropólogo em contextos multidisciplinares: práticas, políticas e moralidades".

O evento irá ocorrer no auditório 5O-C, no Campus Santa Mônica, as 17 horas. As inscrições podem ser feitas pelo e-mail - atendimentonupecs@incis.ufu.br - e no local do evento.

Claudia Fonseca é professora titular da UFRGS, tem experiência na área de antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana, atuando principalmente nos seguintes temas: grupos populares, família, adoção e gênero, infância e juventude, antropologia do direito e antropologia das ciências.

    
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